Na campanha em 2020 para o referendo que tornou Oregon no primeiro Estado dos Estados Unidos da América (EUA) a despenalizar a posse de heroína e outras drogas sintéticas para consumo, os proponentes da Medida apontaram frequentemente para o sucesso do modelo português como prova de que a despenalização é um caminho mais certeiro que a guerra às drogas seguida pelos Estados Unidos, com resultados universalmente considerados desastrosos.
Mas a aprovação da Medida 110 aconteceu ao mesmo tempo que o mercado negro foi inundado de fentanil, a droga sintética que é 50 vezes mais potente que a heroína e, menos de três anos depois, vários artigos na comunicação social não só caracterizam a experiência no Oregon como um falhanço até agora, mas apontam também para a necessidade de mudanças ao modelo português.
Foi o caso de uma peça no Washington Post que examinou o consumo de drogas nas ruas do Porto e traçou comparações com o que se está a ver em Portland, onde as overdoses subiram 46% este ano. Um artigo de opinião no New York Times fez a mesma ligação, sob o título “O desastre da despenalização das drogas pesadas”.
Na Esquire, uma análise enquadrou a situação como sendo “tanto de caos como esperança”. Na The Atlantic, um artigo defendeu que o “ousado esforço de reforma” da abordagem às drogas no Oregon “não correu como esperado”.
Em junho, o conselho da cidade de Portland, a mais populosa do Estado, recebeu uma proposta do presidente do município, Ted Wheeler, para proibir o consumo de substâncias controladas em público, tal como acontece com o consumo de álcool. As penas consideradas iriam da multa de 500 dólares a seis meses de prisão.
A intenção era responder à subida exponencial de consumo de drogas pesadas na rua em plena luz do dia, algo que tem causado problemas em Portland e críticas dos residentes.
Segundo o Mayor Ted Wheeler, esta adenda permitiria contornar uma “brecha” na legislação, que permite o consumo em público e o cancelamento da coima de 100 dólares se o utilizador ligar para uma linha telefónica que dá informação sobre tratamentos.
Só que isto não tem tido efeito dissuasor e os recursos previstos na lei para expandir os centros de tratamento de vícios no Estado têm sido implementados com lentidão, enquanto o consumo de droga e as overdoses disparam.
Aprovada pelos eleitores em novembro de 2020, a Medida 110 passou com 58% dos votos e tornou Oregon no primeiro Estado dos EUA a despenalizar a posse de menos de 1 grama de heroína e MDMA, menos de 2 gramas de metanfetaminas e cocaína, e menos de 40 unidades de LSD, metadona e oxicodona.
Possuir estas quantidades passou a ser enquadrado como uma infração não criminal, à semelhança de uma sanção no trânsito, com uma coima de 100 dólares. Deter até 3 gramas de heroína, 4 gramas de MDMA e até 8 gramas de metanfetaminas e cocaína passou de crime a contravenção simples.
Desde o início do ano já foram registadas mais de 100 mortes por overdose, informou o Mayor , sendo que em 2022 o total foi de 158. O apoio popular à Medida caiu de forma vertiginosa: segundo uma sondagem da DHM Research, 63% dos eleitores querem reverter para a penalização e 65% dizem que a lei piorou o abuso de drogas, a crise dos sem-abrigo e a taxa de crime.
“Claramente isto não está a funcionar como se pretendia”, disse o mayor Wheeler, quando apresentou a proposta. “À medida que navegamos estas águas desconhecidas, somos forçados a esperar por melhores recursos para a recuperação do abuso de substâncias”, continuou.
A proposta do ‘mayor’ acabou por ser retirada porque a legislatura estadual aprovou a adição de fentanil à lista de substâncias, algo que Wheeler considerou que responde às suas “principais preocupações sobre a crise de saúde pública que está à vista nas ruas” da cidade.
O professor de criminologia Christopher Campbell, um dos investigadores que está a trabalhar num estudo a três anos sobre o impacto da despenalização, disse à Lusa que o uso de drogas em público “está definitivamente a aumentar” mas lembrou que esse uso e as overdoses já estavam a acontecer antes, quer fossem visíveis ou não.
“Só porque agora vemos o abuso de substâncias, isso não torna o problema nem mais nem menos severo. Deixar de o ver não elimina o problema”, sublinhou o especialista. ”Quando se criminaliza, empurra-se o problema para o mercado clandestino e não se está a fazer nada para responder às causas do abuso”.
“Quem está frustrado com isto deve questionar quais são os sistemas que podem ajudar a prevenir o abuso de drogas e responder a problemas como traumas, pobreza, abandono escolar, todas estas coisas que sabemos que têm correlação com o uso de drogas”, afirmou Campbell à Lusa.
“Perguntar o que podemos fazer como sociedade para responder a isto, em vez de questionar o que fazer sobre esta lei que tornou o problema mais visível”, recomendou.
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