"É por perceber que a Iniciativa Liberal é que faz verdadeira oposição e, sobretudo, faz uma oposição mais inteligente e eficaz, que o PS e António Costa tanto se irritam connosco. E então é boa altura para dizer aqui ao primeiro-ministro que a Iniciativa Liberal aqui está para lhe continuar a dar bons motivos para se irritar. Habitue-se!"

Esta foi uma das afirmações de João Cotrim de Figueiredo, que agora deixa a liderança da IL, que fez mais furor na VII Convenção da Iniciativa Liberal, a decorrer no Centro de Congressos de Lisboa.

Oiço a Iniciativa Liberal dizer que é um partido diferente. No entanto, no segundo dia a assistir à VII Convenção, o que vejo é um partido igual aos outros, com as mesmas disputas internas. Poderia dizer que a Iniciativa Liberal cresceu muito depressa e já está com alguns tiques de partidos com muito mais anos de vida. Concorda?

Infelizmente não posso discordar com boa parte da premissa. A resposta mais filosófica é que a natureza humana é o que é e tende para o que tende. Mas isso é uma resposta insatisfatória, porque a natureza humana também tende para uma série de coisas altamente criticáveis e nós civilizámo-nos ao longo dos tempos.

E o que é civilizar um partido?

Na minha opinião, e da equipa que esteve comigo estes anos, civilizar um partido é instituir uma cultura política forte, que, entre outras coisas, torna claro aquilo que é e não é bem visto, aquilo que é e não é valorizado, e que se reflecte em tudo: nas oportunidades de negócio, os lugares que as pessoas ocupam, etc., etc. E essa cultura só é eficaz, se vamos "civilizar" o partido — e, por favor, civilizar entre aspas —, se for genericamente aplicada e for entendida por todos. 

E se há coisa que hoje, depois desta campanha interna, pode ficar mais ou menos clara, é que desse particular, embora eu tenha feito muitas palestras sobre a cultura interna na Iniciativa Liberal, não fui eficaz a chegar ao número de pessoas suficiente para evitar aquilo que eu também acho que foi infeliz, quer em boa parte da campanha interna, quer em partes desta Convenção — que tem aspectos magníficos, de organização e de mobilização. Mas, não posso discordar da premissa de que em demasiados aspectos parecemos um partido como os outros e isso retira-nos autoridade para dizer que somos diferentes.

Tem solução ou não há volta a dar?

Nota positiva e de optimismo: não acho que seja uma coisa irrecuperável. Acho que a cultura, por definição, é uma coisa difícil e prolongada de estabelecer e de solidificar; se as pessoas que percebem a importância disto tiverem responsabilidades e continuarem a ter responsabilidades no partido, acho que isso se recupera. Se estiverem pessoas que não veem nisso qualquer interesse e que acham que os partidos vão acabar sempre por ser assim e não vão sequer lutar contra isto e acham que a Iniciativa Liberal fez o que fez sem uma forte componente cultural, então acho que vamos mesmo ficar um partido como os outros.

Tem aqui a comunicação social em peso. Aproveitaram suficientemente a Convenção para explicar o que querem do país e como pretendem chegar lá?

Este é por definição um dos momentos de maior cobertura mediática de qualquer evento que nós realizamos. E aceito que numa Convenção, e com estas características, há aspectos internos que têm de ser debatidos, mas têm de ser uma nota lateral à essência do que estamos a falar, porque estamos a falar para centenas de milhar de portugueses durante um fim-de-semana, e perdemos a oportunidade para mostrar que temos ideias diferentes para o país e credibilidade para as executar. Acho também que desse ponto de vista perdemos uma oportunidade.

Porque motivo um só deputado — que não era grande coisa, como disse no seu discurso —, parece ter conseguido tanto como os oito deputados desta legislatura?

[Ri] Só com meia falsa modéstia... Mas não sei se isso é exactamente justo, porque do ponto de vista dos públicos, matérias, temáticas e até provavelmente, zonas do país, a que chegámos com os oito deputados, acho que o impacto que está a ser feito desde abril iria mostrar frutos. Agora, é natural que se sentisse uma maior coesão e unidade, entre outras coisas. Eu estava convencido da importância da cultura da IL, acho que a sabia corporizar bem. A partir do momento em que há mais do que uma pessoa e mais do que sete é mais difícil ter essa coesão — e podia demorar algum tempo, mas acho que íamos chegar lá. Agora, é inegável, e acho que o reconhecimento é generalizado, que o grupo parlamentar da IL é um bom grupo parlamentar, com uma diversidade boa, de diferença de idades, de proveniências, de especialidades, e acho que está a fazer um bom trabalho, que ia e vai produzir frutos.

Vai ficar só no Parlamento?

Vou continuar com exclusividade de funções. Ah, e tenho de acrescentar que, obviamente, estarei sempre à disposição daquela que vier a ser a nova direção do partido, porque ontem vieram perguntar-me se não iria fazer sombra à nova direção. Nunca vi isso assim, porque não é o meu género fazer sombra a alguém, mas se acharem que sim, também não estou para estar a fazer pau-de-cabeleira de ninguém.

O que é que o levou a atirar a toalha ao chão, não terminar o mandato?

Tem dois aspetos. O aspeto pessoal explica-se mais facilmente: estou convencido de que no fim deste ciclo eleitoral nós vamos ter responsabilidades governativas ou importantes a nível do governo do país, um acordo parlamentar, e isso obrigar-me-ia, a partir de 2026, a ter um compromisso até 2030. E em 2030 terei 70 anos, basicamente. Não estou disponível para estar na política até aos 70 anos, não estou. Lamento muito, podem pedir-me muita coisa, e há muita coisa que eu dou ao partido sem ninguém me pedir, mas só entrei na política ao 58, não vou ficar na política até aos 70.

E do ponto de vista político?

A análise política, que é muito mais interessante: a Iniciativa Liberal está, podemos discutir, nos 7%, nos 8% ou nos 9%, a diferença também não é grande. Queremos, de facto, acabar com o bipartidarismo, fazer influência à séria, e isso não é ser a terceira ou quarta força política e ter, pelo menos, 15%. Então, vamos olhar para isto friamente, a parte cartesiana da coisa: de onde vêm os outros 7% ou 8%? Onde estão, em que cidades, em que subúrbios, com que idade, com que profissões? E olha-se para essa demografia e duas coisas ficam claras: que temos de ter outros temas para chegar a essas pessoas, ou outras soluções dentro dos mesmos temas, e que temos de ter porta-vozes diferentes, uma cara diferente.

Que não João Cotrim de Figueiredo? Porquê?

Porque, e isto é uma análise sociológica que eu faço, em Portugal não é possível alguém com o meu perfil conseguir ser convincente para determinado público.

Porquê?

É, na verdade, triste. Não vou argumentar porque é que isto é sociologicamente assim — isso seria uma conversa mais longa —, chamo apenas a atenção para que esta limitação é tão verdadeira que as luminárias do Partido Socialista já a tinham detetado e a expressão "queque" é usada exactamente para isto. Eles sabem que se nos conseguirem colar a uma certa imagem de elitismo, estabelecem um teto, que não sei se é nos 7, nos 8 ou nos 9%, no crescimento da Iniciativa Liberal que nos impede de fazer aquilo que nós queremos. 

Carlos Guimarães Pinto não tinha essa desvantagem...

Mas eu tenho. Eu não podia estar até ao fim deste ciclo, acho que não serei a pessoa certa para levar isto até ao melhor nível possível, portanto a questão passa a ser não se saio, mas quando saio. E acho muito mais responsável sair sabendo que há alternativas, numa altura em que dou tempo, vários meses até às regionais da Madeira e um ano e alguns meses até às europeias, para a nova direção se afirmar. E eu cá estarei para que aquilo que possa ser necessário para que o respeito, para que a autoridade que granjeei não se perca. Se é surpreendente e porque as pessoas normalmente não estão habituadas a que os lideres saiam sem levar uma trepa eleitoral ou sem serem vítimas de um golpe palaciano. É uma análise que não é muito confortável para mim, é um bocadinho dolorosa, mas se gosto mesmo do partido e quero mesmo que isto funcione, não tinha outra hipótese.

Prefere a política nacional ou a europeia?

Apesar de tudo, a nacional. 

O Parlamento Europeu está fora de questão?

Se eu já acho que o parlamento português está relativamente longe da mão na massa e das mudanças concretas, o Parlamento Europeu ainda mais.