O nome de Diniz Borges constava de uma lista de lusodescendentes que, a 30 e 31 de maio. participaram em Lisboa num encontro promovido pela Fundação Luso-Americana (FLAD) e que contou, entre outras personalidades, com a presença de Leonor Beleza, Rui Rio, Paulo Portas, Francisco Seixas da Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. O encontro, designado como Luso-American Legislators’ Dialogue, visa promover a proximidade e a criação de uma rede de políticos luso-descendentes que intervêm ativamente na política norte-americana e nas comunidades luso-americanas. "Intervir ativamente" é um termo que assenta que nem uma luva a Diniz Borges, que desde os 17 anos participa numa série de fóruns na Califórnia, terra para onde emigrou com a família aos 10 anos, oriundo dos Açores, onde fundou a Rádio Clube Comunidade, a primeira a emitir 24 horas em língua portuguesa, e onde hoje produz um programa em português exibido semanalmente na KNXT, em Fresno.
Pode a língua ser o elo mais forte de uma criança ao seu país de origem? Para Diniz, a resposta é inequivocamente 'sim'.
Saiu dos Açores para a América com 10 anos. O que mudou mais de então para cá, os Açores ou a América?
Diria que ambos mudaram. Os Açores no sentido de que há 50 anos, quando emigrei com 10 anos, estávamos em ditadura, com um governo centralista, e os Açores eram um lugar de pobres e de onde as pessoas queriam sair. Hoje, claro que ainda há pobres, mas melhorou significativamente. A qualidade de vida nos Açores é muito diferente do que era há 50 anos. A América, porque como país paradoxal que é, onde se tem conquistado muitas liberdades e avanços, ainda se vivem alguns tabus americanos e os Estados Unidos ainda não compreendem muito bem o resto do mundo.
A que se deve a sua ligação aos media? Como se interessou e porquê?
Cedo me interessei pela continuidade da língua portuguesa que havia trazido dos Açores. A rádio, a preparação que tinha que fazer para um programa de rádio em português que comecei com apenas 18 anos de idade, devolveu-me o gosto pela língua portuguesa e por continuar a aprendê-la. Sempre me fascinou a rádio e a comunicação com as pessoas. A rádio foi a minha constante ligação a Portugal.
Qual é a história da Rádio Clube Comunidade, a primeira rádio emitida 24 horas em língua portuguesa e que fundou?
Havíamos vivido o abalo sísmico nos Açores no ano de 1980. Essa tragédia colocou-me perante a realidade de aqui no centro do estado da Califórnia estarmos muito aquém das necessidades da comunidade de então. Comecei com outros dois colegas um programa numa estação americana de duas horas de segunda à sexta. A comunidade tinha programação aos fins de semana, mas nada diário. Em 1982 comecei, com outro colega, uma estação de rádio em circuito fechado, 24 horas por dia. Havia uma comunidade recém-chegada, particularmente entre 1965 e 1977, e daí que existisse a necessidade de uma rádio que lhes trouxesse o que se passava em Portugal e o quotidiano do mundo americano na língua portuguesa.
O que significa falar e ouvir português para alguém que saiu do país aos 10 anos, a acabar o ensino primário?
Para mim a língua portuguesa é a língua da minha vida. Sempre a utilizei em casa todos os dias, estudei-a em alguns cursos universitários, leio constantemente em português, foi a língua que ensinei aos meus filhos, nascidos na América, mas cuja primeira língua foi a língua portuguesa. Foi a língua a que me dediquei nos anos que estive na rádio e foi a língua que ensinei durante os 22 anos que estive no ensino secundário e a que ensino, neste momento, no ensino superior americano. Foi a língua que utilizámos para, em terras americanas, enterrar o meu pai. Não me imagino sem a língua portuguesa. É parte da minha vida. É essencialmente quem sou. A maior parte dos livros que leio são em português.
Leio na sua biografia que foi ativista na Califórnia desde os 17 anos. Ativista de quê e porquê?
Ativista das causas portuguesas. Desde essa idade que tenho tentado lutar pela preservação e disseminação da língua e cultura portuguesas em terras californianas. O meu ativismo, ou melhor as formas de o fazer têm mudado, ora na comunicação social, ora no mundo académico, mas continuo, trabalhando pelas causas portuguesas em terras da Califórnia.
Ser jornalista nos EUA hoje é ser de alguma forma ativista?
Acho que sim. Particularmente quando se trabalha com as comunidades de origem portuguesa. Há que se fazer pedagogia. Há que se lutar pela língua e a cultura. Mas acho que outros jornalistas que trabalham no mundo americano utilizam a sua presença no jornalismo como forma de colocar perante os cidadãos as verdades que os poderes, todos eles, desde o político ao económico, querem ocultar. Ativismo pela objetividade, pela liberdade da imprensa, particularmente quando neste momento é assaltada diariamente pelo próprio presidente americano.
Como é visto hoje Portugal na América, ou na "sua" América? Há estereótipos? Se sim quais?
Portugal é visto muito mais positivamente do que era há 20 ou 30 anos. Mas há ainda um trabalho a fazer. A sociedade americana, apesar de todos os avanços, ainda continua com os seus estereótipos, mas muito mudou em relação aos portugueses. Hoje já não há o estereótipo que vivi nos meus primeiros anos de escola no mundo americano. A comunidade da Califórnia está perfeitamente integrada. Nos últimos anos, com o melhoramento nos transportes entre os EUA e Portugal, com a ida de mais americanos a Portugal, aboliram-se alguns estereótipos, mas os americanos ainda continuam a ser um povo que pouco viaja além do seu território e daí que sejam desconhecedores das realidades europeias.
De que forma as novas gerações de empresários, nomeadamente nas áreas do digital (vários com escritórios em São Francisco) estão ou podem vir a mudar a imagem de Portugal?
Mesmo os descendentes dos emigrantes das décadas de 1960 e 1970, com a sua ingressão nas universidades e obtendo cursos superiores ajudaram a mudar a imagem de Portugal. Acredito que os que hoje emigram para o mundo tecnológico, ou vêm fazer cursos aos EUA contribuem positivamente para mudar a imagem que outrora se tinha dos emigrantes portugueses para a Califórnia, quase todos dos Açores.
Como vê este Portugal que hoje é destino de turismo preferido?
Portugal está na moda! É o que se ouve em vários segmentos e ainda bem. Claro que o melhoramento nos transportes entre os EUA e Portugal, assim como as várias páginas de jornais e revistas enaltecendo o destino Portugal contribuiu imenso para dar uma nova imagem do país. Acho que a aposta no turismo é importante para a economia portuguesa e para a imagem que é importante transmitir-se ao mundo. Penso que para além do turismo, Portugal e o trabalho que se tem feito no ensino, no mundo académico, é muito importante para o futuro da sociedade portuguesa. Espero que se saiba investir em setores primordiais para que com o turismo possamos melhorar significativamente a vida de todos os portugueses.
De que forma a discussão sobre imigração nos Estados Unidos afeta a comunidade de emigrantes portugueses?
Afeta diretamente, quando se assalta um grupo étnico, está-se, mesmo que, indiretamente, a afetar todos os grupos étnicos. Há um desrespeito pelo espírito inovador e o trabalho árduo dos emigrantes, independentemente de onde vieram. Apesar de na comunidade de emigrantes portugueses se pensar que estamos imunes ao atual debate, na realidade é que não estamos, e na presente conjuntura acabamos por viver um mundo tão frágil como os outros grupos étnicos. A vilificação de um grupo facilmente se pode transformar num assalto à própria comunidade de origem portuguesa. Por exemplo, a denominada "chain migration" é referência constante do Presidente Donald Trump para com a lei da reunificação familiar, lei responsável pela vinda de mais de 90% dos emigrantes portuguesas para os EUA. O debate, ou melhor as frases ditas nas esferas mais elevadas da política americana criam divisões entre emigrantes e luso-descendentes.
O que lê de meios e livros portugueses?
Leio os jornais portugueses online, praticamente todos os dias. Leio os escritores açorianos e portugueses, assim como traduções do castelhano para português. Leio sobretudo ficção e História.
Tem um programa de televisão também: pode dizer-nos do que vai falar esta semana?
O meu programa de televisão trata, todas as semanas, de assuntos relacionados com as comunidade da Califórnia. Esta semana conversamos com diretores de uma das nossas associações portuguesas que neste ano de 2019 celebra o seu centenário.
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