E se de repente um desconhecido lhe cobrasse um dólar por minuto para o abraçar? E, mais inimaginável ainda, se você aceitasse cobrar por esse serviço. Serviço? Sim, leu bem, o negócio da venda de mimos, afagos e aconchegos não vai mal e o que é verdadeiramente uma estratégia inovadora e, quiçá, competitiva, é o facto de não incluir, de todo, no seu modelo de negócio, qualquer conotação sexual.

“O toque tem o poder de nos confortar quando estamos tristes, de nos curar quando estamos doentes, de nos encorajar quando nos sentimos perdidos e acima de tudo o resto, de nos fazer aceitar que não estamos sozinhos”. Samantha Hess, fundadora da CuddleUpToMe

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Para que tal premissa seja cumprida, o cliente assina, como em qualquer acto comercial, um contrato no qual se compromete a respeitar as regras da actividade prestada. Para “venda” existe uma variedade de produtos emocionais oferecidos por prestadores profissionais de mimos e carinhos. Ora leia.

“Oferecemos ‘sessões de mimos’ completamente platónicas, integralmente vestidos, com a duração mínima de 15 minutos e máxima de 5 horas. O objectivo de uma sessão é ajudá-lo nos momentos da vida em que ou precisa de doses extras de meiguice, ou quando não consegue ‘extrair’ mais carinho das pessoas que ama. Queremos que saiba que você importa e que aqui pode ser amado sem culpa, vergonha ou julgamento próprios da nossa cultura (…). O custo deste serviço afectuoso é de um dólar por minuto; e os resultados não têm preço”.

Esta é a resposta, em tradução livre do inglês, de uma das faqs no site da Cuddle Up To Me, uma empresa fundada por Samantha Hess, “dadora profissional de mimos” [cuddler de cuddles], em finais de 2012, em Portland, no estado de Oregon. A ainda jovem empresa – mas não uma start (me) up - de Hess tem como missão servir como “uma plataforma para se ser amado, compreendido e apreciado”. O mesmo acontece com uma empresa sua concorrente, a Snuggle Buddies, sedeada em New Jersey e que se auto-intitula de “fornecedora de mestres em amor platónico” ou de um novo tipo de terapia que promete “remover” a solidão e os seus sintomas – depressão, ansiedade e stress – através do toque terapêutico. De acordo com o seu fundador, Evan Carp, a empresa conta agora com 125 “mimadores” profissionais e com receitas mensais na ordem dos 16 mil dólares.

Se esta é a versão dos tempos modernos do papel das damas de companhia de outrora ou uma contorção da ideia das damas (e cavalheiros) acompanhantes da actualidade, não se sabe ainda. Primeiro há que digerir o pasmo da coisa e manter a mente aberta, que isto de viver no século XXI não é, de todo, fácil.

Na verdade, o que o negócio de Hess oferece é a possibilidade de se contratar pessoas que dêem mimo, afectos, carinhos e meiguices por determinado valor por minuto. E se o que à primeira se estranha ou se desdenha ou se condena, pode transformar-se num bom exercício de reflexão. Numa mistura de empreendedorismo – sim, já cá faltava -, sociologia, saúde, neurociência e um pouco de imaginação, o negócio dos carinhos oferece doses extra de oxicotocina – uma molécula extremamente poderosa e benéfica - a clientes solitários que muito provavelmente não sabem que a solidão faz mal à saúde, numa sociedade meio alienada e indiferente, movida a conexões humano-digitais e que conta com um número crescente de solitários. A ideia não é nova, mas tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos à medida que do preconceito se passa para um novo conceito que assegura que é possível oferecer “calor humano” sem qualquer cariz sexual. Tal não impede, como seria de esperar, que os fundadores destes novos empreendimentos recebam, de forma recorrente, mensagens de ódio, e até de morte, pela prestação de tais supostamente estranhos serviços.

A este propósito, em Julho de 2014, a revista "The Atlantic" publicou um artigo sobre uma “festa de mimos” que juntou cerca de 20 pessoas em Dallas, na sua maioria de meia-idade, e que em conjunto se divertiram com guerra de almofadas, carícias, abraços, risadas em volta de snacks e conversas soltas e honestas sobre uma das mais básicas necessidades do ser humano: a de receber carinhos. Como se pode ler no artigo, os dados “oficiais” indicam que este tipo de festas teve início há mais de uma década e que de uma primeira experiência bem-sucedida, em Fevereiro de 2004, em Manhattan, surgiu a organização Cuddle Party, a qual dá formação a “facilitadores” deste tipo de eventos (ou workshops, como se pode ler no seu website) em 17 países do mundo. As regras de convivência são simples, mas de cumprimento obrigatório, sendo que estímulos ou possíveis ideias de “manifestações sexuais” são estritamente proibidos.

Mais impessoal e com um cariz diferente, mas muito bem-sucedido também, é um outro negócio que também oferece companhia, denominado RentaFriend, que conta com cerca de 530 mil pessoas que, em regime de freelance, podem ser contratadas para acompanhar homens e mulheres que viajam com frequência por motivos profissionais e que optam por ter a companhia de um estranho que a eles se junte para partilhar uma refeição, uma ida ao teatro ou ao futebol, num ambiente de simples camaradagem. O serviço prestado por esta empresa é igualmente procurado por pessoas que chegam a uma cidade pela primeira vez e que, em vez de contratarem um guia turístico, optam por escolher um “local” para fazer de cicerone. Mas, na verdade, o serviço de “aluguer de amigos” serve múltiplos propósitos, seja o de se ter uma companhia agradável quando se é convidado para um casamento ou para uma festa, seja ainda o de alguém que sirva de “incentivo” para que não se falhem as idas ao ginásio. Como seria de esperar, as fotografias e os perfis dos prestadores de companhia estão disponíveis no site em causa, que opera em vários locais do mundo. Mas o serviço de “aluguer de amigos” pouco tem a ver com o que promete o negócio dos mimos.

Já não mais vale só do que mal acompanhado

Por muito “modernos” que nos sintamos, a ideia de se pagar a alguém para oferecer companhia e carinho é passível de causar incredulidade, umas boas risadas ou meros sentimentos de repulsa. Principalmente a quem nunca sentiu o vazio da solidão e os males – físicos e psicológicos - que a mesma encerra.

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E se este fenómeno da solidão tem sido, até agora, mais associado a idosos, a verdade é que um pouco por todo o mundo são cada vez mais as pessoas que afirmam sentir-se sós, independentemente da faixa etária a que pertencem. Sendo o Japão o recordista no que respeita ao isolamento, nomeadamente ao que é auto-imposto e que deu origem à síndrome conhecida como “hikikomori” – a qual “ataca” principalmente jovens entre 20 e 30 anos, a residir em casa dos pais e que se afastam voluntariamente da sociedade, vivendo entre as quatro paredes dos seus quartos e apenas ligados à Internet –, são também inúmeros os estudos que apontam para um aumento da solidão na generalidade dos países ocidentais. Partindo sempre da dualidade inerente ao uso das tecnologias - os que defendem que as mesmas provocam alienação versus os que afirmam que, pelo contrário, diminuem a solidão – a verdade é que, face às duas últimas décadas do século passado, estar só, mesmo que acompanhado, assemelha-se a uma espécie de vírus em progressão no mundo em que vivemos.

A título de exemplo, num estudo publicado em 2006 pela American Psychological Association, um quarto dos americanos auscultados (em 2004) afirmava não ter ninguém com quem discutir questões importantes, o dobro do número dos que confessavam o mesmo em 1984. Dados mais recentes recolhidos pela Pew Internet, em Novembro de 2009, davam conta de que as redes de discussão dos americanos apresentavam um decréscimo em cerca de um terço face a 1985. E, em 2013, por intermédio de uma pesquisa efectuada pelo Barna Group, 20% dos entrevistados admitiam sentir-se sozinhos contra apenas 12% uma década antes. Dois outros estudos, mais recentes e citados num outro artigo que a "The Atlantic" publicou em Dezembro último, reportam que, nos Estados Unidos, são já cerca de 40% os adultos (e não apenas os seniores) que se sentem socialmente isolados.

Se este número crescente de isolamento representa um fenómeno sociológico próprio das sociedades modernas, existirão motivos para que se critique empresas como a Cuddle Up To Me ou a Snuggle Budies – e outras que vão aparecendo entretanto – que no seu portefólio de serviços tentam, por determinado preço, é certo, amenizar os males da solidão?

A resposta será variável, decerto, de acordo com os preconceitos de cada um, mas talvez ajude na aceitação desta venda de amor platónico o facto de, comprovadamente, a solidão fazer mal à saúde. Se pagamos a um psicólogo para simplesmente nos ouvir, que mal tão grande advirá de contratarmos alguém para nos abraçar e dar mimos, principalmente se tivermos em mente os efeitos negativos que o isolamento provoca no ser humano?

Em Fevereiro de 2014, John Cacciopo, em conjunto com a equipa de psicólogos que lidera na Universidade de Chicago, apresentou um estudo que afirmava que a solidão extrema pode aumentar as probabilidades de morte prematura em 14%. O estudo, que teve uma duração de seis anos, acompanhou mais de duas mil pessoas com 50 ou mais anos, e concluiu que o isolamento está directamente relacionado como problemas de saúde tão díspares como a pressão arterial elevada, mutações de alguns genes e alterações significativas nos padrões de sono. Esta investigação veio apenas confirmar o que outros estudos têm vindo a alertar, como é o caso de a taxa de mortalidade das pessoas solitárias ser comparável à dos fumadores ou duas vezes superior à que advém da obesidade.

O isolamento social prejudica ainda o sistema imunitário, aumentando as probabilidades de inflamações, as quais podem conduzir à artrite, à diabetes tipo II e a doenças coronárias. Adicionalmente, o estigma que acompanha a solidão e o facto de esta ser “socialmente incompreendida” contribui para que o ciclo do isolamento se perpetue e que seja crescentemente difícil sair dele.

A oxitocina e o poder do toque humano

Para além dos estudos que comprovam, cientificamente, que a solidão faz mal à saúde, são muitos os investigadores, em particular nos últimos anos e graças aos progressos efectuados nas neurociências, que afirmam que o toque tem poderes “curativos”. Na verdade, vários clientes da Cuddle Up To Me e da Snuggle Budies procuram os serviços destas empresas por os considerarem terapêuticos, ajudando-os a lidar com situações passadas de abusos físicos ou de negligência, ou com algum tipo de distúrbio de stress pós-traumático. No entanto, a emergência deste novo tipo de negócios está a servir um conjunto de outras necessidades “modernas”, as quais não entram necessariamente na categoria dos exemplos acima referidos.

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Na Cuddle Up To Me, durante uma sessão um-para-um de “cuddling” – que custa entre 60 a 80 dólares por hora – pode-se abraçar, cantar, ler, fazer jogos, conversar “bem pertinho”, praticar a posição de “colher” – ou mais 50 outras diferentes – devidamente explicadas no livro escrito por Samantha Hess e intitulado Touch: The Power of Human Connection, ou simplesmente receber a atenção de que tanto se precisa. As sessões podem ainda ser customizadas de acordo com as formas que melhores sensações de relaxamento produzem no cliente, como por exemplo “o tipo de amor que uma mãe oferece a um filho”.

E, dado que este último é um dos serviços devidamente sublinhados na oferta da empresa, é impossível não nos assaltarem, de novo, as dúvidas face à sua credibilidade. O que nos leva de regresso ao tema da neurociência e da influência que estes “actos emocionais” têm no nosso cérebro e, consequentemente, na nossa saúde.

Quando experimentamos o bem que sabe uma boa dose de mimos, o nosso cérebro liberta, no geral, endorfinas (a hormona do bem-estar) e dopamina (que ajuda, entre outras funções, a controlar o humor). Mas quando recebemos carinho através do toque humano, em particular, os níveis de oxitocina, a denominada molécula do amor, da generosidade ou da confiança, são libertados em pequenas doses que não só produzem um sentimento de “aconchego” na altura, como perduram ainda durante algum tempo “pós-toque”. Na verdade, a oxitocina é uma hormona produzida pelo hipotálamo que tem como principais funções promover as contracções musculares uterinas, reduzir o sangramento durante o parto, estimular a libertação do leito materno - e os laços criados entre mãe e filho -, desenvolver apego e empatia entre as pessoas e, paradoxalmente, produzir parte do prazer do orgasmo e do medo do desconhecido. Mas os seus efeitos vão tão mais além de todos estes que muitos cientistas a elegem como “a mais extraordinária molécula do mundo” ou ainda como a “rainha das moléculas”.

De acordo com experiências recentes, a oxitocina reduz o stress e a tensão arterial, melhora a comunicação entre os casais, aumenta os níveis de felicidade e bem-estar, bem como os sentimentos de confiança, contribuindo igualmente para reforçar as nossas relações sociais e impedir vários problemas psicológicos e fisiológicos (tendo também efeitos negativos, como o aumentar da inveja e da soberba, os quais não se manifestam, contudo, quando recebemos “mimo”). Ou, de forma mais conceptual, a oxitocina, enquanto químico cerebral, é crescentemente considerada como um dos ingredientes principais que faz de nós os humanos que somos.

Paul Zak, um cientista e economista citado num dos artigos da "The Atlantic", autor do livro The Moral Molecule: The Source of Love and Prosperity, afirma também que a quantidade de oxitocina que libertamos depende de quão afeiçoados nos sentimos relativamente à pessoa que nos está a dar carinho ou a tocar. “Se o carinho que recebemos dos nossos familiares pode aumentar a libertação da oxicitocina entre 50 a 100%, os níveis libertados quando o mesmo acontece com um estranho não são tão elevados”, afirma também. Todavia, serão suficientes q.b. para aqueles que não tem qualquer hipótese de sentir o toque humano e os benefícios que dele emanam.

Numa sociedade em que é difícil admitir a falta de carinho e a solidão, estas novas empresas que se comprometem a satisfazer uma necessidade humana tão básica como o toque podem vir a ter um lugar cativo. E, a acreditar nos relatos que se podem encontrar nos sites das empresas citadas, pagar por um pouco de amor e compreensão não é assim tão bizarro. Afinal, o all you need is love é também uma questão de saúde.

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