Jean Wyllys, o primeiro deputado parlamentar assumidamente 'gay' no Brasil, falou hoje, no auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), sobre o seu percurso numa sociedade homofóbica, em que teve que conviver com a injúria e o ódio, desde que era criança, numa família pobre, em Alagoínhas, no estado da Bahia, quando ouviu pela primeira vez a palavra "veado" (expressão pejorativa ao se referir a um homossexual).
Para o antigo deputado brasileiro, que desistiu do mandato e deixou este ano o Brasil face às ameaças de morte que recebia, a homofobia está "profundamente arreigada" na sociedade, considerando que esta tornou-se mais visível assim que chegou ao parlamento.
Segundo Jean Wyllys, para muitas pessoas, os homossexuais "são bons" quando estão em espaços sem poder, quando "esticam, alisam e tingem cabelos num salão de beleza", ou quando são artistas.
"Se eles aspirarem aos lugares dominados pelos homens heterossexuais, a lugares de poder, aí, eles tornam-se no problema. Mexem em algo da nossa subjetividade que nós não sabemos", notou, recordando que, quando chegou ao parlamento brasileiro gerou um desconforto até em pessoas que se "autoproclamam não homofóbicas, porque até têm um amigo 'gay' ou porque adora homossexuais, que quando está com uma dor de amor eles ouvem".
"Afinal de contas, quem estava a falar [no parlamento] era um veado. Talvez só as mulheres e os negros tenham uma ideia do quão difícil é ser ouvido", afirmou.
Como político, afirmou que desde cedo foi alvo de "uma campanha difamatória", lembrando que essa ação teve como principal protagonista o atual Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
"Foi a primeira pessoa a insultar-me no parlamento, à frente de todos os meus colegas. Mas não provocou indignação dos meus colegas. Todos eles se riram. Insultou, durante uma sessão da Comissão de Direitos Humanos, à frente das câmaras e dos jornais que cobrem o congresso nacional. A reação dos meus colegas foi de rir e tratar aquilo como algo jocoso e não ofensivo", contou.
No decorrer do discurso, recordou também um crítico de cinema de Salvador, que, na sua coluna, mantinha uma frase onde se lia "Mantenha Salvador limpa, mate uma bicha por dia".
"Aquilo era tratado como natural e toda a gente se ria. Quando se propôs que estivesse escrito 'Mantenha Salvador limpa, mate uma criança por dia, ou mate um idoso por dia, ou mate um negro por dia', aí, as pessoas pararam de rir", disse, num momento em que o seu discurso foi interrompido por dois homens que tentavam atirar-lhe ovos e que foram retirados do auditório por seguranças.
Durante a luta política, até com pessoas de esquerda, sentiu que era insultado não pelos seus argumentos, mas por algo que constitui a sua identidade, a sua orientação sexual.
O tom das ameaças e das notícias falsas difamatórias que chegaram a ligar a homossexualidade à pedofilia, apontou, aumentaram após o fim do Governo de Dilma Rousseff e intensificaram-se ainda nas últimas legislativas, em que Jair Bolsonaro saiu vencedor.
Para este ativista brasileiro, as últimas eleições mostraram que parte do Brasil não conseguiu aceitar um mundo em que Pablo Vittar (músico 'gay') é estrela da música pop ouvido por milhões ou que a filósofa negra Djamila Ribeiro fale na televisão sobre os problemas do racismo ou que "um veado cuspa na cara de um fascista que elogiou a tortura" (episódio protagonizado por Jean Wyllys contra Jair Bolsonaro).
No final da sua intervenção, Jean Wyllys notou que a comunidade LGBT é o elo mais frágil num mundo onde surgem líderes como Trump (Estados Unidos), Erdogan (Turquia) ou Putin (Rússia).
Nesse sentido, apelou às pessoas heterossexuais para que se comportem "como se essa violência afetasse vocês".
A violência contra a comunidade "deve ser uma causa de todos vocês. Aí a frase 'Ninguém larga a mão de ninguém' ganhará corpo", concluiu.
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