
Em declarações à Lusa, a também atriz Maria do Céu Guerra contou que por volta das 20h00, estavam os atores a chegar ao Cinearte, no Largo de Santos, quando se cruzaram à porta “com um grupo de neonazis com cartazes, programas”, com várias frases xenófobas, que começaram por provocar uma das atrizes.
“Entretanto, os outros atores estavam a chegar. Dois foram provocados e um terceiro foi agredido violentamente, ficou com um olho ferido, um grande corte na cara”, afirmou a também encenadora, de 82 anos, que disse que o ator em causa teve de receber tratamento hospitalar.
Maria do Céu Guerra contou à Lusa que o espetáculo 'Amor é um fogo que arde sem se ver' teria a última récita, de um conjunto de seis, às 21h00, com entrada livre, e tinha sala cheia, mas acabou por não acontecer.
O público só abandonou o espaço já para lá das 22h00, disse a atriz, que realçou que o sucedido só não foi pior por ter aparecido a Polícia de Segurança Pública (PSP), que já intercetou um suspeito.
Maria do Céu Guerra lembrou que se assinalam hoje os 30 anos do ataque por neonazis que matou Alcindo Monteiro: “30 anos depois, este país ainda não arranjou forma de se defender dos nazis”.
“É terrível. E tenho aqui o elenco, 14 atores, todos temendo pela sua saída do teatro. E que querem falar, dar a sua opinião, querem dizer o que sentem em relação a isto e à proteção que lhes é merecida”, afirmou a atriz, que sublinhou o quão vulneráveis se sentem.
Nas palavras de Maria do Céu Guerra, A Barraca é um símbolo de paz, mas para outros não sabe o que será.
Fonte da PSP adiantou à Lusa que foi chamada pelas 20h15 ao Largo de Santos por “haver notícia de agressões”, onde foi contactada por um homem de 45 anos, que “informou que, ao sair da sua viatura pessoal, foi agredido por um indivíduo”.
A PSP, com as características do eventual suspeito fornecidas pelo ofendido e por um seu amigo, encetou várias diligências nas ruas adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão, adiantou a mesma fonte.
De acordo com a mesma fonte, o agredido necessitou de assistência hospitalar, tendo sido assistido no local pelos bombeiros e depois transportado para o hospital.
A PSP identificou os intervenientes neste caso - suspeito, ofendido e testemunha - e vai comunicar todos os factos apurados ao Ministério Público.
Quais as reações até agora?
“Os neofascistas atacam os livros, o teatro e quem faz a cultura. Fazem-no porque acham que podem. O Governo do PSD retirou do relatório de segurança interna a ameaça da extrema-direita. É o maior risco à nossa democracia. Solidariedade com o teatro d’A Barraca. Vamos à luta”, escreveu a deputada única do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, na rede social X.
Também na rede social X, o antigo deputado do Partido Comunista Português (PCP) António Filipe mostrou “solidariedade total” para com o ator agredido: “É urgente acabar com a impunidade destas associações criminosas (as tais que o Governo apagou do Relatório de Segurança Interna)”.
Rui Tavares, líder do Livre, disse igualmente no X: "A agressão de que foi alvo o ator Adérito Lopes merece a mais veemente condenação, e uma investigação que castigue os responsáveis. É inaceitável que uma peça seja cancelada por causa de um grupo neofascista. É o resultado de não haver clareza na rejeição do discurso de ódio".
Organizações extremistas fora do RASI
Em abril, após o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) ter sido enviado para a Assembleia da República e publicado no ‘site’ do Governo, o Bloco de Esquerda pediu esclarecimentos ao Governo sobre o desaparecimento da versão final do capítulo dedicado a organizações extremistas.
Numa resposta enviada à Lusa na altura, o Sistema de Segurança Interna (SSI) admitiu que existiu uma “versão de trabalho” do RASI que incluía informação sobre organizações extremistas, diferente da “versão oficial” apresentada na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna.
“Qualquer outra versão a que a comunicação social possa ter tido acesso respeita a uma versão de trabalho sujeita a discussão e reformulações no Gabinete Coordenador de Segurança e no Conselho Superior de Segurança Interna”, referiu o SSI, responsável pela elaboração do RASI.
O SSI esclareceu ainda que a versão publicada no ‘site’ do Governo corresponde à versão apresentada na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna e à versão enviada aos deputados do parlamento, não tendo esclarecido o motivo pelo qual foi retirada a informação sobre organizações extremistas da versão de trabalho.
O assunto levou a que também o Partido Socialista (PS) pedisse esclarecimentos ao Governo sobre as diferentes versões do RASI.
Ainda em abril, PSD, CDS e Chega rejeitaram um requerimento do BE para que a comissão permanente da Assembleia da República debatesse, com a presença do Governo, a eliminação de um capítulo dedicado a organizações extremistas na versão final do RASI 2024.
Esta rejeição foi fortemente criticada por PS, PCP e Livre, que acusaram PSD, CDS-PP e Chega de terem a "segurança na boca", mas não a quererem debater no parlamento.
*Com Lusa
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