Fiel ao seu estilo de líder implacável e caprichoso, o Presidente bielorrusso - frequentemente descrito como o último ditador da Europa – tem mantido uma posição inflexível, rejeitando uma saída do poder e apresentando-se como o garante da independência desta antiga república soviética.
Hoje, durante uma visita a uma fábrica de veículos pesados agrícolas, Alexander Lukashenko, admitiu, numa aparente concessão, partilhar o poder e rever a Constituição, mas também avisou que rejeita a repetição das eleições presidenciais de 09 de agosto contestadas pela oposição e que nunca irá ceder à pressão dos manifestantes.
“Nunca farei nada sob pressão”, afirmou hoje Lukashenko, numa intervenção durante a visita à unidade fabril, onde se ouviram pedidos de “demissão” ou frases como "vai-te embora".
Não é a primeira vez que Alexander Lukashenko, de 65 anos e no poder desde 1994, enfrenta acusações de fraude eleitoral ou de mandar impor uma forte (e por vezes fatal) repressão contra os seus opositores.
No entanto, a figura imponente de Lukashenko parece já não provocar o terror de outros tempos e os milhares de bielorrussos que têm saído para as ruas deste país com cerca de 9,5 milhões de habitantes dão sinais de estarem a ficar imunes ao medo.
Nas primeiras quatro noites após a divulgação dos resultados das eleições presidenciais de 09 de agosto (que Lukashenko garante ter vencido com 80% dos votos e assim conquistado um sexto mandato presidencial), protestos populares ocorreram no país, contestação essa que seria fortemente reprimida pelas forças de segurança.
Pelo menos duas pessoas morreram e outras dezenas ficaram feridas no decorrer dos protestos.
Apesar da brutalidade policial, a mobilização contra Lukashenko saiu reforçada e a oposição bielorrussa conseguiu organizar no domingo, na capital Minsk, a maior manifestação realizada naquele país.
De acordo com a televisão bielorrussa, este terá sido o maior encontro de manifestantes da história da Bielorrússia independente.
Tanto nas redes sociais como em eventos e reuniões públicas, a figura de Lukashenko tem sido ridicularizada, com o líder bielorrusso a ser apelidado frequentemente como "barata de grandes bigodes" ou "Sacha 3%", numa referência à sua verdadeira popularidade segundo as contas da oposição.
“É um povo totalmente diferente, com uma outra força. Dececionou-me no passado, mas agora já não é o caso”, afirmou a Nobel da Literatura (2015) e escritora bielorrussa Svetlana Alexievitch, em declarações à estação Radio Free Europe, citadas pelas agências internacionais.
Também domingo, a capital bielorrussa foi palco de uma manifestação dos defensores de Lukashenko, que aproveitou a ocasião e apelou à defesa da independência do país que, segundo ele, deve opor-se aos perigos da imposição de um “governo de fora”.
“Caros amigos, chamei-os aqui não para que me defendam, mas porque, pela primeira vez em um quarto de século, podem defender a independência do vosso país", afirmou, no domingo, Alexander Lukashenko.
“Conseguimos construir um belo país, com as suas dificuldades e falhas. A quem o querem entregar? Se alguém o quiser entregar eu não o permito, nem morto”, reforçou ainda, a partir de uma tribuna instalada na Praça da Independência.
Num discurso proferido pouco antes das eleições, Alexander Lukashenko adotou a postura de um “pai da nação” descontente com os respetivos filhos ingratos: "Alimentei todos do meu peito!".
Apelidado por "Batka" (“pai”, na tradução em português), Lukashenko conseguiu manter ao longo dos anos uma popularidade real e duradoura, em especial nas zonas rurais do território bielorrusso e entre as gerações nostálgicas dos tempos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Depois de ter administrado quintas agrícolas coletivas na década de 1980, Alexander Lukashenko foi eleito em 1994 após a independência do território com uma mensagem populista e anticorrupção.
Recusou a viragem capitalista, preferindo manter um sistema político e económico dominado pelo poder público, impregnado pelo simbolismo soviético.
Ao mesmo tempo, a oposição foi perseguida, a liberdade de expressão sofreu fortes restrições e o país mantém um serviço de informações que ainda hoje é chamado "KGB", como na antiga União Soviética.
Até hoje, Lukashenko reivindica este sistema, garantindo que sem ele o país estaria “feito em pedaços”.
É frequente ver Lukashenko em fotografias tiradas em campos agrícolas, em uniforme militar, ou em pistas de hóquei no gelo.
Pai de três filhos, o Presidente bielorrusso gosta de cultivar uma imagem machista e já em plena pandemia da doença covid-19 defendeu que o novo coronavírus poderia ser combatido com uma receita infalível: trabalho agrícola, sauna e um pouco de vodka.
Em julho, anunciou num tom orgulhoso que tinha sido infetado e que tinha ultrapassado a doença sem nunca ter parado de trabalhar.
Recentemente, Alexander Lukashenko tem enfrentado tensões sem precedentes com a “irmã mais velha” Rússia.
Nos últimos meses, Lukashenko multiplicou-se em declarações denunciando as pressões russas, acusando designadamente Moscovo de pretender tornar o seu país em vassalo, de apoiar os seus opositores (com o envio de mercenários para fomentar a desordem pública) e de procurar manipular as eleições presidenciais.
Tais alegações foram rejeitadas pelo Kremlin (Presidência russa).
Perante a atual crise política e o crescendo da contestação popular, Lukashenko mudou o tom do discurso e avançou no fim de semana de que tinha recebido garantias “de ajuda” por parte do Presidente russo, Vladimir Putin, para garantir a segurança no país.
Ao mesmo tempo, o líder bielorrusso está cada vez mais afastado dos países ocidentais, depois de ter conseguido o levantamento de sanções em 2016.
Os chefes de diplomacia da União Europeia (UE) acordaram na passada sexta-feira impor sanções ao regime de Minsk na sequência das eleições presidenciais e da repressão dos protestos.
Londres já indicou que deseja seguir o mesmo exemplo e a Alemanha, que exerce atualmente a presidência da UE, ameaçou hoje ampliar as sanções europeias impostas a responsáveis da Bielorrússia.
"Admitimos a possibilidade de estender as sanções a outros responsáveis" bielorrussos se a situação não melhorar, disse à imprensa o porta-voz da chanceler Angela Merkel, Steffen Seibert.
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