Na linha invisível que separa os concelhos do Porto e Matosinhos – basta mudar de passeio para “saltar” de concelho -, o movimento faz-se como se nada tivesse mudado. Ao final da manhã, e apesar da proibição de circular entre concelhos estar em vigor desde as 00:00, eram várias dezenas os que se arriscavam, a pé, a ir às compras ou ao pão no concelho vizinho. A maioria idosos, moradores no concelho do Porto, a quem a presença da polícia não pareceu intimidar, por desconhecimento ou por necessidade.
As novas restrições de circulação impostas com a renovação do Estado de Emergência estipulam que, entre as 00:00 de dia 09 e as 24:00 de dia 13 de abril, as deslocações não poderão fazer-se para fora do concelho de residência, salvo situações autorizadas, como ir trabalhar.
Maria Vieira foi uma das que violaram a lei. À Lusa confessou desconhecer que as regras de circulação tinham mudado, tendo sido surpreendida pela presença da polícia.
Enquanto falávamos, ligou ao patrão a pedir a declaração obrigatória para poder circular entre os dois concelhos. Maria tinha ido a casa, em Matosinhos, almoçar, mas ia voltar ao trabalho, que é apenas do outro lado da rua, mas no concelho do Porto.
O limite entre os dois concelhos é definido pela Estrada da Circunvalação que foi construída entre 1889 e 1896. Hoje naquela estrada, fronteira alfandegária em tempos régios, o controlo é feito, não pelos funcionários da Coroa instalados em 13 edifícios ao longo dos seus 17 quilómetros de cumprimento, mas pelas forças de segurança, cuja presença é visível em vários pontos estratégicos daquela via, como o Teatro da Vilarinha, a Rotunda AEP ou o cruzamento de Monte dos Burgos.
Alexandra Azevedo foi parada num desses postos. Seguia de Matosinhos para o Hospital da CUF no Porto e pôde seguir viagem por se dirigir a uma unidade de saúde.
À Lusa, Alexandra, que está contra o isolamento pelas consequências económicas que vai trazer, disse que a circulação pedonal entre concelhos continua a fazer-se como se não tivesse sido proibida.
No lado de Matosinhos, há mais comércio, o que leva as pessoas residentes no Porto a atravessar a estrada para fazer compras, referiu.
Junto ao cruzamento de Monte dos Burgos, num raio de cerca de 200 metros, há vários restaurantes, uma padaria, uma farmácia, uma mercearia e até uma bomba de gasolina.
Ana Fonseca é proprietária de uma loja de produtos vegetarianos e congelados. Disse que durante o dia de hoje recebeu vários telefonas de clientes, uns com medo em dirigir-se à loja por morarem no concelho vizinho, outros disponíveis para romper o cerco sanitário.
Na porta ao lado, na Padaria Cidade do Pão, José Santos está convencido de que a maioria está a cumprir com as restrições. Reconhece, contudo, que há sempre alguns que não cumprem, mas essa avaliação é difícil de fazer.
Na Churrasqueira Monte dos Burgos, o cenário é idêntico. Elisabete Silveira diz que ainda cedo para avaliar se o cerco aos concelhos está de facto a ser cumprido. À hora do almoço, o movimento era calmo, como nos dias anteriores, e àquela hora, começava a assentar-se a certeza de que os próximos dias serão ainda piores por conta das restrições à circulação.
No outro lado da Circunvalação, a realidade não é melhor. António Loureiro, proprietário de um restaurante com o mesmo nome, diz que o movimento está calmo. Ainda não consegue avaliar se piorou por conta da proibição de circular entre concelhos, mas teme que isso possa ter impacto nas vendas.
Já Valma Salvador garante que tem cumprido o que manda a lei. Vive do lado de Matosinhos, onde, salienta há transportes para poder ir trabalhar, supermercados e restaurantes onde ir buscar as refeições que leva para mais um turno no lar onde trabalha.
À Lusa, disse, contudo, estar preocupada. Tem de pagar renda da casa onde habita, mas para isso tem de se deslocar ao balcão de um banco na zona do Carvalhido, no Porto.
"Não sei como vou fazer. Vou tentar ligar para o banco e pedir indicações de como proceder", referiu.
Reza a história que o concelho do Porto está cercado, exceto na parte oriental, por esta estrada dupla, a Estrada da Circunvalação ou N12. No século XIX, originalmente esta linha de fronteira era um fosso com dois a três metros de profundidade, com postos de sentinela a cada 150 metros.
Ela atravessa ainda hoje os concelhos do Porto, Matosinhos, Maia e Gondomar. São 17 quilómetros de ligação umbilical, agora suspensa até 13 de abril.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 1,5 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais morreram quase 89 mil.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 409 mortes e 13.956 casos de infeções confirmados. A situação é mais preocupante a Norte, com nove concelhos, entre os dez com maior número de casos confirmados.
*Por Vânia Moura, da agência Lusa
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