“De facto, os abusos não são tolerados, muito menos autorizados pelo comando da Escola Naval e todos os que são detetados são exemplarmente punidos”, declarou o contra-almirante Mário Simões Marques na cerimónia de Compromisso de Honra, realizada hoje neste estabelecimento de ensino superior público universitário militar da Marinha, localizado em Almada (distrito de Setúbal).

Esta cerimónia, que contou com a presença de vários familiares e colegas, bem como professores, marcou a passagem dos mais recentes 48 alunos do curso "Capitão-de-mar-e-guerra Saturnino Monteiro", a cadetes efetivos - sendo dois oriundos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

As declarações do comandante surgem depois de esta semana terem sido conhecidos relatos de alegados abusos físicos e psicológicos entre cadetes da Escola Naval, sobre os quais a Marinha já abriu um processo interno de diligências.

Aos jornalistas, à margem da cerimónia, a porta-voz da Marinha, comandante Nádia Rijo, adiantou que “à data de hoje foram já feitas algumas diligências, nomeadamente revistas de corpo” e já foram feitos inquéritos individuais a todos os cadetes, que têm tido “acompanhamento psicológico”.

“À data ainda não existe matéria que corrobore qualquer situação menos normal daquilo que tem sido o percurso destes cadetes alunos, que hoje se tornaram cadetes da Escola Naval”, adiantou.

A porta-voz acrescentou ainda que “tal como foi dito pelo comandante da Escola Naval, a Marinha, a Escola Naval, não admite nem vai admitir qualquer circunstância que atente contra os valores e princípios desta instituição”, sendo “totalmente inadmissível que tais praticas possam ocorrer”.

“Naturalmente, se houver indícios que alguma situação destas possa ocorrer, será atuado em conformidade”, vincou.

A comandante disse ainda que a Marinha teve conhecimento, no passado dia 19 de outubro, destas alegadas situações de abuso de forma indireta, através da comunicação social, e que “até à data não foram efetuadas diretamente qualquer queixa nem qualquer denúncia à Escola Naval”.

No discurso, durante a cerimónia, no qual falou aos presentes diretamente sobre as recentes notícias em causa, o comandante da Escola Naval referiu ainda o compromisso de honra destes cadetes, “é um dos passos do contrato que a Marinha fez para a vida com estes jovens que voluntariamente tomaram a decisão de abraçar a carreira do mar e das armas”.

“De facto, o que se espera da profissão militar, e muito em especial dos seus oficiais, é uma competência, dedicação, e espírito de sacrifício que não têm paralelo noutras profissões, já que no limite pressupõe o sacrifício da própria vida”, aditou.

Esta formação, continuou, “é norteada por valores e princípios” onde não se encontra “lugar para a palavra abuso”.

“Exorto todos os presentes a que, caso tenham conhecimento de factos, tenham suspeitas ou dúvidas, nos contactem, porque só assim, de uma forma transparente, poderemos lidar rápida e objetivamente com eventuais situações que careçam de atenção”, apelou.

O contra-almirante disse ainda que a identidade de todos os que trabalham na Escola Naval é pública, assim como os contactos, considerando “incompreensível que quaisquer motivos de queixa” não sejam dirigidos diretamente a este estabelecimento de ensino.

“A confidencialidade, o anonimato e a proteção dos relatos de eventuais situações anómalas, sejam elas quais forem, estão garantidos e o nosso compromisso permanente é com o apuramento da verdade e a melhoria contínua do que fazemos. Quem pensar o contrário não nos conhece (…)”, sublinhou.

No seu discurso, o comandante dirigiu-se ainda diretamente aos pais, familiares e amigos presentes na cerimónia: “quanto ao resultado do que temos vindo a apurar sobre a veracidade dos alegados abusos, vão-me poupar de os referir, porque vós, melhor do que ninguém, tendes o conhecimento de viva voz pelos cadetes aqui formados do que é a realidade”.

“Ainda assim, diria que o facto de estar aqui, perante esta audiência, de cabeça erguida, a falar abertamente sobre o assunto deve ser interpretado como uma mensagem clara da confiança que tenho naqueles que aqui servem e diariamente dão o seu melhor: a ensinar, a trabalhar e acima de tudo a estudar”, sustentou.

Já o comandante do corpo de alunos, capitão-de-fragata Luís Pereira de Castro, destacou o “esforço e dedicação” destes alunos e afirmou que pertencer à Escola Naval é “uma grande honra e um privilégio que nem todos alcançam” e que “não é tarefa fácil”.

Esta semana, a mãe de um dos cadetes do primeiro ano da Escola Naval relatou à Lusa uma situação de alegados abusos físicos "mas sobretudo psicológicos", enquanto frequentou esta instituição, num ambiente de “praxe constante” entre alunos.

Na noite de terça-feira, já a Marinha tinha divulgado um comunicado em que admitia ter tido conhecimento de uma denúncia sobre “alegados comportamentos abusivos” praticados entre cadetes da Escola Naval, tendo iniciado diligências para averiguar a “veracidade dos factos relatados e eventuais responsabilidades”.