Em entrevista à Lusa, Augusto Santos Silva aborda também a questão das pescas, um dos últimos pontos em aberto na negociação, para frisar que, neste capítulo, Portugal não é um dos países que serão mais afetados por um eventual ‘no-deal’, mas que beneficiará indiretamente da sua resolução.

“À data e hora a que falamos, as perspetivas são mais positivas do que eram na semana passada e, portanto, eu diria que estamos hoje mais perto de um acordo sobre a relação futura entre a União Europeia e o Reino Unido”, afirma o ministro, entrevistado na terça-feira de manhã.

O ministro justifica esse otimismo apontando que “as equipas negociadoras estão a trabalhar”, que, “por duas vezes […] a presidente da Comissão Europeia e o primeiro-ministro do Reino Unido impediram que houvesse o fecho das negociações sem resultado positivo” e, “sobretudo, porque aquilo que separa as duas entidades é hoje relativamente pouco”.

“Acredito que no fim do dia a racionalidade tenderá a imperar sobre as emoções. Eu acredito que haja um acordo”, afirma.

Um dos “pontos críticos” pendentes de acordo são as pescas, em relação ao qual Portugal tem “um interesse meramente indireto”, na medida em que, para a pesca nas águas da Noruega, nomeadamente de bacalhau, beneficia “de haver uma contrapartida oferecida à Noruega a partir de direitos de pesca nas águas do Reino Unido”.

“Portanto, o nosso interesse é meramente indireto, não fazemos parte do grupo de países que serão mais diretamente prejudicados se não houver acordo”, explica.

Outro “ponto crítico” são as condições de concorrência, o acordo económico, em que o objetivo “zero tarifas e zero cotas no comércio entre a Europa e o Reino Unido”, que permita exportações e importações sem taxas aduaneiras, implica condições equivalentes para os bens e serviços de ambos os lados.

“Porque, por exemplo, os Estados europeus estão proibidos, a não ser em circunstâncias excecionais bem delimitadas, de subsidiar as suas empresas para elas terem vantagens internacionais. O Reino Unido tem que ter uma disposição equivalente, senão a concorrência não é justa e nós temos que impor tarifas”, aponta.

É neste ponto, que, “não havendo acordo, as coisas serão mais difíceis”, na medida em que a partir de janeiro se aplicam as regras da Organização Mundial do Comércio, com a imposição de tarifas ao comércio, o que afetará as exportações, “importantes para alguns setores da atividade económica [em Portugal], por exemplo, a indústria conserveira, e afetará as importações”.

Não havendo acordo, Portugal aplicará o plano de contingência europeu, porque pertence a um mercado único com “condições comuns de negociação comercial com entidades terceiras”.

Já resolvida, “a contento”, está aquela que foi “a principal fonte de preocupação”: as condições e direitos dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido e dos britânicos residentes na União Europeia.

No caso dos portugueses no Reino Unido, já se registaram “mais de 300 mil”, com uma “taxa de recusa absolutamente residual”, e, no dos britânicos em Portugal, entre 2010 e 2020, “quase duplicou” o número de britânicos residentes em Portugal registados, atualmente cerca de 50 mil.

Também no turismo, de elevada importância para Portugal, que tem o Reino Unido como “primeiro mercado emissor de turistas”, “as coisas estão resolvidas”.

“Nós não imporemos a necessidade de visto para qualquer cidadão britânico que venha viajar para Portugal e confiamos que o mesmo faça o Reino Unido em relação a cidadãos europeus”, nota, adiantando que já foram tomadas medidas nos aeroportos de Faro e do Funchal para facilitar “a entrada e a circulação de britânicos que venham, por exemplo, passar férias”.

Com o risco de não haver acordo a duas semanas do final do período de transição, que termina a 31 de dezembro, Portugal está a rever o seu plano de contingência nacional, o qual, explicou o ministro, inclui “um normativo de alinhamento em matéria de serviços financeiros” e as bases para “negociar um novo acordo de segurança social” bilateral e “um acordo em matéria de saúde”, seja ao nível europeu, ou, não sendo possível, ao nível nacional.

Entrevista ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, posa para a fotografia durante uma entrevista no Centro Cultural de Belém, no âmbito da Presidência da União Europeia (PPUE2021) que Portugal assumirá no dia 1 de janeiro de 2021, sucedendo à Alemanha, em Lisboa, 15 de dezembro de 2020. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Portugal quer dar “o impulso definitivo” ao modelo social europeu

A presidência portuguesa da União Europeia quer dar “o impulso definitivo” à concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, com a Cimeira Social como “grande momento” do semestre.

Um “grande objetivo da presidência portuguesa da União Europeia (UE) é poder dizer, quando terminar, que foi na presidência que foi dado o impulso definitivo à realização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, isto é, a avançar no domínio da proteção social e, em geral, do modelo social europeu”, diz Augusto Santos Silva.

Esse impulso será dado na Cimeira Social, que o ministro aponta como “o grande momento” da presidência, marcada para 7 e 8 de maio, no Porto.

A Cimeira, explica, vai estruturar-se em “duas grandes realizações ligadas entre si”.

“Uma conferência de alto nível reunindo as instituições europeias, os Estados-membros, os parceiros sociais, as organizações não-governamentais e a academia, as universidades e centros de investigação, em torno da agenda social europeia. E a realização do Conselho Europeu informal, também dedicada aos temas da agenda social, da qual se espera um grande impulso político para a implementação do Plano Europeu dos Direitos Sociais”, enumera.

Na agenda vão estar “coisas muito concretas”, como “a nova garantia para a infância, a nova diretiva regulamentar sobre o quadro europeu do salário mínimo, o reforço da garantia jovem, uma nova abordagem política das questões do envelhecimento […] e avanços” no domínio da União Europeia para a Saúde.

A garantia para a infância, diz, “tem uma missão muito clara, mas muito forte”, de “impedir que qualquer criança europeia se veja excluída, por razões financeiras, dos cuidados de saúde ou de educação”.

Também o reforço da garantia jovem, que passa pelo acesso dos jovens “à educação e à formação profissional, à proteção e à transição da etapa de formação para a vida ativa”.

No caso do envelhecimento, o objetivo é “garantir formas ativas de envelhecimento e de participação dos mais idosos na vida social” e “enfrentar o desafio do quase inverno demográfico que vários países europeus já vivem”.

Na diretiva sobre salário mínimo europeu, aponta ainda, não está em causa estabelecer um valor único, que “seria um absurdo dadas as divergências económicas entre os Estados-membros”, mas “garantir um quadro de referência europeu para o salário mínimo”.

Um mesmo enquadramento tem sido defendido por “vários Estados-membros, incluindo Portugal”, para a garantia de um rendimento mínimo universal, como o que em Portugal se designa Rendimento Social de Inserção.

Além destas, Santos Silva refere outras questões diretamente relacionadas com a aplicação do Pilar dos Direitos Sociais como “toda a dimensão da igualdade e da não discriminação”, que inclui a diretiva “de participação das mulheres nas administrações das empresas, a diretiva sobre a transparência salarial, a estratégia de realização dos direitos e de não discriminação das pessoas em função da sua orientação sexual”, entre outras.

O Pilar Europeu dos Direitos Sociais é um texto, não vinculativo, de 20 princípios para promover os direitos sociais na Europa, aprovado em Gotemburgo (Suécia) em novembro de 2017.

O texto defende um funcionamento mais justo e eficaz dos mercados de trabalho e dos sistemas de proteção social, nomeadamente ao nível da igualdade de oportunidades, acesso ao mercado de trabalho, proteção social, cuidados de saúde, aprendizagem ao longo da vida, equilíbrio entre vida profissional e familiar e igualdade salarial entre homens e mulheres.

A Comissão Europeia está a preparar a sua proposta para o plano de ação e deve apresentá-la formalmente no primeiro trimestre de 2021, cabendo à presidência portuguesa conduzir o debate e negociar um compromisso entre os 27 que permita ‘fechar’ um acordo em maio.

Entrevista ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, posa para a fotografia durante uma entrevista no Centro Cultural de Belém, no âmbito da Presidência da União Europeia (PPUE2021) que Portugal assumirá no dia 1 de janeiro de 2021, sucedendo à Alemanha, em Lisboa, 15 de dezembro de 2020. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Primeiro semestre marcado por reencontro entre Europa e EUA

Augusto Santos Silva, referiu ainda durante a entrevista à Lusa que a presidência portuguesa da União Europeia (UE) vai ser marcada pelo “reencontro” com os Estados Unidos, propiciado pela eleição de um novo Presidente norte-americano.

“O primeiro semestre do ano que vem será marcado, do ponto de vista da política externa da União Europeia, por este reencontro entre a União Europeia e os Estados Unidos, e eu sei bem a palavra que estou a usar: reencontro. Depois de quatro anos de parênteses, trata-se de reencontrar”, sublinha.

“Evidentemente que reencontrar não é regressar ao passado, mas é os europeus e os norte americanos falarem da sua agenda comum como amigos, como aliados, e não como adversários”, acrescenta.

Segundo o ministro, a eleição de Joe Biden, ratificada na terça-feira pelo Colégio Eleitoral dos EUA, não vai levar a que fique “tudo como dantes, mas é um ‘momentum’ que não pode ser desperdiçado […], é uma oportunidade única”.

Vários encontros de alto nível estão desde já previstos, se bem que ainda não marcados, para que essas conversações ocorram: a cimeira da NATO – e a partir da qual se pode combinar à margem uma cimeira do presidente dos Estados Unidos com o Conselho Europeu –, a reunião do G7, em junho, ou a Conferência de Munique sobre Segurança, habitualmente realizada em fevereiro e em que é possível que Joe Biden participe.

Segundo Santos Silva, há pelo menos três dossiês de grande importância recíproca sobre os quais as partes têm de falar: a agenda de comércio, cujas negociações sobre um tratado comercial UE-EUA foram suspensas pelo Presidente Donald Trump; a complementaridade entre a UE e a NATO e outras agendas multilaterais como a do Acordo de Paris.

“Temos de retomar as negociações, deixar para trás a época em que aprovávamos tarifas uns contra os outros e regressar à época em que discutimos uns com os outros a maneira inteligente de gerir as nossas divergências de interesses […] e aproveitar os nossos interesses comuns”, diz Santos Silva.

No âmbito da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o ministro faz questão de realçar a importância de “olhar em conjunto para outras regiões do mundo”, ao mesmo tempo que, relativamente às alterações climáticas – afirma – “os nossos objetivos não serão conseguidos sem a participação dos Estados Unidos”, nem sem a China, a segunda economia do mundo, adianta.

“Diz-se muitas vezes que é preciso que o laço transatlântico se reforce, que haja este reencontro entre a União Europeia e os Estados Unidos no Atlântico Norte, mas eu digo mais: é necessário também que a União Europeia e os Estados Unidos se encontrem noutras regiões do mundo”, sublinha Augusto Santos Silva.

Entrevista ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, posa para a fotografia durante uma entrevista no Centro Cultural de Belém, no âmbito da Presidência da União Europeia (PPUE2021) que Portugal assumirá no dia 1 de janeiro de 2021, sucedendo à Alemanha, em Lisboa, 15 de dezembro de 2020. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

A título de exemplo, o ministro cita o Acordo Económico Global assinado entre 15 países do Oriente, entre eles a China.

“A Europa e os Estados Unidos podem ficar de fora disto, limitar-se a ver, limitar-se a assistir e dizer: isto não é connosco? A minha resposta é não”, declara.

Em relação à China, o ministro promete que “a presidência portuguesa da União Europeia também terá alguma coisa a dizer”, já que “é provável que as negociações sobre o novo acordo de investimento entre a UE e a China não terminem até o fim do ano”.

“Nós defendemos que a autonomia da Europa se consegue mantendo e reforçando a abertura da Europa ao mundo”, destaca.

Segundo o ministro este é, precisamente, um dos grandes objetivos da presidência portuguesa: “poder chegar ao fim do próximo semestre, dizendo, nós contribuímos para que a abertura da Europa ao mundo […] se faça de forma equilibrada, olhando para os vários polos que constituem hoje a multipolaridade do mundo”, seja EUA, China, África, América Latina ou Índia.

A iniciativa de “convocar uma reunião de líderes com a Índia como uma das prioridades” da presidência portuguesa é, “justamente, mostrar que a Europa, para ser um ator global, tem que ter uma posição geopolítica equilibrada”, garante.

“Não podemos olhar só para uma das regiões, temos de ser capazes de olhar ao mesmo tempo para várias regiões”, completa.

O ministro confia que essa “capacidade de ouvir todos” há de marcar a presidência portuguesa, “e por aí contribuir para uma forma mais inclusiva e equilibrada de a União Europeia olhar para as diferentes regiões do mundo”.

“Por isso é que se olha em toda a Europa com grande expectativa para a presidência portuguesa, porque se sabe que os portugueses são bons construtores de pontes e, portanto, esperam que os portugueses consigam falar com todos, escutar todos”, conclui.

Por: Luísa Meireles e Maria de Deus Rodrigues da agência Lusa 

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