“Acho que muito mais cedo do que tarde, vamos garantir a morte assistida a quem o desejar e respeitar todas as formas de dignidade de viver a vida até ao fim, fim que cada um pode escolher por causa do caminho do João Semedo”, disse no encerramento da sessão de homenagem ao antigo coordenador do BE, no Teatro Municipal Rivoli, no Porto, na quinta-feira à noite.
A evocação, que contou com centenas de familiares, amigos e bloquistas, tinha no palco uma imagem de João Semedo acompanhado da frase: “Tive a vida que escolhi, a vida que quis, não tenho nada de que me arrependa. Sim, fui muito feliz”.
Depois de 15 testemunhos, preenchidos com momentos de poesia e música, Catarina Martins terminou a evocação considerando que “mais difícil” do que a aprovação da morte assistida será o “caminho para uma nova lei de bases da saúde”.
“Mas sei que o que nos deixaram construídos, Semedo e Arnaut, é boa parte do caminho feito, feito pela qualidade da proposta, feito por tudo o que disseram e feito por uma outra coisa que João sabia e fazia como ninguém que é juntar gente”, afirmou.
Catarina Martins, que partilhou momentos da sua vivência com o antigo dirigente, referiu que o caminho que João Semedo fez não foi apenas um caminho de uma proposta competente, debatida e estudada que pode ser votada no parlamento, “foi mais do que isso”.
Muita gente “desesperada” se tem vindo a juntar com o objetivo de defender o Serviço Nacional de Saúde (SNS), frisou, acrescentando que “em tantas vezes que a direita e o negócio” tentaram acabar de vez com o SNS foi o povo que o salvou.
O João Semedo e o Arnaut diziam “muitas vezes” que quem salvou o SNS quando foi preciso foi o povo, foi um país inteiro que percebeu que o SNS é essencial, adiantou.
E acrescentou: “o que fez com o seu trabalho e o que nos deixou foi um caminho de acordar para toda esta gente que sempre defendeu um SNS para a necessidade de se levantar agora e de não deixar que o negócio de uns poucos nos prive a todos de esse caminho”.
Por esse motivo, Catarina Martins garantiu que o seu compromisso é “continuar a fazer”, apesar de saber que não vai ser nada fácil.
“Mas, como dizia o João se pensarmos um bocado nisto vamos com certeza encontrar uma solução”, terminou, agradecendo ao ex-dirigente do BE.
Contando que João Semedo levava sempre para as reuniões dois cadernos, um das tarefas para cumprir agora e outro das tarefas para realizar a longo prazo, a coordenadora entendeu que o ex-dirigente deixou “muito trabalho feito” que, agora, vai ser continuado.
Numa sessão que juntou política, música e poesia, os presentes, brindados com cravos vermelhos à entrada, foram unânimes em reconhecer a “enorme generosidade” de João Semedo.
Louçã acredita que um dia será aprovada a “Lei João Semedo”
O antigo coordenador do Bloco de Esquerda (BE) Francisco Louçã disse ter a certeza de que “um dia” será aprovada uma lei que permitirá às pessoas escolher a “dignidade do seu fim”, à qual se chamará “Lei João Semedo”.
“Tenho a certeza que um dia, e esse dia está próximo, vai ser aprovada uma lei que permita a cada homem e mulher no fim da sua vida escolher a dignidade do seu fim e essa lei vai chamar-se Lei João Semedo”, disse na quinta-feira à noite no Teatro Municipal Rivoli, no Porto, durante numa homenagem ao ex-coordenador do BE, que morreu na terça-feira.
Louçã recordou que o direito à morte medicamente assistida foi chumbado por cinco votos que foram “conspirados um a um nas penumbras do Parlamento” contra as convicções e, sobretudo, contra a opinião do país.
Apelidando-o de “João, Sem medo”, Francisco Louçã frisou que esta foi uma das duas tarefas que o bloquista deixou por fazer, ou seja, dar a possibilidade às pessoas de poder escolher o momento do seu fim quando a morte é inevitável.
“Não verdade ele não foi vencido, também não ganhou, ainda não ganhou”, frisou.
A segunda missão que João Semedo deixou é a defesa pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS), vincou, acrescentando que esta foi a “grande luta da sua vida”.
“Será que vamos conseguir, João? Talvez não, não sei, mas sei que estamos aqui todos sem medo”, referiu o bloquista.
Francisco Louçã relembrou que João Semedo advertiu para o facto do SNS estar a viver uma “crise indisfarçável”, tendo os seus limites sido ultrapassados “há muito”.
A homenagem
O antigo coordenador do BE e médico João Semedo morreu na terça-feira, aos 67 anos, depois de anos de batalha contra o cancro.
O ex-coordenador do BE e médico teve uma vida marcada pela política e participação cívica, tendo as duas últimas lutas sido a despenalização da eutanásia e a defesa do Serviço Nacional de Saúde.
Depois de 30 anos de militância no PCP, João Semedo aderiu oficialmente ao BE em 04 de abril de 2007, apesar da aproximação ao partido ter acontecido três anos antes, quando fez parte, enquanto independente, das listas do partido às eleições europeias de 2004, a convite de um dos fundadores bloquistas, Miguel Portas.
Após a saída de Francisco Louçã de líder do partido, João Semedo assumiu a coordenação, em conjunto com Catarina Martins, entre 2012 e 2014, numa solução de liderança bicéfala que os bloquistas viriam a abandonar.
A batalha de João Semedo contra o cancro começou em 2015. Na altura renunciou ao mandato de deputado da Assembleia da República que exercia desde 2006.
Para lá de décadas de intervenção política, a atividade cívica de João Semedo foi multifacetada e incluiu, entre muitas outras, a participação nas campanhas de alfabetização pós-25 de Abril, a intervenção na Cooperativa Árvore, na direção do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), na Universidade Popular e na fundação do Sindicato dos Médicos do Norte.
Comentários