Ao início da tarde desta segunda-feira, Graça Freitas, a diretora-geral da saúde, anunciava em Lisboa que se estava a equacionar uma cerca sanitária no Porto, o concelho com mais casos de infeção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela covid-19.
Graça Freitas falava das conversas entre a Direção-Geral da Saúde (DGS) e a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N) para fechar a região do Porto num cerco, após uma questão do SAPO24 na conferência de imprensa desta manhã.
A diretora-geral da saúde assegurou a articulação entre as autoridades de saúde e as autoridades municipais desde logo, com a Câmara Municipal, com a Segurança Social e com a Comissão Municipal de Proteção Civil.
Quase de imediato, a câmara do Porto disse que não aceita o cerco sanitário "absurdo" e "inútil" que está a ser equacionado pelas autoridades de saúde e anunciou mesmo que deixa de reconhecer autoridade à diretora geral da Saúde, Graça Freitas.
Foi a primeira reação de uma tarde em que a Invicta dominou as notícias.
O município, à semelhança de outros na Área Metropolitana do Porto, disse não saber de nada, nem compreender a decisão.
"Assim sendo, a Câmara do Porto deixa de reconhecer autoridade à senhora Diretora Geral da Saúde, entendendo as suas declarações de hoje como um lapso seguramente provocado por cansaço".
Num esclarecimento posterior, o gabinete de comunicação da DGS diz ao SAPO24 que “até ao momento não houve nenhuma pronúncia das autoridades de saúde nesse sentido”.
Mas, pelo meio, já houve várias pronúncias.
Matosinhos: Medida sem justificação
"Não consigo encontrar justificação para a instauração de uma cerca sanitária nos concelhos do Norte do país, ainda para mais quando existe já contaminação comunitária, ou seja, não podemos dizer que existe um foco da doença", disse a presidente da câmara municipal de Matosinhos, Luísa Salgueiro, à agência Lusa.
Para a autarca, em isolamento por estar infetada pelo novo coronavírus, as situações que se verificam de "falta de respeito" pelas regras de isolamento social não têm que ver com a circulação de pessoas de fora do concelho. Por isso, considerou, proibir essa circulação não vai solucionar o problema.
Matosinhos, no distrito do Porto, precisa de cidadãos de outros concelhos para trabalhar, designadamente nos serviços de saúde e no apoio a dependentes, sublinhou a socialista.
"Não nos podemos esquecer que Matosinhos tem um dos hospitais de referência da zona Norte, cujo acesso pode estar comprometido com a possibilidade da cerca sanitária", afirmou.
Luísa Salgueiro espera "sinceramente" que estejam a ser equacionadas e ponderadas todas as implicações que podem resultar de uma medida como esta.
Gondomar: Agora é “difícil de perceber”
Ao SAPO24, Marco Martins, presidente da câmara de Gondomar e líder da Comissão Distrital de Proteção Civil, diz que o anúncio de Graça Freitas “apanhou toda a gente de surpresa”. “Como é que uma coisa que há oito dias não era eficaz pode sê-lo agora?“, questiona Marco Martins, que considera a discussão sobre uma eventual cerca “fora de tempo”.
Sobre as notícias da semana passada acerca dos pedidos da Comissão Distrital de Proteção Civil para a implementação de cercas sanitárias, Marco Martins diz que não houve pedido, mas que o tema “foi colocado à consideração” da ARS-Norte.
“Quando se ativa um plano distrital de emergência, há um conjunto de regras — que estão bem definidas — em que cada entidade se tem pronunciar sobre isso. Portanto, foi perguntado à Autoridade de Saúde se queria aplicar ou não, nos concelhos que na altura estavam com mais números, alguma medida.”
A resposta da ARS-Norte foi “não, porque já não se justificava em função de o vírus já estar disseminado na comunidade”, diz o autarca.
Para além disso, Marco acredita que uma medida desta natureza — “que agora é totalmente extemporânea” — teria de ser mais vasta: “não podia ser num concelho só, teria de ser uma região”.
Manuel Pizarro: Infeliz, despropositado — e medieval
“A ideia de criar um cerco medieval à cidade revela um total desconhecimento da vida da região. Só no Hospital de São João, três quartos dos profissionais vêm de fora do Porto e uma percentagem significativa de fora da Área Metropolitana. Isso, só por si, revela que esse alegado cerco sugerido pela Direção-Geral da Saúde iria criar muitos mais problemas do que ajudar ao esforço contra a propagação do vírus”, alertou Manuel Pizarro, também médico e eurodeputado, em declarações à Lusa.
Para o vereador socialista, “a cidade do Porto funciona, em relação a diversos serviços essenciais, com uma interdependência tal dos municípios vizinhos, da Área Metropolitana do Porto (AMP) e da região que esse cerco é uma impossibilidade prática”.
Pizarro junta-se, por isso, às “declarações de indignação” de Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, em resposta às afirmações da diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, sobre a decisão de impor uma cerca sanitária na região do Porto, uma medida que diz estar a ser equacionada e poderá ser tomada hoje. Para Pizarro, está em causa, por parte da DGS, “uma visão centralista absurda”.
“Em relação aos serviços essenciais, os hospitais centrais do Porto serão aqueles que mais chamam a atenção relativamente à interdependência entre este concelho e a região, mas há muitos outros”, alerta.
Para Manuel Pizarro, “a partir do momento em que os números mostram um aumento significativo de casos diagnosticados no Porto”, é necessário “refletir sobre essa realidade”.
“Neste momento, nem sabemos se o aumento de casos não resulta apenas de estarmos a fazer bem o que é recomendado, ou seja, testar toda a gente”, avisou. Para o eurodeputado, poder-se-á questionar as medidas tomadas ou “avaliar se estamos a fazer tudo ao nosso alcance para limitar a propagação”, mas não avançar com uma cerca sanitária.
Área Metropolitana do Porto: Cerco? Não — testes
Questionado pelo SAPO24, o presidente da câmara municipal de Vila Nova de Gaia "rejeita liminarmente" a hipótese da cerca sanitária. Eduardo Vítor Rodrigues considera que "não é uma medida útil e nada acrescenta à resolução do problema".
O autarca socialista, que também preside à Área Metropolitana do Porto, diz desconhecer quem terá levantado a hipótese na Comissão Distrital da Proteção Civil, garantindo que a câmara de Gaia "não tomou nenhuma iniciativa" nesse sentido.
Nesta fase, Eduardo Vítor Rodrigues sublinha que importa resolver a pandemia: "neste momento devemos concentrar-nos nas soluções e na parceira. Pedimos mais testes, mais articulação e envolvimento de todos, instituições e cidadãos".
"Acompanhamos com toda a atenção e envolvimento na construção de soluções úteis e inteligentes, sendo parceiros neste problema", diz, sobre a situação da covid-19 no concelho. "Todos os especialistas vão assumindo que a situação tende a piorar em toda a região, competindo-nos trabalhar para que o impacto seja o menor possível".
"Sugiro que a DGS faça uma verdadeira ação de sensibilização aos condomínios porque, a par dos lares de idosos, são um foco de contágio na gestão as partes comuns. São potenciais focos que estão a ser desvalorizados. Sugiro ações de sensibilização concretas e práticas para que as limpezas aumentem e os focos de contágio sejam minimizados ao máximo. E acho que a DGS devia fazer testes, testes e mais testes. É esse modelo que resolve o problema", disse à agência Lusa Eduardo Vítor Rodrigues.
O presidente da câmara de Vila Nova de Gaia mostrou-se surpreendido com o anúncio da DGS, uma vez que, conforme disse à Lusa, não foi consultado, algo que lamenta e o leva a pedir "mais respeito institucional".
"Surpreende-me que a DGS torne públicas medidas e ideias sem falar com os autarcas. Eu não fui consultado. A DGS tem de começar a comunicar um bocadinho menos e melhor. Há coisas que merecem o respeito institucional de quem no terreno está a lutar com todas as suas forças", referiu o autarca de Vila Nova de Gaia, acrescentando ainda o exemplo dos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
"Impuseram quarentena à chegada [às ilhas], mas isso não impediu que tenham casos. [O cerco sanitário] não faz sentido do ponto de vista técnico, nem do ponto de vista prático da organização das cidades", concluiu.
PSD Porto: Cerca sanitária não faz sentido e está absolutamente fora do contexto
"Para o PSD do Porto, não faz sentido absolutamente nenhum a criação de uma cerca sanitária ao concelho do Porto (…). O que está a acontecer no concelho do Porto também está a acontecer nos concelhos limítrofes, em termos daquilo que é o aumento do número de casos", defendeu Alberto Machado.
Em declarações à Lusa, o dirigente e líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal do Porto considera que mesmo que os epidemiologistas e autoridades de saúde envolvidas que estudam da pandemia considerassem necessária esta cerca sanitária, ela teria de ser alargada aos concelhos limítrofes que, segundo os dados da Direção Geral da Saúde, apresentam um número elevado de casos.
"Entre os 15 maiores concelhos com o maior número de infetados, constam todos os concelhos da coroa da cidade do Porto — Matosinhos, Maia, Gondomar, Valongo, Vila nova de Gaia. Portanto, (…) não faz sentido absolutamente nenhum isolar o concelho do Porto neste contexto", salientou, defendendo ainda que a acontecer esta cerca teria de ser feita em articulação com a autarquia, a Área Metropolitana do Porto e com 18 concelhos que compõe o distrito do Porto.
"Para nós, é absolutamente fora do contexto esta cerca sanitária", concluiu.
Associação Comercial do Porto: Cerco paralisa a região
“Com este cerco [sanitário], a confirmar-se, nós iremos ter de facto uma paralisação geral desta região que a todos os títulos condenamos”, declarou à Lusa Nuno Botelho, numa entrevista telefónica. A Associação Comercial do Porto opõe-se, assim, “absolutamente” à hipótese dum cerco sanitário.
“Achamos que é um exagero, achamos que não se justifica, achamos que revela desconhecimento da situação no terreno. As pessoas estão a acatar o isolamento social, o resguardo em casa. (…) Independentemente do número de infetados que é grande, e que todos lamentamos, mas achamos que o isolamento que está a haver justifica neste momento a manutenção das medidas tomadas”, descreveu Nuno Botelho.
O presidente da Associação Comercial do Porto lamentou, por outro lado, que a medida esteja a ser equacionada “sem conhecimento dos órgãos políticos locais”, entenda-se o presidente da Área Metropolitana do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues, e o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, que segundo Nuno Botelho “não foram tidos, nem achados” na questão do eventual cerco sanitário.
“Achamos a todos os títulos lamentável. Achamos que a economia também tem que ter ainda o seu espaço, em primeiro lugar naturalmente está a saúde, mas não podemos afogar ainda mais a economia desta região do concelho do Porto e dos concelhos limítrofes, cortando os acessos de repente e de forma inopinada e, portanto, essa é uma medida contra a qual nós temos que nos manifestar contra”, reiterou.
Nuno Botelho lembrou ainda que a hipótese do cerco sanitário no Porto é uma “medida vai ao arrepio daquilo que foram as declarações do senhor primeiro-ministro na semana passada, em que se mostrava “muito preocupado com a economia e que havia setores que tinham que continuar a laborar”.
Associação de Comerciantes do Porto: “Atitude pseudo-local" sem sentido
“Não me parece que atitudes locais, pseudo-locais e regionais possam combater-se se não for feita uma escala global”, declarou o presidente da Associação dos Comerciantes do Porto a propósito da eventual declaração de um cerco sanitário ao Porto.
Joel Azevedo refere que não faz “qualquer sentido limitar uma cidade”, mas deve-se sim controlar o “país inteiro”.
“Isto tem que ser feito a uma escala global e a uma escala coletiva. Não nos interessa ter o Porto com menos casos e a Maia, Vila Nova de Gaia ou Matosinhos com mais casos. (…) Julgo que o Comando da Proteção Civil Distrital está analisar o que é que deve fazer em cada um dos momentos da pandemia. Assim como em articulação com as autoridades nacionais. Só assim conseguimos resultados efetivos. Não nos basta limitar e controlar uma cidade, controlar uma freguesia ou controlar só uma casa”.
PCP Porto: Há medidas implementadas e é nelas que se devem concentrar as atenções
“Não é pública qualquer razão que sustente o cerco, do ponto de vista técnico ou científico. Há medidas implementadas e é nelas que se devem concentrar as atenções, em vez de estar, de dia para dia, a procurar novas medidas, feitos baratas tontas”, disse à Lusa Jaime Toga, da Direção da Organização Regional do Porto (DORP) do PCP.
O “aumento do número de infetados com Covid-19 é proporcional ao aumento de testes realizados”, alertou.
Para Jaime Toga, um eventual cerco sanitário ao Porto “causaria outro tipo de constrangimentos” e, “mais do que a resolução de um problema, seria outro problema”, até pelos efeitos que poderia causar nos dois hospitais centrais da cidade, onde estão internados vários infetados com o novo coronavírus.
Jaime Toga alerta que o aumento do número de infetados no Porto “não é razão” para uma medida como um cerco sanitário.
“Em Ovar [onde o Governo declarou, no dia 17, o estado de calamidade pública], as medidas eram fundamentadas numa realidade concreta de contágio que não está identificada nem no Porto nem em nenhum dos concelhos vizinhos”, vincou.
Para o responsável da DORP, “há um conjunto de medidas que têm sido implementadas no país e que têm tido correspondência na aceitação das pessoas e nos resultados [relativos ao número de infetados]”.
“É na aplicação destas medidas que as autoridades se devem concentrar, e não andar, de dia para dia, a procurar atirar soluções ou medidas sem qualquer sustentação do ponto de vista científico ou técnico”, notou.
PS: Contenção nas declarações públicas para evitar alarme social
Interrogado sobre esta polémica entre a câmara do Porto e a Direção Geral da Saúde, o secretário-geral adjunto do PS observou que os cidadãos "estão muito preocupados" com a atual situação no plano da saúde, razão pela qual "todas as palavras devem ser medidas".
"O espírito de diálogo e de boa cooperação entre todas as instituições - das autoridades nacionais ao Poder Local - é absolutamente indispensável, quer do ponto de vista vertical, quer do ponto de vista horizontal", frisou.
José Luís Carneiro deixou mesmo um apelo: "O diálogo, a concertação e a cooperação — aliás, como tem vindo a existir ao longo das últimas semanas - são essenciais para que todos sejamos capazes de vencer esta grave circunstância que estamos a passar".
Segundo o "número dois" da direção dos socialistas, no âmbito do diálogo existente, envolvendo o Presidente da República, o primeiro-ministro e os líderes partidários, "é importante ouvirmos aquilo que as autoridades de saúde têm para dizer sobre a evolução da pandemia, designadamente quando é expectável que o pico [de casos de infeção] possa ocorrer".
A partir daí, na perspetiva de José Luís Carneiro, serão avaliadas medidas "de maior rigor no controlo de movimentos das pessoas, ou, então, de maior flexibilização".
"Até lá, devemos evitar criar alarme social injustificado", acrescentou.
Rui Rio: Confinamento com mais rigor antes de as autoridades atuarem
Numa publicação no Twitter, Rui Rio afirma, sem dizer de quem, que tem recebido apelos para que as autoridades “imponham o confinamento com mais rigor em muitos municípios onde ele não se estar a cumprir com o devido sentido de responsabilidade.”
No texto, o líder social-democrata não se refere a ninguém em concreto, mas o apelo foi publicado no dia em que surgiu uma polémica entre a diretora-geral da Saúde e a câmara do Porto.
“Chegam-me apelos para que as autoridades imponham o confinamento com mais rigor em muitos municípios do País, onde ele não se está a cumprir com o devido sentido da responsabilidade. Apelo primeiro às pessoas para pensarem neles e nos outros. Depois, às autoridades para atuarem”, concluiu Rio no seu tweet.
Marcelo Rebelo de Sousa: Os políticos, incluindo os autarcas, devem corresponder à unidade demonstrada pelos portugueses
Em declarações no Palácio de Belém, em Lisboa, questionado se, face a esta tomada de posição, entende que continua a haver unidade nacional, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: "Eu já tive ocasião de dizer que o país tem mostrado uma unidade nacional. Começa nos portugueses, que estão unidos, que é o mais importante, porque se eles não estivessem unidos não estavam a fazer o sacrifício que estão a fazer".
"E continua nos políticos, que devem corresponder a esta unidade dos portugueses: o Presidente da República, presidente da Assembleia, o primeiro-ministro, os partidos, os parceiros económicos e sociais, e os autarcas - não se esqueçam do papel fundamental dos autarcas", acrescentou.
Em seguida, o chefe de Estado ressalvou, contudo, que "isto não quer dizer que não haja neste processo, que é um processo dinâmico e difícil, de repente, situações em que surge um reparo, uma chamada de atenção, uma preocupação de um autarca".
"Isso temos tido, sobre cercas sanitárias, sobre necessidade de médicos, sobre mais proteção, sobre testes, utilização de testes, prioridades na utilização de testes. Mas isso é inevitável num processo destes. Isto é um processo dinâmico, todos os dias surgem problemas diferentes dos problemas da véspera, inesperados - inesperados no sítio, inesperados na forma, inesperados na quantidade, inesperados na qualidade", prosseguiu.
"Portanto, isso leva a que haja autarcas que digam: nós entendemos que deve ser mais isto ou mais aquilo, e discordamos disto ou propomos aquilo. Faz parte do processo", concluiu, em tom de desdramatização.
No quadro hoje divulgado pela DGS a cidade do Porto aparece em primeiro com 941 casos, seguindo-se Lisboa com 633.
Entre os 10 primeiros concelhos com mais casos encontram-se mais cinco localizados no Grande Porto: Vila Nova de Gaia (344), Maia (313), Matosinhos (295), Gondomar (276) e Valongo (202).
Portugal regista hoje 140 mortes, mais 21 do que na véspera (+17,6%), e 6.408 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 446 em relação a domingo (+7,5%).
Dos infetados, 571 estão internados, 164 dos quais em unidades de cuidados intensivos, e há 43 doentes que já recuperaram.
Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados no dia 2 de março, encontra-se em estado de emergência desde as 00:00 de 19 de março e até às 23:59 de 2 de abril.
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