A pergunta é feita pela The Atlantic e, atendendo aos acontecimentos das últimas semanas, é algo que muitas pessoas já pensaram. Um país com mais de 100 mil mortes por covid-19, ao sabor de decisões erráticas e que, na última semana, expôs feridas nunca saradas, a da violência policial e a do racismo. Uma espécie de barril de pólvora que alastrou após a morte de George Floyd sob o joelho de um polícia depois de detido por alegadamente ter usado uma nota falsa de 20 dólares para fazer uma compra.
1968 foi o ano em que, no intervalo de dois meses, Martin Luther King e Robert Kennedy foram assassinados. Também o ano em que todos os dias jovens americanos perdiam a vida na guerra no Vietname (a "The Atlantic" refere uma média de 50 mortes por dia). E ainda o ano do massacre de Orangeburg, na Carolina do Sul e dos protestos - e depois motins - em mais de 100 cidades após a morte de Martin Luther King, que incluiram a atuação da Guarda Nacional em Washington.
Apesar de tudo o que relembra o ano de 1968, a verdade é que 52 anos depois desse ano de todas as tensões nos Estados Unidos, algumas coisas mudaram. Não chega para mudar o que está errado, mas podem ser um contributo importante para forçar essa mudança.
Senão vejamos.
- Empresas com presença à escala global como Google, Twitter, Netflix, HBO e Amazon manifestaram-se publicamente contra o racismo e a violência;
- Uma destas empresas, o Twitter, sinalizou uma publicação do presidente americano em que afirmava “when the looting starts, the shooting starts” [quando os motins começam, os disparos começam] como apologia à violência [naquele que é apenas um episódio de uma história mais longa que podem ler aqui];
- A Nike lançou uma campanha em que virou o seu slogan ao contrário - “For once, Don’t Do It”
- E a rival Adidas partilhou essa mesma campanha;
- O CEO da Apple enviou um memorando aos empregados em que se lia: “Neste momento, há uma dor profundamente enraizada na alma da nossa nação e nos corações de milhões. Para nos mantermos juntos, precisamos defender-nos uns aos outros e reconhecer o medo, a dor e a fúria justamente provocada pela morte insensível de George Floyd, e uma muito mais longa história de racismo. Esse passado doloroso continua presente hoje – não apenas na forma de violência, mas na experiência diária da discriminação profundamente enraizada”;
- Ao invés, o CEO do Facebook, foi alvo de revolta protagonizada pelos empregados da empresa por ter mantido os posts em que Donald Trump ameaçava fazer uso da força militar sobre os manifestantes; na segunda feira, houve mesmo uma manifestação virtual;
- A indústria da música promoveu o Blackout Tuesday ao qual se juntaram editoras como Def Jam Recordings, Interscope, Sony Music, Columbia Records; as rádios da BBC dedicaram a programação do dia ao tema da justiça racial; o Spotify também aderiu e a Apple Music apagou todas as suas publicações no Instagram, partilhando apenas um vídeo e uma foto do movimento #TheShowMustBePaused;
- A Equal Justice Initiative, uma ONG, recebeu donativos de várias empresas; o YouTube doou um milhão de dólares;
- O Bank of America comprometeu-se com uma verba de mil milhões de dólares a ser usada nos próximos quatro anos no combate à desigualdade racial e económica;
- A CEO da General Motors, Mary Barra, anunciou uma comissão de aconselhamento para a inclusão com a participação de líderes internos e externos;
- A plataforma de dating Grindr anunciou que vai remover o filtro que permite a seleção de encontros por preferências étnicas.
Os números
De Minneapolis a Atlanta ou de Nova Iorque a Los Angeles, os protestos nas ruas foram cobertos por centenas de jornalistas que acabaram por ser também vítimas da atuação da polícia. O U.S. Press Freedom Tracker afirmou ter 100 situações de violação da liberdade de imprensa em investigação em apenas três dias. Percebe-se melhor a dimensão deste número se acrescentarmos que, em regra, por ano existem 100 a 150 casos de violação da liberdade de imprensa.
O que dizem os CEO
Nem sempre é fácil às empresas intervir no espaço político e, sobretudo as de maior dimensão, são muitas vezes acusadas de chegarem tarde às grandes discussões da sociedade.
Com a América a ferro e fogo desde a morte de George Floyd, vários CEOs quebraram essa regra não escrita da máxima prudência e reserva e juntaram a sua voz aos protestos e apelos por mudança.
Eis o que alguns disseram:
- Robert Smith, CEO e fundador da Vista Equity Partners e um dos mais destacados empresários afro-americanos escreveu numa carta à equipa: “Tirem tempo para contactar com as comunidades que estão em maior sofrimento e façam com que saibam que os apoiamos e que somos um só”.
- Kenneth Frazier, CEO da Merck, em entrevista à CNBC: “O que a América afro-americana vê naquela gravação é que este afro-americano, que podia ser eu ou outro qualquer afro-americano, está a ser tratado como menos do que humano”.
- Evan Spiegel ,CEO do Snapchat, ao The Information: “A desigualdade económica na América atingiu níveis nunca visto em quase um século, as pessoas de cor não podem ir a uma mercearia ou correr sem terem medo de ser assassinadas sem consequências, e colocando de forma simples, a experiência americana está a falhar” [na mesma entrevista exigiu uma comissão de reparações para os atos de violência]
- Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, que está sob críticas da sua própria equipa, disse na sexta-feira que tinha uma “reação visceral negativa” ao que acontecera mas que se mantinha “comprometido com a liberdade de expressão”. Um dos engenheiros da equipa respondeu-lhe: “silêncio é cumplicidade”.
We'll always have Germany
O Twitter destacou-se entre as várias empresas que assumiram uma posição sobre a morte de George Floyd e os acontecimentos que lhe sucederam e o CEO da rede, Jack Dorsey, "ganhou" uma guerra com Donald Trump que propôs inclusive legislação que lhe permita atuar sobre as redes sociais.
Do outro lado do Atlântico, veio uma proposta. Num tweet também, Thomas Jarzombek, a pessoa que em Berlim responde pela área de inovação e startups, escreveu que o Twitter estaria bem melhor se a sede fosse na Europa. “É um convite para virem para a Alemanha. Aqui podemos criticar o governo, bem como lutar contra as fake news. Temos um ótimo ecossistema tecnológico e de startups, a vossa empresa encaixar-se-ia na perfeição e eu abro-vos as portas”.
Tudo depende de como vê
“Qual foi a sua primeira reação quando viu o vídeo do polícia branco a pressionar com o joelho o pescoço de George Floyd enquanto este gritava ‘não consigo respirar’?” É com esta pergunta que começa o texto assinado pelo ex-jogador de basquetebol, Kareem Abdul-Jabbar, publicado no LA Times.
Isto é como começa, e isto é como acaba: “Por isso, o que vê quando vê os manifestantes negros depende se vive numa casa em chamas ou se está a assistir pela televisão com uma taça de tiras de milho à espera que o ‘NCIS’ comece”.
E o que está entre um e outro parágrafo ajuda-nos a todos a perceber o que se passa.
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