"Nós sabemos que há uma necessidade enorme de revermos os conteúdos, e que a escola tem de saltar para fora dos muros", conta ao SAPO24 Alcira Silveira, vereadora da Câmara Municipal do Fundão, para quem é óbvio que a diversidade de espaços de aprendizagem que existem, desde a sala de aula às tecnologias, torna imperativo as escolas saírem fora da caixa e fomentarem novos contextos educativos.
"Um dos nossos objetivos é que todas as crianças aprendam a fazer queijo, aprendam a tecer, aprendam a tocar bombo, aprendam a moldar o barro. E nessa vertente de moldar o barro, eles aprendem a moldar o barro como se fazia de uma forma tradicional. Mas também temos impressores 3D que lhes permitem ver como é que as impressões 3D vão produzir uma peça”, começa por explicar.
O nome do projeto educativo local, "Raízes e Asas", representa precisamente essa "simbiose entre tradição e inovação". Por um lado, procura "ligar as crianças e os jovens às suas raízes, ao seu território e à sua identidade", apostando numa "forte ligação à comunidade local". Por outro lado, quer prepará-los para o mundo moderno, ensinando, por exemplo, todas as crianças a programar.
"Podem fazer programação através de jogos, através das ciências, da matemática, da língua portuguesa. É um programa que em si se articula com várias áreas curriculares", explica a vereadora, que só vê pontos positivos no investimento que foi feito. Por um lado, "o período da pandemia foi facilitado porque já tinham equipamentos nas escolas". Por outro lado, é um programa que "interliga a promoção do sucesso escolar com uma aposta muito grande ao nível dos conteúdos lecionados".
A vereadora admite que inserir a programação nas escolas, projeto que já tem 8 anos, foi complicado ao início. Para resolver a falta de motivação que existia entre os professores, colocaram técnicos da autarquia nas escolas a trabalhar diretamente com eles. "No final do primeiro ano, todos os encarregados de educação, professores, alunos, sentiram um entusiasmo enorme", explica com orgulho.
"E até diminui a indisciplina na escola. Sentem uma vontade de praticar exercícios que os façam pensar. A questão do desenvolvimento do raciocínio lógico, e a aprendizagem de outras áreas disciplinares, são os grandes objetivos do projeto. O sucesso deve-se a isso", conta a vereadora, notando que os resultados também melhoraram, nomeadamente na matemática.
Mas não se deixam ficar pela programação, que dá "asas" aos alunos. Contam ainda com uma rede de "Casas e Lugares do Sentir" - a casa do barro, do bombo, das tecedeiras, pastorícia, do queijo e do mel - que estão "muito ligadas ao saber fazer", à tradição, e que funcionam como "laboratórios de aprendizagem". É um grande objetivo "fomentar nas crianças e passar às novas gerações" esta relação com a identidade, com as "raízes".
"O nosso bombo já é património nacional, já está registado. Isso permitiu-nos fomentar a aprendizagem de aprender a tocar o bombo, e criámos a escola do bombo. Temos técnicos da autarquia a ir a algumas escolas onde aprendem a tocar bombo", explica. Já à casa de António Guterres, "vão alunos de várias idades fazer programas ligados a temáticas de cidadania e direitos humanos".
Segundo Alcira Silveira, muitas são as visitas semanais a esta rede de casas. Fazem-se roteiros, que passam da casa do sapateiro, para a das antigas profissões ou a do ferreiro, e o interesse é tanto que já há escolas de outras partes do país a querer visitar estes "laboratórios de aprendizagem".
Também o projeto educativo de Gaia, que surge através da parceria entre a Agência Nacional Ciência Viva e a Câmara Municipal de Gaia, a funcionar no Parque Biológico de Gaia, pretende acabar com essa "ideia da escola muito fechada", explicou Francisco Saraiva, responsável pelo projeto, ao SAPO24.
O objetivo do Ciência Viva Gaia é, precisamente, "quebrar esse espírito" fechado. Uma das iniciativas funciona todo o ano letivo, recebendo semanalmente duas turmas de escolas públicas do 1º ciclo do ensino básico de Vila Nova de Gaia. O autocarro vai buscar as crianças que, durante uma semana inteira, contactam com laboratórios, com a programação e com a natureza.
Também aqui o feedback é muito positivo. A professora Rita Peixoto contou ao SAPO24 que no final de cada atividade as crianças avaliam as atividades, e que por aí já percebem o quão "enriquecedoras" elas são. "Normalmente deixam-nos uma mensagem", diz a professora, acrescentando que são "mensagens amorosas e muito satisfatórias".
Num projeto que já vai com quatro anos, embora com altos e baixos por conta da pandemia, que obrigou a várias adaptações, todos os anos as atividades mudam, sempre com o objetivo de "consolidar conteúdos mais abstratos, nomeadamente associados à natureza, seres vivos, espécies exóticas", de forma mais interessante para as crianças.
"As crianças são esponjas. Somos nós que temos de entregar esse sumo todo para elas sugarem. É isso que tentamos fazer aqui", diz Rita Peixoto. Elas perguntam-se constantemente "Porquê que temos de aprender isto? O que é que isto nos vai trazer?" e, como explica a professora, o projeto tenta dar resposta a isso: fá-las aplicar os conceitos que aprendem na sala de aula no mundo real, no dia a dia, seja através da ciência - seguindo os vários passos do método científico -, da biologia, da robótica e da programação, ou mesmo da educação física, que permite perceber "conceitos da física".
"Tentamos que percebam que mesmo a matemática é importante se adorarem animais e forem estudá-los ou estudar o habitat deles. Tentamos que os conteúdos sejam apresentados de forma mais divertida, mais motivadora". Para isso, levam as crianças aos laboratórios, mas também a estudar o rio, a recolher folhas para as analisar no microscópio, a alimentar os animais para perceberem os tipos de alimentação e as diferenças entre os sistemas digestivos. Por um lado, isso permite-lhes levar "a natureza para os laboratórios". Por outro lado, mostrar que "tudo é ciência".
"Eu acho que quanto mais nós queremos formatar as nossas crianças, de futuro vamos ter adultos menos preparados para a panóplia do mundo laboral", conclui a docente.
É precisamente a pensar nos futuros adultos e cidadãos que Dina Neto, trabalhadora do Balcão de Inclusão da Câmara de Lagos, que perdeu a visão há quase cinco anos, explica ao SAPO24 a importância do projeto de ensino do alfabeto Braille a alunos do 1º ciclo, na sensibilização para a diferença.
As crianças aprendem a escrever o seu nome e mensagens curtas em Braille, tentam ler rótulos de embalagens de supermercado ou caixas de medicamento e, de uma forma mais alargada, aprendem a lidar com a diferença.
Falando do caminho difícil que percorreu, Dina não só é uma inspiração para os que a rodeiam, como desperta e incentiva a curiosidade das crianças, que lhe colocam várias questões: como consegue distinguir o dinheiro? Como consegue trabalhar, reconhecer os espaços, ou mesmo cozinhar?
"Não só porque sou cego, então preciso de saber Braille... não, eu posso não ser cego, mas precisar de saber Braille para poder comunicar com quem é cego. É um passo grande para a inclusão", explica Dina, sublinhando a importância mais abrangente deste projeto para sensibilizar para a diferença e para outras áreas da deficiência. No fundo, para mostrar que "ser diferente não significa ser desigual".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
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