Enquanto conta a sua história, João contém as lágrimas – ao contrário da sua mulher – e junta no discurso revolta, impotência e um sentimento de injustiça.
Quando o fogo de 17 de junho de 2017 passou por Lomba do Moinho, na casa dos seus pais (que faleceram antes do incêndio), João estava no hospital por causa de um problema na perna.
“Disse logo que a casa dos meus pais tinha ardido. Eu a chorar e as enfermeiras a dizerem que a casa não tinha ardido. Na altura, se estivesse cá estado, se calhar tinha ido junto com quem morreu, porque tenho a certeza que estaria aqui com uma mangueira para salvar a casa”, conta à agência Lusa.
Só passados 15 dias de regressar do hospital é que ganhou coragem para ver o tinha acontecido. “Custou muito. Não tem explicação”, diz, enquanto sustém as lágrimas.
Para além da casa, perdeu o emprego. “Estou desempregado desde 24 de outubro de 2017″, relata. Era um dos funcionários da Enerpellets, em Pedrógão Grande, fábrica gravemente afetada pelas chamas, onde trabalhava há nove anos.
Mas é a casa dos pais que o preocupa mais. Com uma sobrinha a seu cargo, que faz 18 anos este ano, vive com a sua mulher numa habitação arrendada na vila de Castanheira de Pera e a possibilidade de se mudarem para a casa dos pais seria um alívio em termos de contas, face à sua situação de desemprego.
A habitação na Lomba do Moinho, que usava regularmente, seria para ele, como lhe tinha prometido a sua mãe, que acompanhou e cuidou até morrer, em 2014.
Pela casa, passaram técnicos, no pós-incêndio, e já foi à câmara ver se o seu caso tinha solução, mas nunca lhe deram uma resposta conclusiva para a habitação que não está em seu nome (as partilhas da herança ainda não terão sido realizadas).
“Temos que esperar e temos que aguardar – foi o que me disseram”, conta, referindo que nunca lhe deram um sim ou um não. “Vai fazer um ano e continuamos a aguardar”.
“A casa era a nossa sobrevivência”, sublinha a mulher de João, Maria de Lurdes. “Era gosto dos meus sogros que ficássemos com a casa. E a gente olha para isto, estamos numa casa de renda, com uma menina para cuidar, o meu marido no desemprego e eu a ganhar o salário mínimo. O que vamos fazer?”, questiona.
Maria de Lurdes sublinha que nunca chegaram a construir uma casa porque a sua sogra sempre disse ao filho para não construir, porque um dia a casa seria para ele.
“A minha sogra nunca concretizou isso, foi para a nossa casa, depois para um lar e nunca houve aquela ganância de dizermos para pôr isso no papel. Viveu-se o dia-a-dia”, explica.
Antes do incêndio, estava certo de que, “mais dia menos dia”, iriam para a casa dos pais de João, depois de resolvidas as partilhas.
“Não é fácil aguentar. Não somos de grandes rendimentos nem de grandes heranças, não temos nada. Vamos ter mimosas que parecem couves a crescer e ficou a pia do porco e a bicicleta” calcinada, encostada à porta de casa.
Maria de Lurdes não consegue conter a emoção e, por entre soluços, lança também críticas à forma como a solidariedade é distribuída: “Vemos coisas a serem dadas – barracões melhores que certas casas – e nós nada”.
Acima de tudo, preocupa-lhe o futuro da sobrinha, que cria desde os seis meses – “é minha filha, só não a carreguei”.
“Onde estão os dinheiros? Onde estão as palavras de consolo? Onde estão as palavras de esperança? Se deixarmos de pagar a renda o que vai ser da minha sobrinha?”, pergunta.
As questões adensam-se e, no meio de um futuro onde só veem “negro”, dizem que, “se calhar, mais valia” irem de “mala aviada” para fora do concelho.
“Ficámos cá, agarrámo-nos às coisas que tínhamos, tentámos contribuir para o concelho. Não estou contra as pessoas que saíram. Se fosse há uns anitos atrás, também tinha ido. Desse para o que desse, se corresse mal voltava para cá, pior que ao que estou hoje não ficava”, remata Maria de Lurdes.
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