Com o Presidente da República a pedir reflexão sobre prazos, taxas e prestações no crédito à habitação pois "os portugueses dependem muito de empréstimos bancários", e com os preços reais das casas a subir, tendo duplicado desde 2015, a procura de casa é, no mínimo, complexa.
Mas, entre valores avultados, eis que se encontram algumas habitações a preços mais acessíveis. Têm um senão: só está à venda metade do imóvel.
Fazendo uma pesquisa no portal imobiliário doRealEstate, por exemplo, encontramos uma série de habitações que são vendidas à metade. Nomeadamente, o anúncio de um T2 em Sintra publicita a "venda de metade do imóvel" por 47.000 euros, esclarecendo à partida que não está disponível para visitas, "corresponde a parte indivisa de 50%", encontra-se ocupado, e só é comercializado nessa condição.
Como explica Joel Oliveira, consultor imobiliário, ao SAPO24, "por norma quem compra tem sempre alguma ligação a quem ainda lá está", sendo que, "quando a pessoa não conhece, raramente acontece".
Do ponto de vista legal, explica Francisco Sousa Coutinho, da CCR - Sociedade de Advogados, ao SAPO24, num imóvel com mais do que um proprietário, "os restantes comproprietários do imóvel gozam do direito de preferência, e têm o primeiro lugar entre os preferentes legais".
Fora os casos de pessoas conhecidas, existem também alguns investidores que se interessam pelo preço atrativo destes imóveis. "Acabam por nos ligar, fazem um pouco o trabalho de jornalista: 'Apetece-me comprar esta metade, consigo comprar a outra? Quem é que tem a outra metade?'", conta o consultor. Mas a parte da "negociação da outra metade, já é problema da outra pessoa", não da imobiliária.
"De uma forma geral, nós consultores, ou mediadores, não gostamos deste trabalho", dada a complexidade destas situações", confessa. "Se está lá a pessoa e não permite visitas, ainda é mais complicado".
Segundo Francisco Sousa Coutinho, "caso não haja estipulação em contrário, qualquer um dos comproprietários tem direito a usar o imóvel, pelo que, caso pretenda vender a sua quota, terá todo o direito a mostrar a casa a terceiros, respeitando a privacidade e os direitos dos restantes comproprietários".
Isto levanta uma questão sobre como é feita a divisão da casa: cada comproprietário tem direito a 50% de cada divisão da habitação?
Francisco Sousa Coutinho explica que "todos os comproprietários têm direitos iguais sobre o imóvel, podendo, no entanto, ter quotas de valor diferentes". Por exemplo, pode acontecer "um comproprietário ter uma quota de 65% e outro uma quota de 35%" - direitos quantitativamente diferentes - mas "cada um dos comproprietários tem direito a usar o imóvel na sua totalidade" - direitos qualitativamente iguais.
Como tal, ambos podem servir-se da totalidade do imóvel, desde que não o usando "para fim diferente a que se destina" e não privando "os outros comproprietários do uso a que igualmente têm direito".
Isto significa que, a partir do momento em que uma pessoa A compra a metade de um imóvel, tem tanto direito a viver lá como a pessoa B, que tem a outra parte do imóvel? "Por princípio, sim, embora a pessoa B possa tentar argumentar que sempre viveu no imóvel e que o novo comproprietário já tinha conhecimento desse facto, pelo que deverá abster-se de usar o imóvel". No entanto, explica o advogado, "nos termos da lei, e não havendo acordo sobre o uso da casa, qualquer um dos comproprietários tem direito a utilizá-la".
Tendo já assessorado a compra de imóveis por diversos investidores que ficaram comproprietários dos mesmos, e regulado a sua utilização "através de um regulamento de compropriedade", Sousa Coutinho explica que não tem conhecimento "de um investidor que tenha comprado uma quota parte do direito de propriedade de um imóvel para ir viver com desconhecidos".
Também Joel Oliveira diz que, pela sua experiência "nunca acontece essa situação de alguém ficar a viver com a outra pessoa".
O que acontece, então? Normalmente, o investidor ou chega a acordo com os restantes comproprietários para a compra das suas quotas ou, não sendo possível, opta por chegar a acordo para a regulação do uso do imóvel, explica o advogado. Ocorrendo a segunda opção, "poderá ser elaborado um regulamento da compropriedade no qual se deverão estipular os termos e condições de utilização do imóvel e os deveres e obrigações dos comproprietários", acrescenta.
Outra opção é os comproprietários arrendarem o imóvel inteiro, e dividirem o rendimento, sendo que "a divisão do rendimento obtido deverá ser feita tendo em conta o valor da quota de cada um", esclarece ainda Sousa Coutinho.
Além de os anúncios, como é o caso do T2 de Sintra mencionado, esclarecerem as condições em que o imóvel está a ser vendido, Joel Oliveira garante que alerta sempre os clientes para os riscos. "Nada acontece ao acaso", diz, referindo-se aos preços atrativos. "As pessoas quando compram, têm de ter noção do risco".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
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