
Joël Le Scouarnec, de 74 anos, foi condenado a uma pena de 20 anos de prisão pelo abuso sexual de centenas de crianças, em casos que se estenderam por mais de duas décadas, conta o The Guardian.
O processo, considerado o maior julgamento por abuso sexual de menores em França, revelou um panorama inquietante de falhas institucionais e de negligência por parte das autoridades de saúde.
Le Scouarnec, que trabalhou como cirurgião digestivo em vários hospitais públicos e privados da Bretanha e do oeste de França, foi acusado de 111 violações e 189 agressões sexuais, entre 1989 e 2014. As vítimas eram, na maioria, menores de 15 anos, muitas delas anestesiadas ou em processo de recuperação pós-operatória. A média de idades das crianças agredidas era de apenas 11 anos.
Durante o julgamento, que decorreu ao longo de três meses em Vannes, o antigo cirurgião acabou por admitir todos os crimes. Avaliações psicológicas realizadas no decurso do processo confirmaram que o réu continua a representar um perigo extremo.
"Não estou a pedir clemência ao tribunal", disse na sua declaração final. "Eu era um cirurgião e beneficiei do meu status para atacar crianças, não nego isso", tinha também dito durante o julgamento.
O historial de Le Scouarnec já era preocupante há muito tempo. Em 2004, o FBI alertou as autoridades francesas por suspeita de que o cirurgião acedia a imagens de abuso infantil na dark web. No ano seguinte, foi condenado por posse dessas imagens e recebeu uma pena suspensa de quatro anos. No entanto, essa condenação não impediu que continuasse a exercer medicina com crianças.
O caso suscitou indignação entre associações de vítimas e defensores dos direitos das crianças, que exigem agora uma auditoria governamental.
A sentença de 20 anos, o máximo previsto pela legislação francesa para casos de violação agravada, contrasta com o que seria expectável noutros sistemas judiciais. O procurador Stéphane Kellenberger salientou que, nos Estados Unidos, Le Scouarnec enfrentaria penas acumuladas que totalizariam cerca de 2.000 anos de prisão.
Esta não é a primeira condenação de Le Scouarnec. Em Dezembro de 2020, já havia sido sentenciado a 15 anos de prisão por abusar de quatro crianças. As autoridades continuam a investigar e prevê-se um novo julgamento, com mais vítimas a serem identificadas.
O caso lançou luz sobre um sistema médico que falhou em proteger os mais vulneráveis. Diretores hospitalares e médicos admitiram em tribunal que ignoraram sinais de alerta, muitas vezes por necessidade de manter um cirurgião qualificado ao serviço. Um psiquiatra hospitalar chegou a classificar o caso como um “fiasco médico”.
Cerca de 20 vítimas de Le Scouarnec e os seus familiares realizaram um protesto em frente ao tribunal no início deste mês, contra o que chamaram de "silêncio do mundo político".
(Notícia atualizada às 13h53 com a confirmação da condenação)
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