Tudo parece verdade: a página de um jornal diário nacional, as fotografias do médico em pose de entrevista e os depoimentos de várias testemunhas a comprovar a eficácia da dieta. Só que não. O diabo, como sempre, está nos pormenores.
O anúncio, em modo de reportagem, é completamente falso, e até a página online, a imitar o site do jornal "Público", é uma cópia. Mas ainda está acessível na Internet.
Ricardo Mexia disse ao SAPO 24 que ficou a saber do "esquema inqualificável" quando "uma prima me telefonou a perguntar quanto custava o medicamento". Primeiro, "nem percebi". Depois, à medida que a conversa se foi desenrolando, compreendeu o conto do vigário. Entretanto, o alerta foi sendo dado por vários amigos.
A primeira coisa que fez foi denunciar a situação ao Ministério Público através do Portal da Queixa e também à Ordem dos Médicos. Tentou ainda, sem êxito, fazer o mesmo na Polícia Judiciária, mas, "por qualquer motivo, deu sempre erro, pelo que terei de ir lá pessoalmente".
A seguir, o médico publicou um post no Facebook a avisar eventuais incautos: "Constatei que o meu nome e imagem estão a ser usados de forma indevida, de forma que me é totalmente alheia. Trata-se de publicidade nas redes sociais para venda de um medicamente para o emagrecimento. Além de ser um abuso da minha imagem, atenta contra a minha dignidade profissional, e configuraria uma falta deontológica grave, pois está vedado aos médicos a venda ou promoção de qualquer medicamento", escreve Ricardo Mexia.
"Qualquer pessoa que me conheça sabe que seria impossível, mas as pessoas com menos literacia são enganadas com facilidade", reconhece, sem muita esperança que os culpados venham a pagar pelo seu crime. No entanto, o médico não gosta de ver o seu "bom-nome e reputação profissional envolvidos nesta história".
O anúncio contém diversas infrações de responsabilidade civil, como a utilização sem autorização da imagem ou nome. Além disso, segundo o artigo 217.º do Código Penal, "quem, com intenção de obter para si ou para terceiros enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa". No caso de se tratar de burla qualificada ou, mais ainda, de valor consideravelmente elevado ou que prejudique pessoas especialmente vulneráveis, a pena de prisão poderá atingir os 5 ou mesmo os 8 anos. A tentativa também é punível e o procedimento criminal depende da apresentação de queixa.
O jornal "Público" também foi apanhado de surpresa e já fez um comunicado a negar o seu envolvimento no caso: "Uma página online está a imitar o aspecto gráfico do site do PÚBLICO para publicar um artigo falso, que tem como objectivo levar os utilizadores a aderirem a um tratamento para perda de peso. Trata-se de uma burla a que o PÚBLICO é alheio", lê-se no aviso.
O jornal diário explica que a página em causa tem um endereço começado por "ohnoitslatekate.com" e o seu autor é desconhecido, e recorda que em 2019 a sua imagem já tinha sido usada noutro esquema, mas para dizer que o apresentador Manuel Luís Goucha tinha feito fortuna com bitcoins, outra história falsa. E aconselha os utilizadores "a verificarem sempre a autenticidade dos links que abrem".
Desta vez é Ricardo Mexia, especialista em Epidemiologia, que é apresentado como "o famoso perito conhecido como "Dr Miracle" [Dr. Milagre]", que "realizou mais de 100.000 operações e explicou numa entrevista recente que recebe cartas e telefonemas de todo o mundo. A nossa "cura para o excesso de peso" garante uma perda de peso de 10 kg em 2 semanas. É importante notar que a perda de peso ocorre sem qualquer alteração na dieta ou no esforço físico. Com este método, perderá 10, 30, 50 ou mais quilos de forma permanente", lê-se. Tudo mentira.
A apresentação do medicamento é feita em quase 100 parágrafos, mais de 20 fotografias, diversos esquemas e gráficos, tudo para tentar provar uma autenticidade científica e uma eficácia que não tem. No fim, claro, a encomenda do "IdealFit", o "medicamento 100% natural", "a um preço com desconto". Se vir este anúncio, saiba que se trata de "fraude", como afirmou Ricardo Mexia, e "não se deixe enganar".
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