Numa tomada de posição aprovada por unanimidade, o executivo camarário expressou a sua solidariedade para com as duas freguesias sujeitas a “uma medida desproporcional de cerca sanitária” e reivindica “a tomada de medidas imediatas” de apoio ao “tecido económico local de Odemira”.
No documento, a autarquia defendeu que "existiam condições objetivas para um desconfinamento geral do concelho, face à descida acentuada do número de casos de infeção e ao incremento da taxa de vacinação nos últimos 14 dias”.
O executivo reivindicou ainda “a urgente vacinação de toda a população do concelho” e solicitou ao Governo “o ponto de situação urgente do cumprimento das medidas relativas ao alojamento de trabalhadores”, previsto numa resolução do Conselho de Ministros de 24 de outubro.
A autarquia decidiu ainda “reiterar à Assembleia da República e ao Governo, com caráter urgente, a produção de legislação que vise regular e estabelecer os limites de lotação por tipologia habitacional e um modelo de fiscalização e contraordenacional”.
Insistiu igualmente na “revisão da metodologia de cálculo dos indicadores de infeção que servem de base à decisão” do Governo.
Além desta tomada de posição inicial às medidas do Governo, a Câmara de Odemira, liderada pelo socialista José Alberto Guerreiro, convocou uma conferência de imprensa, para as 15:00 de hoje, no edifício dos Paços do Concelho, em Odemira.
O anúncio de que as freguesias de São Teotónio e de Longueira-Almograve ficariam em cerca sanitária a partir de hoje, devido à elevada incidência de casos de covid-19, sobretudo entre trabalhadores do setor agrícola, foi feito na quinta-feira pelo primeiro-ministro, António Costa.
De acordo com o despacho, com a fixação da cerca sanitária ficam interditadas as deslocações por via rodoviária de e para as duas freguesias, exceto as que ocorram entre ambas as freguesias e "de regresso ao local de residência habitual".
Podem também circular profissionais de saúde e de medicina veterinária, elementos das forças armadas e forças de segurança, serviços de socorro, assim como são permitidas as deslocações para "abastecimento do comércio e produção alimentar, farmacêutico, de combustíveis e de outros bens essenciais", e o transporte de mercadorias necessárias ao funcionamento das empresas em laboração.
São igualmente permitidas as deslocações para "abastecimento de terminais de caixa automático", reparação e manutenção de infraestruturas de comunicações, esgotos, águas, transporte de eletricidade e gás e "de outras cujas características e caráter urgente não possam ser adiadas", bem como deslocações "justificadas por razões de urgência, devidamente fundamentada, ou casos de força maior ou de saúde pública".
A circulação e permanência de pessoas na via pública está também proibida, "exceto para deslocações necessárias e urgentes", nomeadamente para venda e aquisição de bens alimentares, de higiene ou farmacêuticos e outros comercializados nos estabelecimentos que se encontrem em funcionamento nestas freguesias.
A circulação na via pública é igualmente permitida para "acesso a unidades de cuidados de saúde" e ao local de trabalho, situado nas freguesias, assistência e cuidado a idosos, menores, dependentes e pessoas especialmente vulneráveis.
Na exposição de motivos no despacho é salientado que o município de Odemira "apresenta uma situação de particular gravidade", registando na quarta-feira "uma incidência cumulativa a 14 dias superior a 560 casos por 100 mil habitantes".
"Além da população residente, o município é sazonalmente habitado por trabalhadores do setor agrícola, cujas condições de habitação dificultam a realização dos períodos de confinamento obrigatório e isolamento profilático determinados pelas autoridades de saúde, [pelo que se torna] necessário encontrar instalações adequadas para a realização de tais períodos", lê-se no diploma.
Desta forma, é acrescentado, e face a estes indicadores, "há a necessidade de adotar, com caráter temporário, medidas especiais para aquele município".
Oito concelhos dos 278 existentes em Portugal continental não avançam para a quarta e última fase do atual plano de desconfinamento, a partir de sábado, no âmbito da situação de calamidade devido à pandemia.
Trabalhadores com a cabeça "cheia" de dúvidas
A cerca sanitária em duas freguesias de Odemira, devido à covid-19, “encheu” de dúvidas quem trabalha na sede de concelho, mas reside ou passa diariamente nessas zonas, apesar de hoje terem realizado a viagem com sucesso.
“Hoje passei tranquilamente, não encontrei Guarda”, conta à agência Lusa Nélson Martins, funcionário da Câmara de Odemira (Beja), que mora em Odeceixe, no concelho de Aljezur (Faro), e que, para aceder ao local de trabalho, é obrigado a circular na freguesia de São Teotónio, uma das duas onde foi decretada uma cerca sanitária.
Só que o trabalhador, de 52 anos, cuja mulher é administrativa na Escola EB2,3 de São Teotónio, não sabe como é que vai ser a próxima semana. Já leu e releu o diploma do Governo sobre a cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve, em vigor desde esta manhã, mas sem conseguir dissipar dúvidas.
“Não sabemos como é que vamos fazer na segunda-feira para vir trabalhar. Na escola da minha esposa, 50% das pessoas da secretaria residem fora da freguesia, por isso, como é que vão proceder. A escola vai fechar? Não pode”, argumenta.
E, no seu caso, só pode chegar a Odemira através da Estrada Nacional 120, por São Teotónio. Ou então, ironiza, pelo ar: “Só de avião ou de helicóptero”.
“Grande parte das pessoas que trabalha aqui não reside propriamente na freguesia de Salvador [na vila]. Muitos residem na freguesia de Longueira-Almograve e na de São Teotónio”, ilustra, indicando que já pediu e vai aguardar por esclarecimentos por parte da câmara ou da GNR: “Mas todos estamos com dúvidas”.
A professora de Educação Física Teresa Fernandes, que leciona nas Atividades Extracurriculares nas escolas do 1.º ciclo de Longueira, onde mora, e de Odemira, conseguiu hoje para levar o filho à escola, na sede de concelho, apesar de “uma ação de sensibilização da GNR na estrada”.
“Agora, estou a fazer aqui uma gestão” sobre “como vou fazer as coisas, porque, como trabalhadora por conta própria, não vou estar uma série de dias sem ganhar”, diz à Lusa.
Por não perceber se, como professora, pode circular entre a freguesia e a sede de concelho, e também, para acautelar que o filho, aluno do 7.º ano, “não perde mais dias de aulas ou tem de ficar com aulas ‘online’”, Teresa, de 42 anos, já gizou um plano para a próxima semana.
“Esta tarde, tenho que ir dar uma aula à Longueira, mas vou mais cedo e aproveito para fazer a mala. Ao fim da tarde, digo que venho buscar os meus filhos e fico na casa da minha mãe, que mora em Odemira, durante a próxima semana”, conta, a propósito desta solução de recurso.
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