"Foi com grande tristeza que soubemos da morte de Artur do Cruzeiro Seixas", ocorrida no domingo, em Lisboa, "a pouco menos de um mês de completar 100 anos", escreve a Galeria São Mamede, na sua página oficial no Facebook.
Cruzeiro Seixas foi diretor artístico da galeria, entre 1969 e 1974, colocando-a, na altura, entre as principais salas do país. "Foi pela sua mão que aqui expuseram alguns dos nomes mais importantes da pintura portuguesa como Paula Rego, Cesariny, Jorge Vieira, Júlio, António Areal, Carlos Calvet, Mário Botas, Raúl Perez e tantos outros", recordou hoje a galeria.
Aqui realizou também "algumas das suas melhores exposições individuais ao longo de várias décadas", recordou a S. Mamede sobre o artista.
"Nos Labirintos que Inventei" foi uma das derradeiras exposições de Cruzeiro Seixas. Esteve patente no Museu do Côa, na primavera de 2019, e a sua inauguração, em março do ano passado, contou com o artista, que na altura recordou a sua infância e o seu percurso na arte, em entrevista à agência Lusa.
"Os meus pais não tinham dinheiro para me comprar brinquedos. De maneira que, quando comecei a querer ter brinquedos, a minha mãe deu-me um papel e um lápis e disse-me para eu fazer os meus próprios brinquedos. Então, comecei a fazer uns rabiscos em papel, até chegar aos retratos de família", contou o mestre do Surrealismo, nascido na Amadora, em 03 de dezembro de 1920.
"A arte é uma palavra que me calha, realmente, muito mal", disse ainda. "Não tenho nada a ver com arte, nem com artistas. Eu fui um 'tipo' que estive sempre empregado toda vida e nunca tive ateliê. O meu trabalho foi sempre feito em momento vagos", explicou então, afirmando que a maioria das suas peças "foi feita dentro da gaveta" dos seus empregos, "que nada tinham a ver com aquilo a que se chama arte".
O historiador Bruno Navarro, presidente da Fundação Côa Parque, que acolheu a exposição, recordou hoje Cruzeiro Seixas como "um artista fundamental do Surrealismo português", contendo em si, e na sua arte, "a riqueza e o caráter 'único' deste movimento artístico e cultural do século XX".
O curador da Colecção de Arte do Estado, David Santos, antigo diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea e ex-subdiretor-geral do Património Cultural, escreveu na sua página: "Cruzeiro Seixas deixou-nos este Domingo, mas a aventura surrealista continua através dos seus desenhos, pinturas, poemas e objetos. Neles podemos apreciar a sua criatividade livre, a sua coragem imaginativa. Até sempre, Artur do Cruzeiro Seixas".
O fotógrafo Alfredo Cunha reproduz uma imagem da sua autoria, de Cruzeiro Seixas, datada de 2014, na Póvoa de Varzim. "Um dos nomes fundamentais do Surrealismo em Portugal", escreveu o fotógrafo no Facebook.
O presidente do Centro Cultural de Belém, Elísio Summavielle, por seu lado, recordou "'um homem que pinta', como ele gostava de se definir", e a sua passagem pelo ciclo "Toda Uma Vida", há dois anos, na instituição. "Amigo de uma imensa generosidade e com um percurso de vida fascinante, era incapaz de dizer não quando era solicitado. (...) Gratidão."
A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), por seu lado, manifestou o seu pesar pela morte do artista plástico, que era seu associado desde julho de 1990. A SPA distinguiu-o com a medalha de honra da cooperativa, em setembro de 2012.
No percurso de Cruzeiro Seixas, recorda a SPA, “o mais importante foi sempre ‘o desejo de liberdade’".
Na apresentação do primeiro volume da “Obra Poética” do artista, que começou a ser publicada este ano, em junho, pela Porto Editora, escreveu Valter Hugo Mãe: "Cruzeiro Seixas é agora um homem com o tamanho de cem anos. Cada um dos seus gestos é um século em movimento. Penso nisso em todos os encontros, penso em como os génios sempre independem do tempo e se definem pelo incrível".
A obra poética de Cruzeiro Seixas está a ser publicada na coleção "Elogio da Sombra", coordenada por Valter Hugo Mãe. O primeiro volume foi publicado em junho, o segundo deve chegar às livrarias no final do ano e, o terceiro, em 2021. Um quarto volume, que encerrará o projeto, vai coligir inéditos e dispersos do autor.
"Para o grande e genial mestre, a vida é uma gula que se revela em todas as formas de maravilha, a partir do fascínio ou do susto, a partir do belo e do que se torna belo em seu genuíno ‘tremendismo’", prosseguia Hugo Mãe na apresentação da obra.
E concluía: "Nesta vasta obra se encontra um surrealismo pleno, a relação mais indomável que ao espírito humano revela sobretudo o que tem de inexplicável e, ainda assim, profundamente necessário. Uma das figuras maiores do surrealismo do mundo, Artur do Cruzeiro Seixas ergue a poesia como 'a boca que olha'. Tão feita do improvável quanto de presciência. Graça alquímica. A transcendência dos que foram eleitos para ver".
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