"Esse era um problema que tínhamos em todo o Brasil, foi criado um círculo vicioso. Eu estimo que três quartos das campanhas no Brasil eram financiadas de forma ilegal", afirmou Odebrecht em março, num depoimento aos procuradores hoje conhecido.
Os depoimentos de altos quadros da Odebrecht, a maior construtora do Brasil, que fizeram acordos com o Ministério Público Federal de delação premiada (redução da pena em troca de colaboração com a Justiça), têm deixado o país em suspenso das revelações que a cada dia são conhecidas e que indicam novos casos de corrupção que afetam diretamente políticos de renome.
Marcelo Odebrecht, preso desde 2015 e condenado a 19 anos e quatro meses de cadeia por desvios milionários na petrolífera estatal Petrobras, afirmou que a empresa até teria gostado que os pagamentos fossem oficiais e justificou os pagamentos ilegais para evitar que outros candidatos soubessem os montantes dados e pedissem mais dinheiro.
O empresário deu como exemplo donativos de dois milhões de reais (cerca de 599 mil euros à taxa de câmbio atual) a um candidato a governador do estado de Acre, Tiao Viana, do Partido dos Trabalhadores, dos quais apenas 500.000 reais (149 mil euros) foram declarados.
"Se sabem que damos dois milhões de reais a uma candidatura a governador de Acre, imaginem a expectativa que se cria para o [candidato a] governador de São Paulo", explicou.
A divulgação dos depoimentos, que estavam sob o segredo, acontece um dia depois de o Supremo Tribunal ter anunciado que autoriza a abertura de 76 investigações contra quase todos os políticos citados nos depoimentos, com vista a investigar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Os pedidos foram baseados nas revelações trazidas pelos acordos de delação premiada firmados pelo Ministério Público Federal com 78 gestores e e ex-gestores do Grupo Odebrecht.
Entre os investigados estão oito ministros do Executivo do presidente Michel Temer e quase cem deputados de mais de dez partidos políticos.
Na lista de suspeitos estão 12 dos 17 governadores do país, entre os quais Tiao Viana e os cinco expresidentes brasileiros vivos: José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-1992), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016).
Segundo cálculos do próprio tribunal, a partir do narrado pelos antigos altos quadros da construtora e por Emilio Odebrecht, patriarca da família, apenas esta empresa distribuiu subornos próximos de 450 milhões de reais (cerca de 135 milhões de euros).
As declarações dos ex-gestores da Odebrecht surgem no âmbito da operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção no Brasil.
Tida por muitos investigadores e até mesmo por políticos como a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil, a Lava Jato investigava, inicialmente, a atuação de ‘doleiros’ (pessoas que vendem dólares no mercado paralelo), mas, posteriormente passou a investigar também a corrupção na petrolífera estatal Petrobras.
Esta investigação completou três anos em 17 de março, tendo já recuperado cerca de 10,1 mil milhões de reais (três mil milhões de euros) e efetuadas 198 detenções, segundo a imprensa brasileira, a partir de dados fornecidos pelo Ministério Público Federal (MPF).
Além daquele valor, encontram-se atualmente bloqueados por determinação judicial mais de 3,2 mil milhões de reais (955 milhões de euros) em bens de pessoas investigadas.
O MPF pediu desde o início das investigações a devolução aos cofres públicos de 38,1 mil milhões de reais (11,3 mil milhões de euros).
Ao todo, já se realizaram 38 fases da operação Lava Jato durante os três anos de investigação.
Atualmente, 23 pessoas permanecem presas, entre as quais estão o deputado cassado (suspenso) e ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e o ex-ministro da Fazenda (Finanças) e da Casa Civil Antônio Palocci.
Há outras 24 pessoas - entra as quais Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho - que deixaram a prisão, mas continuam a ser mantidas sob vigilância através de pulseira eletrónica e prisão domiciliária.
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