O projeto-piloto da Câmara Municipal de Lisboa prevê a criação de três espaços - localizados na Alta de Lisboa, Casal Ventoso e zona oriental da capital - onde toxicodependentes poderão consumir com condições de segurança e higiene.
A abertura das salas de consumo assistido resulta de um acordo entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista (“Bases para convergência na Câmara Municipal de Lisboa entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda”), que garantiu a maioria do PS na Câmara. No ponto consagrado aos Direitos Sociais, os dois partidos comprometem-se com a “abertura de salas de consumo assistido e criação de equipas móveis em articulação com as organizações intervenientes nesta área e com o Serviço Nacional de Saúde, para reduzir os riscos associados à toxicodependência”.
O vereador - eleito pelo Bloco de Esquerda - com o pelouro dos direitos sociais, saúde e educação, Ricardo Robles diz, ao SAPO24, que estas salas vão funcionar “como uma interface que permite o contacto dos consumidores com a rede de saúde. As salas de consumo assistido não permitem compra e venda de droga, permitem sim o consumo. Além disso, são um espaço que oferece cuidados de saúde”. Já em 2016, Ricardo Robles, na qualidade de deputado municipal, tinha apresentado uma recomendação, aprovada na Assembleia Municipal, que propunha a abertura destes equipamentos.
Esta proposta aponta para que exista, na zona oriental da cidade de Lisboa, um espaço móvel a funcionar numa carrinha que irá percorrer as freguesias de Marvila, Beato, Olivais e Penha de França. No caso da Alta de Lisboa (freguesia do Lumiar) e do Casal Ventoso, a intenção é abrir duas salas fixas de consumo assistido.
Américo Neves, diretor da Associação Crescer - associação que deverá ficar a gerir as salas da Alta Lisboa - refere em declarações ao SAPO24, que estas salas são “muito importantes não só para as pessoas que consomem substâncias psicoativas, que poderão consumir num lugar seguro e com higiene, mas também para a própria comunidade, que quer deixar de ver pessoas a consumir em céu aberto, principalmente à porta dos seus prédios, das escolas, de infantários”.
O diretor da Associação Crescer conta ainda que os consumos, na cidade de Lisboa, são “cíclicos”: “O que acontece em Lisboa é que se houver uma intervenção policial num bairro, o consumo desce nesse bairro mas aumenta num bairro próximo. As pessoas dirigem-se consoante essas intervenções. Há uma política de pressionar - por parte da polícia ou até dos moradores - as pessoas para não consumir ali - mas "ali" é em toda a cidade. Discute-se muito os locais onde não se pode consumir, mas não os locais onde se pode consumir”. Daí a importância de haver um espaço fechado onde se possa consumir de forma segura e limpa, sublinha.
Desde Janeiro de 2002 que esta associação de intervenção comunitária em Lisboa tem equipas de rua para auxiliar toxicodependentes. Porém, segundo Américo Neves, “estas funcionam de forma muito diferente das salas de consumo assistido”. “Na rua, nós trabalhamos num contexto pouco propício a uma conversa acolhedora, muitas destas conversas acontecem à frente de quem passa. As equipas de rua devem funcionar como primeiro contacto com a comunidade e como força encaminhadora para as salas fixas, onde os consumidores têm acesso a cuidados de higiene - onde podem tomar banho, trocar de roupa, ter direito a cuidados de saúde. No fundo, é fazer com que estas salas funcionem como um espaço social”.
Segundo os dados da DICAD - Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências -, existem cerca de 1700 consumidores de heroína em Lisboa. Segundo o Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral da Universidade Nova de Lisboa, a proporção de indivíduos que consomem uma dada substância ao longo da vida em 2016/2017 é de 11,6 % - um aumento face a 2012 (9,6%). Subiu assim a taxa de continuidade de consumo de heroína, medicamentos e novas substâncias psicoativas.
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