"Trata-se de um gesto nobre que eu respeito, mas que em consciência não posso aceitar", declarou António Costa aos jornalistas, na residência oficial de São Bento, em Lisboa, referindo-se à demissão do Ministro João Galamba. "Tenho o entendimento que o Ministro das Infraestruturas não procurou, de forma alguma, ocultar nenhuma informação à Comissão".

"O Sr. Ministro das Infraestruturas dirigiu-me uma carta apresentando o seu pedido de demissão. “Tenho consciência que a demissão do ministro das Infraestruturas tem sido insistentemente reclamada creio que pela unanimidade de todos os comentadores e pela generalidade dos agentes políticos”, observou.

"Ser membro de governo é um cargo de elevada responsabilidade e a experiência que tenho com o senhor Ministro João Galamba não me permite em consciência aceitar a demissão", disse Costa, sublinhando que acredita que o Ministro se revelou "um excelente secretário de Estado da Energia e [que] com o tempo se revelará um excelente Ministro das Infraestruturas".

Segundo António Costa, ninguém do Governo deu ordens para que autoridades policiais ou de segurança recuperassem um computador retirado do Ministério das Infraestruturas e defendeu que o SIS não atuou à margem da lei.

De acordo com João Galamba, Frederico Pinheiro, já depois de ter sido demitido, na quarta-feira à noite, forçou levar consigo um computador com informação classificada, o que motivou que o seu Ministério reportasse este caso à Polícia Judiciária e ao SIS.

"As autoridades agiram. Ao contrário do que tenho ouvido repetidas vezes não houve instruções, ordens de qualquer membro do Governo para que qualquer serviço de informação - e muito menos qualquer órgão de polícia criminal - desenvolvesse qualquer ação. Feita a denúncia, os serviços de informação e os órgãos de polícia criminal agiram no âmbito do entendimento que têm das suas competências próprias", sustentou o primeiro-ministro.

Em relação ao SIS, António Costa observou que está sob sua dependência hierárquica e adiantou que já solicitou à secretária-geral do SIRP (Serviço de Informações da República Portuguesa) dados sobre o que se passou em relação àquele caso.

"Não tenho nenhuma razão para entender que esse serviço agiu à margem da lei. Pelo contrário, agiu no exercício próprio das suas competências. Mas quero acrescentar uma coisa: Ainda que assim não tivesse sido, essa responsabilidade seria, não do ministro das Infraestruturas, mas, porventura do diretor desse serviço, da secretária-geral ou de mim próprio", advogou.

António Costa fez questão de insistir neste ponto para ilibar João Galamba, dizendo que "se o serviço tivesse agido fora do âmbito das suas competências seria responsabilidade de quem dirige ou tutela os serviços, e nunca de quem, certa ou erradamente, lhe tivesse feito uma participação"

"Neste caso concreto, quem comunicou e deu o alerta do roubo do computador com documentação classificada não cometeu qualquer infração, cumpriu o seu dever", completou.

Logo na sua declaração inicial, António Costa assumiu que no Ministério das Infraestruturas houve “um deplorável incidente” e, em nome do Governo, apresentou “desculpas aos portugueses”.

“Trata-se de um incidente de natureza excecional, mas que fere o dever do Governo de contribuir para o prestígio e credibilidade das instituições", disse, antes de ilibar em todos os incidentes o ministro João Galamba, responsabilizando, em contrapartida, o seu ex-adjunto Frederico Pinheiro.

“O facto de um colaborador demitido procurar roubar um computador de serviço e agredir as pessoas que tentaram impedir é obviamente um facto a todos os títulos deplorável. Mas não possa imputar esse facto ao ministro, porque tomou a demissão de demitir numa circunstância em que entendeu que esse seu colaborador tinha omitido informação que era solicitada pela comissão parlamentar de inquérito”, alegou o líder do executivo.

Pelo contrário, segundo António Costa, João Galamba cometeria “uma falta grave caso se soubesse que tinha ocultado à comissão parlamentar de inquérito informação que dispunha e que não a entregava”.

“O ministro quando soube que era ocultada essa informação demitiu a pessoa que a ocultava e facultou essa informação à comissão parlamentar de inquérito” sobre a gestão da TAP, acrescentou.

"É falso que tenha dado ordens ao serviço de informações, é falso que tenha usado os serviços de informações para disfarçar um problema, é falso que tenha tentado ocultar informações à Comissão de Inquérito", sublinhou. "Pelo contrário, acho que o fez de uma forma empenhada. E quando percebeu que lhe estavam a ocultar informação que era solicitada pela Comissão parlamentar de inquérito, fez o que devia fazer: enviou essa informação para a Comissão e demitiu o colaborador que omitia essa informação", acrescentou o Primeiro-Ministro.

Dizendo que ponderou "muito ao longo destes dias", e que dedicou todo o dia a "confirmar os factos e formar um juízo", António Costa admitiu saber que a sua opinião é contrária "a tudo aquilo que os comentadores têm dito" e "provavelmente contrária àquilo que a esmagadora maioria dos portugueses pensará". Ainda assim, sublinha que tem o dever de tomar as decisões que em cada momento julga adequadas. "Espero, e tenho confiança, que desta vez também acertei na decisão".

"Entre a facilidade e a minha consciência, lamento desiludir aqueles que vou desiludir, mas privilegio a minha consciência", reforçou Costa. "Era muito mais fácil aceitar o pedido de demissão, mas prefiro ficar de bem com a minha consciência".

"O exercício de Primeiro-Ministro exige muitas vezes a disponibilidade para a solidão para estarmos sozinhos, e tomarmos as decisões que temos de tomar, e arcar com as responsabilidades das decisões que tomamos", notou.

“Esta é uma decisão minha e que me responsabiliza a mim em exclusivo", sublinhou ainda o Primeiro-Ministro. "Dei, obviamente, como é meu dever, informação ao presidente da República antes de a transmitir agora aos portugueses".

Interrogado sobre um possível conflito institucional com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que exigiu a demissão de João Galamba do Governo, o líder do executivo assumiu divergências, procurou desdramatizar e frisou que é ao primeiro-ministro que cabe propor a exoneração dos ministros.

"Informei o senhor Presidente da República desta minha decisão" de não demitir João Galamba, começou por responder António Costa, dizendo que mantém com o chefe de Estado "uma relação de confiança, mesmo quando, obviamente, ao longo destes anos, houve posições divergentes".

"É normal. O que seria anormal era se o primeiro-ministro traísse a relação de confiança das conversas que tem com o Presidente da República expressando-se publicamente. Esta decisão [de não demitir João Galamba] é minha, responsabiliza-me integralmente, e o senhor Presidente da República, no exercício das suas funções, expressará ou não o entendimento que tem -- entendimento que respeito", declarou.

Mais à frente, na conferência de imprensa, António Costa recusou-se a comentar a possibilidade de o Presidente da República dissolver parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas.

"Não faço especulações. A estabilidade é um valor maior da atividade institucional. Creio que os portugueses foram muito claros na vontade que manifestaram pela estabilidade", disse, numa alusão às ultimas eleições legislativas.

António Costa apontou que poder de dissolução do parlamento, nos termos da Constituição, "é exclusivo do senhor Presidente da República - e o Governo cá está para respeitar qualquer decisão que seja do senhor Presidente da República". Depois, acentuou o ponto referente aos seus poderes: "Da mesma forma, a competência de propor a nomeação ou exoneração de membros do Governo cabe ao primeiro-ministro".

Questionado sobre se está preocupado com o futuro de João Galamba e com a credibilidade do ministério e do Governo, o Primeiro-Ministro disse estar preocupado com "o futuro do país, o dia-a-dia dos portugueses e que o Governo prossiga a normalidade da sua atividade".

"Nós temos um programa para cumprir, temos um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para executar, e é isso que temos de prosseguir", continua. "Em particular, estou preocupado no que diz respeito à TAP, com o sucesso do seu Plano de Reestruturação, com o sucesso do projeto de privatização que oficialmente se iniciou na semana passada e é nisso que eu continuarei focado, e é para isso que eu conto com o dr. João Galamba, e acho que estará à altura da missão que lhe está confiada".

O Ministro João Galamba apresentou hoje a demissão ao Primeiro-Ministro, alegando que o fazia “em prol da necessária tranquilidade institucional”.

“Comunico que apresentei, agora mesmo, o meu pedido de demissão ao senhor Primeiro-Ministro. No atual quadro de perceção criado na opinião pública, apresento o meu pedido de demissão em prol da necessária tranquilidade institucional, valores pelos quais sempre pautei o meu comportamento e ação pública enquanto membro do Governo”, lê-se no comunicado enviado pelo Ministério.

Antes, o Primeiro-Ministro esteve reunido com o Presidente da República no Palácio de Belém, a quem solicitou uma audiência, depois de esta manhã ter recebido João Galamba em São Bento.

Nas declarações que fez à RTP na segunda-feira à noite, António Costa afirmou logo aí que, no caso que envolve João Galamba e o ex-adjunto Frederico Pinheiro, demitido na quarta-feira, havia “outra dimensão, que não tem a ver com uma atuação individual e específica de ninguém”.

“Tem a ver com aquilo que tem de ser a atitude do Governo perante a governação e a atitude exemplar que tem de ter relativamente à credibilidade das instituições. E isso obviamente foi aqui afetado”, sustentou.

Na segunda-feira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, classificou como uma matéria sensível de Estado a troca de acusações entre João Galamba e o seu antigo adjunto Frederico Pinheiro.

Nos últimos dias, Marcelo Rebelo de Sousa escusou-se a comentar factos relativo ao episódio de violência dentro do Ministério da Infraestruturas, sobre a intervenção do SIS neste caso e, ainda, no que se refere às contradições entre a versão de João Galamba e do seu ex-assessor, que acusa o Ministro de ter tentado esconder documentos da Comissão de Inquérito da TAP.

Economista, de 46 anos, João Galamba assumiu as funções de Ministro das Infraestruturas em 4 de janeiro deste ano, substituindo Pedro Nuno Santos, que se demitiu deste cargo na sequência da polémica em torno do pagamento de uma indemnização de meio milhão de euros a Alexandra Reis para que a ex-administradora da TAP saísse da companhia aérea nacional.

No segundo executivo liderado por António Costa, entre 2019 e 2022, João Galamba foi secretário de Estado Adjunto e do Ambiente.

Já no atual Governo de António Costa, de maioria absoluta do PS, o antigo porta-voz socialista começou como secretário de Estado do Ambiente da Energia, tendo Duarte Cordeiro como Ministro.

Entre 2011 e 2014, com o PS na oposição e sob a liderança de António José Seguro, João Galamba fez parte do chamado grupo dos “jovens turcos”, conotado com a ala esquerda deste partido, juntamente com Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro e Pedro Delgado Alves.

*Com Lusa

*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel

(Artigo atualizado às 23h13)