Numa intervenção nas Jornadas de Atualização em Doenças Infecciosas do Hospital Curry Cabral, que decorrem hoje e sexta-feira, em Lisboa, o investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) explicou que a sua opinião está alinhada com a da comunidade científica em geral.
Em declarações aos jornalistas, o microbiologista explicou que, desde o início se percebeu, olhando para o ‘cocktail’ de mutações, que “é difícil perceber como se pode considerar a BA.2 como uma irmã da BA.1, porque têm muitas diferenças”.
“Eu diria que a única grande semelhança que tem é um elevadíssimo número de mutações quando comparadas com todas as outras variantes”, disse o coordenador do estudo sobre a diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal.
"Na proteína Spike, as duas linhagens têm uma dezena de mutações que são partilhadas, razão que terá levado a OMS a dizer que é tudo Ómicron, definindo várias linhagens (BA.1, BA.2 e BA3), mas uma análise mais minuciosa mostra que têm muitas mutações que não são partilhadas. A BA.1 tem 11 mutações que não são partilhadas com a BA.2 e a BA.2 tem sete ou oito que não são partilhadas com a BA.1. Tudo somado, elas têm mais diferenças do que semelhanças e foi isto que motivou a comunidade científica a torcer o nariz a esta classificação da BA.2 como Ómicron”, adiantou João Paulo Gomes.
Na terça-feira, a OMS considerou que, com base nos dados disponíveis de transmissão, gravidade, reinfecção, diagnóstico, terapêutica e impacto nas vacinas, a BA.2 deve continuar a ser considerada uma variante de preocupação e deve permanecer classificada como Ómicron.
O investigador do INSA disse ainda que os dados epidemiológicos mostram inequivocamente que a linhagem BA.2 está a substituir a BA.1 porque é mais transmissível, estimando-se que dentro de duas semanas passe “a dominar completamente”.
Em Portugal, disse João Paulo Gomes, "a BA.2 já terá ultrapassado os 50% dos casos esta semana e se a taxa de crescimento se mantiver nos 3%, 4% por dia será uma questão de semanas até atingir os 80, 90%".
“Estamos a seguir o caminho que outros países seguiram”, disse, realçando que a África do Sul e a Dinamarca atingiram quase 100% em algumas semanas”.
“Portugal, Reino Unido, Noruega, Suécia, Suíça e Alemanha estão a seguir o mesmo caminho e estamos todos com prevalências da BA.2 entre os 30% e os 50%”, sendo “pouco expectável” que alguns destes países sigam um caminho diferente.
“Todos estamos a desconfinar, todos estamos a ser invadidos pela nova linhagem que é mais transmissível e nessa perspetiva os números, os gráficos vão ser sobrepostos”, sublinhou.
João Paulo Gomes destacou ainda dados de um estudo “muito robusto” realizado por investigadores japoneses, cujos dados ainda estão em revisão por pares, em ratinhos e modelos celulares que foram utilizados para caracterizar a Delta e a BA.1.
“Os resultados obtidos tiveram reflexo na realidade humana, ou seja, verificou-se que podiam ser traduzidos na infeção clínica no ser humano”, explicou, adiantando que esses resultados “não são muito animadores porque mostram que além de a BA.2 ser mais transmissível, mostrou uma maior patologia nos ratinhos infetados e que os anticorpos gerados pela infeção com a BA.1 não eram eficazes para evitar a infeção com a BA.2".
Esta situação, segundo o investigador, levanta uma questão em relação à vacina monovalente que está a ser desenvolvida por algumas farmacêuticas contra a BA.1 no sentido de perceber até que ponto pode ser eficaz, tendo em conta que estes estudos apontam que não o será.
Nessa perspetiva, a comunidade científica considera que seria prudente considerar a BA.2 não como uma linhagem da Ómicron, mas como uma variante de preocupação eventualmente com uma letra grega associada à mesma, concluiu.
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