O tema da habitação não se esgota, ora pelas centenas de pessoas que protestam contra as rendas altas, os salários baixos, e exigem "uma casa para morar", ora pelos avanços e recuos das medidas.
Numa altura em que a Câmara de Lisboa destaca o investimento na habitação, com 800 milhões de euros até 2028, e a reabilitação de edifícios, nomeadamente no Bairro Padre Cruz, importa recuar 30 anos para refletir sobre o Plano Especial de Realojamento (PER), lançado através do decreto-lei 163/93, de 7 de maio, para a erradicação das barracas e o realojamento das famílias nas áreas metropolitanas.
"Naquela altura, no início dos anos 90, Lisboa era quase uma cidade de barracas. Era uma cidade onde uma porção muito vasta da população vivia em bairros informais, clandestinos, e de lata. E o PER mudou radicalmente a escala do problema", explica Marco Allegra, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, ao SAPO24. "Não é que Lisboa não tenha um problema de habitação informal. Mas agora Lisboa é uma cidade com barracas, já não é uma cidade de barracas".
Áreas inteiras da área metropolitana, diz o investigador, viviam em situações de grande stress do ponto de vista da habitação, e o PER, "com os números de realojados, conseguiu com certeza mudar esta situação".
Mas não foi um plano perfeito. Para Marco Allegra "só havia praticamente um objetivo básico, que era erradicar as barracas", não indo muito além disso. "Por exemplo, não houve no desenho do PER um cuidado sobre como é que os novos bairros sociais deviam ser, como organizar essas novas comunidades, que além de viver antes em bairros de barracas, eram comunidades muito marginalizadas, desfavorecidas. E esta é uma realidade que, em muitos casos, não mudou muito depois do PER", conclui.
Helena Roseta, que foi deputada e autarca, já havia dito, inclusivamente, em declarações à lusa aquando dos 30 anos do projeto, que "foi um esforço brutal, mas nalguns casos a solução transformou-se em problema" e que, em alguns bairros, a integração "não correu bem", existindo "problemas de coesão social, coesão económica e até de relacionamento entre diferentes tipos de pessoas que lá moram".
Por outro lado, diz o investigador, o PER delegou a implementação do programa às autarquias, não existiu um "desenho metropolitano". Uma vez que "havia, e há também hoje, uma grande disparidade entre as várias autarquias", na prática "cada autarquia foi deixada sozinha com o seu próprio PER, dentro dos seus recursos financeiros, de terrenos, administrativos", explica.
"O caso de Cascais era de uma autarquia com uma certa tradição, tinha recursos administrativos, uma autarquia relativamente rica, com meios financeiros, e relativamente poucas pessoas para realojar", exemplifica Marco Allegra. Pelo contrário, o caso da Amadora, que continua a ser citado por quem argumenta que o PER fez tudo mal, foi um caso em que a autarquia tinha "um território muito pequeno, sem terrenos, sem muitos meios financeiros, onde se calhar não havia aquela máquina administrativa que se podia encontrar em Lisboa ou outros concelhos, e que tinha muitas pessoas para realojar".
O investigador acredita que a assimetria que se criou poderia ter sido "compensada com uma intervenção mais produtiva por parte do Governo, oferecendo recursos, sobretudo técnicos administrativos", e não assumindo que "os limites dos vários concelhos eram o parâmetro certo para resolver" o problema metropolitano.
Como tal, Marco Allegra considera que não existiu um só PER, mas antes "muitos PER's diferentes". Porque "cada autarquia fez o PER com os seus próprios meios e recursos. Houve o PER de Cascais, o PER da Amadora, o PER de Lisboa, o PER de Loures, e por aí adiante", sublinha. "É um quadro muito variado".
Atualmente, o investigador acredita que o problema é muito diferente. "O problema das barracas no início dos anos 90 é um problema de setores específicos, minoritários e muito caraterizáveis da população da área metropolitana, ou seja, comunidades mais desfavorecidas. Agora, a crise de habitação que se enfrenta hoje, e que se criou na última década, é um problema muito mais transversal, que abrange a classe média, não só os desfavorecidos daquela altura", conclui.
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
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