A audição pública no âmbito do pedido de 'habeas corpus' de Guichard decorreu esta quinta-feira na parte da manhã no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.

"Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em diferir a providência de 'habeas corpus' formulada por António Paulo de Araújo Portugal Guichard Alves", lê-se na decisão divulgada pelo STJ.

Recorde-se que o ex-administrador do BPP Paulo Guichard, braço direito de Rendeiro no BPP, foi detido na quinta-feira da semana passada no aeroporto do Porto vindo do Brasil. Desde então está detido no estabelecimento prisional de Custóias, em Matosinhos.

Segundo o pedido de 'habeas curpus', a que a Lusa teve acesso na semana passada, no decurso do caso do Banco Privado Português (BPP), Guichard “viveu no Brasil sempre com o conhecimento das autoridades judiciárias", que foram "sempre informadas do seu paradeiro”.

Já após se conhecer a fuga de João Rendeiro (outro arguido do caso BPP), e perante a ordem da juíza titular do processo para Guichard se apresentar em tribunal, disse a defesa que o antigo administrador “decidiu regressar a Portugal” e que isso mesmo anunciou.

Considerou a defesa que "a decisão condenatória que impôs ao requerente esta pena privativa não transitou em julgado, motivo pelo qual a privação da liberdade a que o requerente se encontra neste momento sujeito é manifestamente ilegal”, pelo que pedia a "imediata" libertação.

Em causa estão os recursos de Guichard alegando dupla condenação (na parte da contraordenação e na parte criminal), estando de momento pendente um recurso de constitucionalidade da decisão condenatória no Tribunal Constitucional.

Hoje, na audição sobre o 'habeas corpus' no Supremo Tribunal de Justiça, o advogado de Guichard, Nuno Brandão, defendeu que a "prisão é manifestamente ilegal", por estar "pendente um recurso para o Tribunal Constitucional e de acordo com a Constituição um arguido presume-se inocente até a decisão se tornar definitiva", segundo declarações prestadas à Lusa.

Assim, havendo ainda um recurso que será apreciado não pode Paulo Guichard ser detido, acrescentou.

Nuno Brandão afirmou também que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça "tem uma importância que transcende este arguido", pois terá um caráter referencial para o futuro.

Segundo o advogado, em casos semelhantes no passado, o Supremo entendeu que havendo recurso para o Constitucional ainda não decidido que não há trânsito em julgado da pena, pelo que, caso decidisse diferente tal iria "dar sinal a todos os tribunais de que a jurisprudência mudou".

A decisão do Supremo Tribunal de Justiça, hoje divulgada, diz que neste processo "tudo está em saber quando transita ou se transitou em julgado a decisão condenatória do arguido/requerente do 'habeas corpus'" e que "o trânsito em julgado das decisões penais condenatórias apenas tem lugar quando as mesmas já não são passíveis de recurso ordinário ou de reclamação", sendo que sem isso a "prisão é ilegal".

Neste caso concreto, afirma o Supremo, "ainda está pendente a reclamação para o Tribunal Constitucional", ou seja, "o requerente foi preso em cumprimento de pena, tendo ainda pendente uma reclamação para o Tribunal Constitucional" respeitante a um recurso para o que ainda não foi decidido.

"Enquanto estiver pendente recurso ou reclamação da decisão penal condenatória, esta não se pode considerar transitada", pelo que a "prisão do peticionante foi ordenada no âmbito de uma decisão que não era ainda exequível", tratando-se por isso de uma "prisão ilegal", referem os juízes Maria do Carlos Silva Dias, Cid Geraldo e António Clemente Lima.

Guichard, com 61 anos, de nacionalidade portuguesa e que vivia há vários anos no Rio de janeiro (Brasil), foi condenado a uma pena única de quatro anos e oito meses de prisão efetiva pela prática de seis crimes de falsidade informática e um crime de falsificação de boletins, atas ou documentos.

O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, verificou-se em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.

O BPP originou vários processos judiciais, envolvendo crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e falsidade informática. Entre os condenados em processos relacionados com o BPP estão os ex-administradores Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital, Fernando Lima e João Rendeiro, que fugiu para o estrangeiro e está em paradeiro incerto.

Guichard, Fezas Vital e Fernando Lima expressaram publicamente repúdio pela fuga de João Rendeiro à Justiça.