Desolados e assustados, assim se sentem os jovens universitários polacos com quem o SAPO24 conversou a propósito das eleições legislativas de hoje. Em dez, nem um quer a vitória do partido conservador-nacionalista Lei e Justiça (PiS), liderado por Jarosław Kaczyński, há oito anos no poder, e a quem as sondagens dão um terceiro e inédito mandato, embora sem maioria absoluta.
"Tenho medo", diz Dominika. E não é a única: "Tenho amigos LGBT que têm medo de sair à rua", conta Amelia. "Penso que a Polónia está demasiado atrasada em tudo; a maneira de pensar está ultrapassada, os políticos também", considera. Por isso, como tantos estudantes que conhece, optou por sair do país e vive agora na Áustria.
"Muita gente pensa que é só a questão da imigração [o executivo está contra refugiados] ou dos direitos das mulheres [a Polónia tem desde 2020 uma das leis mais restritivas em relação ao aborto, ilegal até em casos de malformação do feto], mas não é. O governo é incrivelmente corrupto, quebra leis constitucionais e todas as organizações internacionais importantes sabem disso, tem gente da sua confiança e sem competência numa quantidade de instituições, transformou a televisão pública numa máquina de propaganda. O país está lentamente a andar para trás", assegura.
Anita, que vive e estuda em Amesterdão, concorda com o diagnóstico. "O país está a afundar. E este governo conservador é parte da razão por que eu, a minha família e muitas outras famílias deixámos a Polónia".
Jagna, como Piotr e Lucyjka, vão votar, mas não estão confiantes no que aí vem. "O debate pré-eleitoral foi uma confusão desgraçada e fico furiosa só de pensar que são algumas daquelas pessoas que vão decidir o futuro do país", desabafa Jagna. Lucyjka está entusiasmada e combinou ir votar com um grupo de mais quatro amigas, mas confessa que não lhe parece que vá mudar alguma coisa, "os nossos votos não deverão contar para nada".
A disputa faz-se entre dois homens e são eles que mobilizam as conversas: além de Kaczyński, do PiS, Donald Tusk, antigo primeiro-ministro da Polónia (2007-2014) e ex-presidente do Conselho Europeu, que lidera a oposição, o partido Plataforma Cívica (PO). E que muitos cidadãos veem como capataz da Alemanha.
Como escreve o jornal Político, o resultado mais provável da votação de hoje "é uma luta caótica para construir uma coligação – e talvez eleições antecipadas".
Governo paga 500 zlótis por criança e promete mais
A Polónia é uma espécie de país revelação: está a crescer mais do que a Europa Ocidental e pode tornar-se uma das grandes potências da NATO. A capacidade de atrair investimento estrangeiro faz da sua economia uma das mais promissoras dos próximos anos, com um crescimento médio ininterrupto de 4,2% por ano entre 1992 e 2019.
Em 2021 havia 1.885 portugueses a residir na Polónia, de acordo com o Observatório da Emigração (há 3.061 polacos a viver em Portugal). Gonçalo é um deles, vive nos arredores da capital, Varsóvia, onde há sete anos chegou com a mulher. E faz um retrato do país.
"Há um descontentamento generalizado das gerações mais novas e mais educadas e que vivem nas grandes cidades, enquanto os mais velhos e aqueles que vivem nas zonas rurais são mais conservadores. É preciso ver que 60% da população vive fora das cidades, a agricultura tem uma enorme importância no país", afirma.
Até há pouco tempo a Polónia, a par de Portugal, ocupava o último lugar no ranking da natalidade na União Europeia. Numa tentativa de inverter esta tendência, o atual governo decidiu pagar 500 zlótis (110,24 euros a câmbio atual) por cada criança até aos 18 anos de idade, sem restrições.
"Na semana passada recebi um SMS a dizer que o apoio ia passar de 500 para 800 zlótis (176,39 euros a câmbio atual) por criança a partir de 2024", conta Gonçalo, que tem quatro filhas, todas abaixo dos dez anos. "Não tenho que me preocupar com nada, o dinheiro vem ter connosco".
Também o salário mínimo vai aumentar de 3.600 zlótis (793,76 euros ao câmbio atual) para 4.200 zlótis (926,06 euros a câmbio atual). O custo de vida tem aumentado significativamente nos últimos meses - a inflação chegou a atingir 18,4% em Fevereiro, o nível mais altos dos últimos 25 anos.
"Quando cheguei, o salário médio na Polónia estava 15% abaixo do salário médio português. Hoje é ao contrário, o salário médio está 15% acima do salário médio português. E já longe do salário mínimo, que em Portugal se aproxima muito do salário médio".
Gonçalo conta que a carga fiscal, impostos e Segurança Social, é cerca de 20% menor do que seria em Portugal. Apesar disso, e de uma taxa e desemprego quase residual, os custos estão a crescer mais depressa. "A grande vantagem é a centralidade, estar junto aos grandes, mas, apesar de a economia continuar a crescer, o crescimento está a desacelerar".
"O PiS tem um estilo de governação eleitoralista e propagandístico. is. Mas é preciso ver que aqui a alternância é entre dois partidos e direita", lembra Gonçalo. "É engraçado, porque poucos dizem abertamente que votam PiS, mas eles ganham sempre". Pelo menos, nos dois últimos mandatos.
A comunidade portuguesa, no entanto, vive ainda numa bolha de expatriados. Normalmente, com seguros de saúde privados e escolas com ensino internacional para os filhos. Foi ainda no final de Agosto, por ocasião da visita do presidente da República português à Polónia, que muito portugueses se reuniram. Com algumas cenas caricatas, como Marcelo Rebelo de Sousa a arrancar, literalmente, o telemóvel das mãos dos convidados para tirar selfies e, logo depois, devolver o telefone e passar ao próximo, numa cena de beijos e abraços forçados.
Governo exige indemnizações milionárias à Alemanha
Governo de Mateusz Morawiecki, é ele que está no poder e não o líder do seu partido (PiS), Jarosław Kaczyński, exige à Alemanha reparações de guerra de mais de um trilhão pelos prejuízos causados entre 1939 e 1945. Para Berlim o assunto está encerrado e o governo alemão já fez saber que não tem intenção de "abrir negociações sobre este assunto".
Mas o Lei e Justiça não desiste e desde que assumiu o poder tem vindo a diabolizar a Alemanha, dando à Polónia o papel de vítima e apelando ao nacionalismo.
A Polónia já é o quinto mais país da União Europeia. Se o alargamento da UE envolvesse todos os países na calha (além da Ucrânia, Moldova, Geórgia e Balcãs) iria custar 256 mil milhões, ou seja, o orçamento comunitário teria de aumentar 21%.
Mas não é apenas o custo da adesão que está em causa: o que aconteceria à Política Agrícola Comum? Como seriam redistribuídos o número de deputados e qual o peso de cada país nas votações? Quem seriam os contribuintes e os beneficiários líquidos? Estas são algumas perguntas que incomodam o governo.
Mas, para já, há outros problemas a resolver. Bruxelas multou a Polónia em mais de 550 milhões de euros por violação dos princípios democráticos; o país recusa-se a cumprir as regras da União Europeia no que diz respeito à independência entre o poder judicial e o poder político.
Por este motivo, a Comissão Europeia condicionou o pagamento dos 36 mil milhões de euros aprovados no âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) ao cumprimento dos padrões europeus em matéria de Estado de Direito. "A Polónia precisa de demonstrar que essas metas são cumpridas antes que qualquer desembolso possa ser feito", decidiu a Comissão Europeia. E o Tribunal de Justiça da UE veio dar-lhe razão.
Os cidadãos polacos escolhem 460 deputados da câmara baixa no parlamento, o Sejm, e 100 senadores para a câmara alta. Mas, mais do que isso, decidem o futuro de cerca de 40 milhões de polacos (e não só, pelo impacto que a decisão pode ter na UE e no resto do mundo).
Além do Lei e Justiça e da Plataforma Cívica, concorrem a estas eleições a Terceira Via, uma coligação entre o partido centrista Polónia 2050 e o PSL, o partido popular agrário, a Confederação Liberdade e Independência, de extrema-direita e anti-UE, e a Nova Esquerda, um partido social-democrata que defende a separação da Igreja e do Estado e um imposto sobre os bens da Igreja Católica da Polónia.
Em simultâneo com as eleições, os polacos vão votar um referendo sobre questões de migração, segurança e idade da reforma. O referendo foi recebido com muitas críticas da oposição e da sociedade civil, que acusam o PiS de tentar influenciar as decisões dos eleitores e a de fazer as perguntas de forma inadequada.
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