Pouco passava das 17:00 quando cerca de 200 pessoas enchiam a Rua do Jardim do Regedor fazendo fila desde a porta da Casa do Alentejo até aos Restauradores para ouvir o ex-deputado federal brasileiro - reconhecido crítico de Jair Bolsonaro, que assumiu em janeiro as funções de Presidente do Brasil - intervir na Conferência "Porque se exilar do Brasil hoje?".
Além de defensores do ex-deputado federal e de apoiantes e simpatizantes de movimentos sociais e de partidos políticos, como o brasileiro Partido dos Trabalhadores (PT), o português Bloco de Esquerda, o Livre e ativistas dos direitos humanos e homossexuais, Jean Wyllys também era aguardado por militantes do Partido Nacional Renovador (PNR), segundo constatou a agência Lusa no local.
Forças policiais presentes no local separavam o espaço entre as duas fações, que ainda antes da chegada de Jean Wyllys trocaram insultos e provocações.
Junto à casa do Alentejo, apoiantes de Wyllys, portugueses e brasileiros, alguns de cravos na mão, gritavam palavras de ordem e exibiam cartazes em memória de Marielle Franco, a socióloga, vereadora e ativista dos direitos humanos, do mesmo partido de Wyllys (PSOL) assassinada em março do ano passado.
Num outro cartaz lia-se “Em Portugal e no Brasil, sempre em defesa dos valores de abril”.
A alguns metros, pouco mais de 30 militantes e simpatizantes do Partido Nacional Renovador (PNR), portugueses e brasileiros, manifestavam-se contra a presença de Wyllys e contra a esquerda, empunhando uma faixa dizendo: “Com a direita nacional, a esquerda não faz farinha”.
Uma apoiante do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, Mary Andrade, de 37 anos, disse à Lusa que Portugal “precisa de uma mudança, tal como o Brasil” e considerou que “o motivo de muitos brasileiros estarem em Portugal foi o desgoverno da esquerda no Brasil” que “não é séria”.
Garantiu que foi este o seu caso. Há dois anos, contou, decidiu emigrar para Portugal em busca de oportunidades, embora não esteja a trabalhar na área de Marketing, em que se formou.
Questionada sobre a contradição de estar a defender um partido contra a imigração (PNR), a brasileira salientou que o “problema é a imigração desregulada”.
“Não sou contra a imigração, sou contra o excesso”, afirmou Mary Andrade.
O presidente do PNR, José Pinto Coelho, lamentou, por seu lado, que o país esteja dominado “há várias décadas por uma ditadura cultural de esquerda”, criticando a comunicação social por “boicotar sistematicamente” o seu partido.
Por isso, vieram mostrar, desta forma, a sua “indignação” face à impunidade com que é recebido “um bandido fugido à justiça que cuspiu em Bolsonaro e é recebido como um herói”.
A chegada de Jean Wyllys ao local correspondeu a um acréscimo de tensão entre os manifestantes, que trocaram provocações e insultos com um militante do PNR a gritar ao microfone o seu orgulho de ser “branco, heterossexual, casado e com três filhos”, enquanto outros jovens respondiam com insultos de “porcos nojentos” e “bonecos de Salazar”.
Apesar da espera, centenas de pessoas ficaram à porta e mostraram-se desiludidas por não poderem acompanhar a conferência de Jean Wyllys, incluindo Guadalupe Magalhães Portelinha, que trazia um livro de Alípio de Freitas, “Resistir é preciso”.
Guadalupe quis lembrar a memória deste resistente português que lutou contra a ditadura, foi torturado e esteve preso dez anos, porque este “é um momento de alerta”.
“Eleger uma pessoa como Bolsonaro é sinal de que o país está muto doente, não consegue distinguir entre o bem e o mal”, lamentou esta defensora de Wyllys, criticando o “fascismo que está em ascensão e a extrema direita que está a querer impor-se e posicionar contra os valores democráticos”.
Mais de uma hora depois do início da conferência, mantinham-se junto à Casa do Alentejo dezenas de pessoas, que entoaram a canção de Zeca Afonso, "Grândola Vila Morena", o que mereceu o Hino Nacional à laia de resposta por parte do PNR, que sublinhou ao microfone: “Estas é que são as nossas canções”.
Jean Wyllys, deputado federal do Rio de Janeiro, anunciou, em 24 de janeiro, que ia desistir do novo mandato e deixar o Brasil, após receber ameaças de morte, situação que se arrasta desde o homicídio da vereadora Marielle Franco, também pertencente ao partido de Wyllys, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
A conferência de hoje é organizada pelo Programa de Doutoramento "Human Rights In Contemporary Societies", Fundação José Saramago e Colectivo Andorinha – Frente Democrática Brasileira de Lisboa.
O político brasileiro deixou o local já depois das 19:00, protegido por alguns elementos de segurança.
Notícia atualizada às 19:29
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