Apesar do calor, vários foram os curiosos que passaram hoje pelo Salão Nobre da Irmandade da Lapa para, pela primeira vez, ver e admirar o coração de D. Pedro, que chegou ao Porto em fevereiro de 1835, mas que raras vezes saiu do mausoléu da capela-mor da igreja da Lapa.

Para o retirar do pequeno caixão de mogno guardado no mausoléu são precisas cinco chaves, mil cuidados e uma complexa operação.

Conservado em formol dentro de um recipiente de vidro e, este, dentro de um escrínio de prata dourada, o coração do “Rei Soldado” encantou os mais de 500 miúdos e graúdos que, pelas 11:00, já o tinham visitado, antes de partir rumo ao Brasil para marcar presença nas comemorações do bicentenário da independência daquele país.

Para o portuense Ângelo Coelho, ver o coração do rei D. Pedro I do Brasil e D. Pedro IV de Portugal simbolizou não só a história, mas também as suas raízes, uma vez que o seu trisavô “esteve ao lado das tropas liberais”, comandadas pelo monarca.

“Foi um marco importante na história portuense”, salientou, dizendo esperar que a passagem temporária do coração pelo Brasil possa “relembrar e fazer com que o povo brasileiro fique a saber mais sobre a história do seu rei e do Porto”.

Também o treinador de futebol André Villas-Boas não deixou escapar aquela que considerou uma “oportunidade única”, em particular, para os portuenses, de estar perante “tamanha dádiva de D. Pedro IV à cidade”.

“É uma oportunidade única e histórica”, salientou.

Além de portuenses, entre os curiosos que aguardava pacientemente na fila encontravam-se também alguns brasileiros, como Marcelo Silva, que há seis meses se mudou para Braga e, este sábado, rumou com a família em direção ao Porto para ver o coração do monarca, que conduziu o seu país, antiga colónia portuguesa, à independência.

“É um momento histórico e único. A saída do coração para o Brasil e tudo o que ele representa para o povo brasileiro”, observou, dizendo esperar que a transladação seja uma “oportunidade” para o povo brasileiro “entrar em contacto com parte da história”, mas também para que os dois países estreitem relações.

“Somos irmãos. Podemos ter divergências, mas não existe um brasileiro que não tenha o seu português”, acrescentou.

A transladação temporária do coração do rei para o Brasil agrada a uns, mas não agrada a todos, como a Celeste Corrêa que considera que o rei D. Pedro optou por doar o coração ao Porto e não ao Brasil, e que teme pela segurança do mesmo.

“Se [o rei] quisesse teria doado o coração ao Brasil”, referiu Celeste Corrêa, que, à semelhança de tantos, não perdeu a hipótese de visitar o coração do monarca por quem tem uma “grande admiração por tudo o que fez na sua curta vida”.

O coração do rei D. Pedro estará hoje em exposição até às 20:00, e no domingo, entre as 10:00 e as 16:00, sendo a entrada livre.

No domingo, pelas 16:00, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, e o embaixador da República Federal do Brasil em Lisboa, Raimundo Carreiro Silva, vão assinar o protocolo que define as condições da transladação.

Já durante a noite, o coração do monarca, cujo corpo se encontra na cidade brasileira de São Paulo, atravessa o oceano Atlântico, em ambiente pressurizado, para marcar presença nas comemorações do bicentenário da independência do Brasil.

A transladação do órgão, prevista para a 00:20, será acompanhada pelo presidente da Câmara do Porto, que levará pessoalmente o coração ao Brasil com o apoio da Força Aérea Brasileira (FAB).

O coração de D. Pedro chega na segunda-feira pelas 09:30 (13:30 de Lisboa) à base aérea de Brasília, onde será recebido com honras militares. Da base aérea, a relíquia segue para o Palácio de Itamaraty, na capital brasileira, de onde só sairá na terça-feira, pelas 16:00, para marcar presença numa cerimónia no Palácio do Planalto às 17:00.

Depois da cerimónia, onde estará presente o Presidente da República brasileiro, Jair Bolsonaro, o coração segue novamente para o Palácio Itamaraty, onde será apresentado ao corpo diplomático e onde ficará em exibição “controlada” até às comemorações do bicentenário da independência, no dia 07 de setembro.

O coração de D. Pedro regressa à cidade do Porto no dia 09 de setembro, ficando novamente em exposição nos dias 10 e 11 de setembro, antes de voltar a ser guardado a cinco chaves.