À saída do tribunal, no Campus de Justiça, em Lisboa, Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, disse que a decisão que validou na íntegra os 65 crimes imputados ao seu cliente “era expectável”.
O advogado defendeu que a substituição do juiz de instrução a meio do processo transformou a instrução num “mero cumprimento de calendário”, com o qual apenas se pretendia “tirar uma fotografia e fingir que está tudo bem com a Justiça”, o que tornou previsível a decisão.
“Devo confessar: quando para um advogado passa a ser tão previsível a decisão que se vai tomar, algo está muito mal na Justiça. Uma Justiça de sentido único é uma Justiça que não serve a ninguém porque se percebe que não está a fazer o seu papel de árbitro, de distanciamento e de capacidade de ter coragem para precisamente enfrentar, enfim, as ondas de opinião pública, de alguma que é natural que se sinta enfim perturbada com determinado tipo de casos, mas a Justiça e a democracia serve para isso”, disse.
Para Proença de Carvalho, a própria leitura da decisão, rápida e concisa e sem considerações ou argumentação do juiz, confirmou a ideia de cumprimento de calendário: “Aquilo que se leu aqui confirma a ideia que eu tenho de que se cumpriu um calendário para mostrar que a Justiça é fantástica, funciona tudo muito bem. Não nos iludamos”.
O advogado considerou ainda que “os termos da lei” neste processo não têm sido cumpridos, pondo em causa a “justiça democrática”, que em seu entender “não está a preservar-se e dificilmente poderá valer para todos”.
“É um problema de segurança para todos nós que a Justiça não saiba ter essa calma, essa tranquilidade, essa objetividade para lidar com determinado tipo de processos, não é só este obviamente”, acrescentou.
O advogado de Salgado, que hoje foi confrontado à entrada do tribunal por uma concentração de dezenas de lesados do BES, alguns dos quais assistiram à sessão, alegou que a defesa do ex-banqueiro “nunca se fez contra os lesados do BES”.
“Para nós, os lesados do BES são lesados do Estado Português, o doutor Ricardo Salgado e esta defesa, sempre tentámos, com uma cronologia de factos, demonstrar que [o colapso] do BES podia ter sido evitado. Foi o que fizemos, nunca contra nenhum lesado e nunca sentimos sequer os lesados contra nós. É uma luta contra o Estado, é uma luta muito desigual, mas temos de a fazer”, disse.
Proença de Carvalho sublinhou que, enquanto Ricardo Salgado esteve à frente do BES, não houve lesados e havia um processo em curso que reembolsou os clientes do papel comercial.
“Ricardo Salgado obviamente nunca disse - nós nunca dissemos - que nunca foram cometidos erros, erros de gestão, erros de julgamento de decisões que se tomam. Coisa diferente é serem cometidos crimes. Nós o que estamos a tentar demonstrar é que não foram cometidos crimes, todos os atos que foram feitos foram de boa-fé”, defendeu.
Quanto ao diagnóstico de Alzheimer de Ricardo Salgado, a defesa insiste na realização de uma perícia médica independente, que espera que venha a acontecer no decurso do julgamento, acrescentando que Ricardo Salgado “não tem capacidade para compreender esta decisão e se defender dela”.
Em declarações à Lusa, Manuel Nobre Correia, advogado da assistente no processo Petróleos da Venezuela, mostrou-se satisfeito com a ida a julgamento de todos os principais arguidos, acrescentando que a sua convicção foi sempre a de que “não havia fundamento ou mérito nos argumentos invocados pelas defesas para não levar os arguidos a julgamento”.
Realçou ainda que todas as nulidades invocadas pelos arguidos foram rejeitadas pelo juiz Pedro Santos Correia, sublinhando que ao validar a acusação praticamente na íntegra a acusação do Ministério Público impede que os arguidos possam recorrer da decisão e protelar o processo.
O ex-presidente do BES Ricardo Salgado vai ser julgado pelos 65 crimes de que estava acusado, de acordo com a decisão instrutória lida esta tarde no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa.
No dia 14 de julho de 2020, a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) traduziu-se na acusação a 25 arguidos (18 pessoas e sete empresas), entre os quais o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES), Ricardo Salgado. Foram imputados 65 crimes ao ex-banqueiro, nomeadamente associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada, branqueamento, infidelidade e manipulação de mercado.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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