Quando se assinalam cinco anos da entrada em vigor da lei que regula o transporte individual de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE), o presidente da Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes – Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo, falou à Lusa sobre o crescente número de motoristas de países como o Bangladesh, o Paquistão, o Nepal e a Índia.
Em Portugal, disse, há ainda necessidade de mão-de-obra, mas a sociedade tem de ter mais consciência para que os imigrantes não sejam “vítimas de posições extremas”.
“Há uma política de desconfiança e, depois, há uma certa impunidade que existe do deixar andar. Este trabalho precário, extremamente precário, existe” no TVDE, considerou Timóteo Macedo, sublinhando que neste setor, como noutros, “a lei já existe, mas não é cumprida”.
A revisão da lei 45/2018, que regula esta atividade e entrou em vigor há precisamente cinco anos, em 01 de novembro, estava prevista para 2022, mas ainda não avançou.
Portugal é reconhecido por ter sido um dos pioneiros na elaboração de legislação para o setor, que não existe na maioria dos países europeus, estando agora à espera da proposta de Diretiva da União Europeia, atualmente em discussão, para fazer alterações, conforme já admitido pelo Governo.
Atualmente são duas as plataformas TVDE a trabalhar no país: Uber e Bolt. Segundos dados de setembro do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, há 16.043 operadores de plataforma eletrónica, ou seja, os parceiros que, através da constituição de empresas obrigatória por lei, dão trabalho aos motoristas. Estes, por sua vez, são já 66.325 (mais do triplo do que há cinco anos).
Timóteo Macedo explicou que não houve “nenhum contacto ou pedido de ajuda” à associação por parte de imigrantes a trabalhar no setor, apesar de a comunicação social ter noticiado, nos últimos meses, casos de exploração de motoristas estrangeiros, que chegavam a dormir em carros, tanto na zona de Lisboa como no Algarve.
A ausência de reclamações à Solidariedade Imigrante, acrescentou, pode justificar-se com o facto de as pessoas “de certa forma ficarem amedrontadas com a posição da sociedade portuguesa […] em relação a tudo o que vem de fora”.
O também conselheiro do Conselho das Migrações alertou para a “necessidade de se tomar uma posição contra a xenofobia e o racismo extremo” que são por vezes veiculados na comunicação social.
“[Os imigrantes] não vão apresentar queixas, eles sabem perfeitamente que são vítimas de posições muito extremas. Não há gente para trabalhar em muitos lados, é normal. Mas eles são vítimas e é preciso combater essa exploração, e é preciso combater o racismo e a xenofobia que existe na sociedade”, reiterou.
Lembrando que os imigrantes têm vindo, ao longo dos anos, a colmatar a falta de trabalhadores na construção civil, na agricultura, na restauração e agora na atividade de TVDE, Timóteo Macedo sublinhou que Portugal tem leis e é preciso “que as faça cumprir”, até porque já bastam “os fenómenos que são contra o espírito solidário e humanista do povo português”.
O presidente da associação defendeu ainda uma humanização nas relações de trabalho: “Nós não podemos falar para as máquinas, para os robôs das plataformas. Nós temos que ter efetivamente pessoas visíveis, pessoas com quem os trabalhadores possam falar, porque o cumprimento das regras tem de ser feito pelos patrões e as empresas”.
Num artigo de pesquisa científica, Monique Arruda, investigadora no Centro de Estudos e Investigação em Direito da Universidade Católica Portuguesa, explicou ter realizado uma análise do trabalho nas plataformas digitais, focando-se nos imigrantes, que “constituem a maioria da força de trabalho nesta atividade económica”.
A entrada no mercado das plataformas é “muito fácil”, disse à Lusa a investigadora, sendo mais fácil ainda para quem trabalha na entrega de comida, já que basta alugar uma moto ou bicicleta.
“Muitos, ao desembarcarem no país, enfrentam grandes dificuldades em se legalizar, ou porque entraram sem terem os vistos que podiam conceder autorização de permanência ou pela discriminação no mercado de trabalho, optando por recorrer às plataformas para garantir a subsistência devido à facilidade de entrada”, sustentou, acrescentando que não há previsão para que a atividade das plataformas eletrónicas diminua.
Neste contexto, os imigrantes que estejam qualificados para dirigir veículos conseguem iniciar rapidamente a atividade e ter meios de subsistência: desde que “atendam aos requisitos mínimos exigidos pela plataforma, independentemente da sua nacionalidade, terão acesso ao emprego”, apesar de não terem “uma proteção efetiva em relação ao contrato se não tiverem assinado um contrato de trabalho com o operador TVDE, que optam muitas vezes por contratar prestadores de serviços”.
Apesar de tudo, segundo Monique Arruda, em Portugal têm-se verificado progressos no tratamento dos TVDE, com a pioneira lei 45/2018 que regula o setor, além do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, que aborda questões dos trabalhadores das plataformas.
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