Os signatários contestam o facto de a Academia, presidida pelo reitor António Sousa Pereira, "promover uma conferência que vem favorecer a desinformação, credibilizando ideias políticas que visam travar as ações para se conseguir obter a estabilização climática do planeta durante este século", lê-se na carta, a que a Lusa teve hoje acesso.
No documento, intitulado "Universidade do Porto deve escrutinar os eventos que organiza e promover o conhecimento baseado em Ciência", os cientistas acrescentam que "estas ideias cientificamente infundadas - a que se dá o nome de negacionismo -, em vez de esclarecerem e sensibilizarem para as alterações climáticas, não pretendem mais do que criar dúvidas sem qualquer fundamento ou método científico".
Em causa está a recente polémica em volta da presença de várias personalidades conhecidas como "negacionistas" das alterações climáticas numa conferência que vai decorrer na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, na sexta-feira e no sábado.
Entre os oradores está Piers Corbyn, irmão do líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn, que considera que a contribuição humana no aquecimento global é "mínima" e que o aumento da temperatura se deve a um aumento da atividade solar.
O grupo de cientistas defende que, sendo a Universidade do Porto uma instituição pública e uma das maiores produtoras de Ciência em Portugal, “impõe-se o escrutínio dos eventos que acolhe”.
"Esta instituição, pela responsabilidade que tem em divulgar o conhecimento informado, não deve emprestar o nome e dar credibilidade à negação da Ciência e do Conhecimento, mas antes promover o conhecimento científico sobre as alterações climáticas, seguindo as boas práticas científicas internacionais", acrescentam.
Na carta dirigida ao reitor, os signatários garantem que não são "alheios às táticas frequentemente utilizadas por este tipo de organizações ‘negacionistas’, que utilizam o espaço da democracia para tentar polarizar a sociedade e ganhar espaço mediático, criando uma polémica artificial e errada, invocando censura e vitimizando-se no processo", e defendem que o momento escolhido tem uma intenção clara.
"Também não estranhamos a realização deste evento coincidindo com a data da Marcha Mundial do Clima, a realizar no próximo dia 8 de setembro (sábado), em que manifestações sairão às ruas por todo o mundo, e em Portugal também, para exigir ações concretas para travar a espiral de descontrolo que têm sido as últimas décadas em termos de eventos climáticos extremos e aquecimento do Planeta", referem.
Os signatários afirmam mesmo que “não é possível hoje negar o consenso generalizado dentro da comunidade científica de que as atuais alterações climáticas a que estamos a assistir são causadas pelas ações com origem humana”, acrescentando que “é um consenso científico que atravessa várias áreas de conhecimento e abarca cientistas de todos os continentes”.
“Existe um aquecimento inequívoco do planeta, não apenas simulado ou previsto, mas medido. A emissão de gases com efeito de estufa de origem na ação humana, o mais relevante dos quais o dióxido de carbono, é a principal razão para este aquecimento e provém maioritariamente do uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), mas também de outras fontes como a desflorestação e a agropecuária. Esta asserção ficou bem patente no último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas”, dizem.
A iniciativa é subscrita por, entre outros cientistas, Carlos Borrego, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, Carlos Fiolhais, do Departamento de Física da Universidade de Coimbra, Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, e que foi revisor do relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU, Francisco Ferreira, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Manuel Sobrinho Simões, do IPATIMUP, e Teresa Lago, recentemente apresentada como a nova secretária-geral da União Astronómica Internacional.
Contactados pela Lusa, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e Ministério do Ambiente não quiseram tecer quaisquer comentários quanto à realização desta conferência.
Em comunicado enviado à Lusa na terça-feira, a Universidade do Porto esclareceu que a realização da conferência "Basic Science of Climate Change: How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate" "não significa que as posições assumidas pelos seus oradores e participantes sejam um reflexo da visão da Universidade do Porto sobre o tema em debate".
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