"Pensei que isso nunca fosse acontecer comigo e minha família. Agora, imagina perder três filhos... Quando morreu o primeiro, Deus e Nossa Senhora me deram força para sobreviver. Quando morreu o segundo, eu disse: 'Acabou!'. Fui para o meu quarto e recebi uma força ainda maior de Deus para não desistir da vida", relata Maria, de 76 anos, que mora numa casa simples na periferia de Manaus, capital do estado brasileiro do Amazonas.
Mãe de 12 filhos, com idades entre os 40 e os 60 anos, com mais de 60 netos e bisnetos dos quais já perdeu a conta, esta professora aposentada, viúva, vive de uma pensão do Estado.
A 5 de abril, começou a tragédia, com a morte de Raimundo. O professor de 58 anos era um dos três filhos que viviam com ela na casa de três quartos no bairro densamente povoado de São Francisco, onde proliferam as construções baixas erguidas com tijolos vermelhos sem reboco, muitas com telhados de chapas de metal.
Dois dias depois, morreu a cunhada Etelvina, de 77 anos.
A 13 de abril, morreu a filha Iolanda, de 48 anos. Comerciante, ela decidiu continuar uma vida normal, apesar da proximidade do vírus que no começo de abril já somava mais de 450 mortes no Brasil, segundo o ministério da Saúde.
"Minha filha não acreditava no poder dessa doença, continuou trabalhando e viajando normalmente, sem tomar os devidos cuidados", contou Maria, que chegou a morar alguns dias com Iolanda.
A tragédia continuou a abater-se sobre a família. A 24 de abril, morreu o cunhado, Luiz, de 80 anos. Em seguida, a 1 de maio, outro filho, Raniere Thiago, de 52 anos, deu entrada num hospital em estado grave e morreu em seguida.
Fora dos números oficiais
Todos morreram em centros médicos, mas apenas Raimundo e Iolanda foram diagnosticados. Os outros três familiares não fazem parte do balanço oficial de 1.375 óbitos por coronavírus, registados no Amazonas até este sábado (16), uma incidência de 474,8 mortes por cem mil habitantes.
O Brasil totaliza 233.142 casos e 15.633 mortes por covid-19, mas os especialistas estimam que as cifras reais sejam até 15 vezes superiores devido à falta de exames.
Maria Sinimbú tampouco foi testada, apesar de ser do grupo de risco e de ter estado tão próxima do coronavírus. Nas últimas semanas, teve alguns sintomas relacionados com a doença e tomou antigripais, pelo que acredita ter-se recuperado da covid-19.
Religiosa, reza no pequeno altar que tem em casa. É devota de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Parintins, cidade amazónica onde nasceu.
Chegou a Manaus há trinta anos, mas visita a terra natal anualmente para, nas margens do rio Amazonas, homenagear a padroeira.
Só os cabelos grisalhos, que usa curtos e penteados de lado, entregam a sua idade. Com expressão serena e poucas rugas, o olhar triste atrás dos óculos reflete o luto.
Na sua casa de paredes coloridas, todos usam máscaras e há álcool gel em cada canto. O seu conselho depois de viver a tragédia é a cautela: "As pessoas deveriam tomar mais cuidado com essa doença. Ela é silenciosa".
*Por Paula Ramon e Michael Dantas, da AFP
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