“Estamos a acompanhar esta situação com toda a intensidade que ela merece e assim continuaremos até [o cidadão português Nuno Filipe Medeiros Pimentel] ser libertado”, garantiu à Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho.
“Sabemos perfeitamente que a Guiné Equatorial é um país que tem grandes desafios em matéria de Estado de direito. Há lacunas em matéria de Estado de direito na Guiné Equatorial e isso é mais razão ainda para a diplomacia estar ativa como está”, acrescentou Cravinho.
Segundo a organização Internacional Association Against Coruption (IAAC), o empresário português está a ser submetido a “atos de tortura” por “se recusar a ceder às solicitações de corrupção e pagamento de impostos revolucionários” por altos quadros da Administração equato-guineense.
A organização não-governamental (ONG) de combate à corrupção com sede em Paris é presidida por Joaquinito Maria Alogo de Obono, um neto do Presidente equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.
Nuno Pimentel estava com pessoas suas conhecidas no ‘lobby’ do Hotel Carmen Galaxy, em Malabo, capital do país, no dia 9, quando, por volta das 21:00, o diretor-geral equato-guineense das Obras Públicas, Justino Nchama Ondo, sobrinho de Teodoro Obiang, acompanhado por dois homens, o levou num veículo para o local onde se encontra desde então, a Comissaria Distrital de Polícia de Luba Bioko-Sur, a cerca de 50 quilómetros de Malabo.
A descrição é do empresário português, em declarações à Lusa por telefone, aquando de uma visita do seu advogado local.
No caminho entre Malabo e Luba, o empresário foi levado para uma casa particular, que Nuno Pimentel acredita pertencer a Justino Nchama, onde foi espancado violentamente e ameaçado com uma rebarbadora de lhe cortarem os dedos das mãos, e daí foi então levado para a esquadra em Luba.
“Pararam a meio do caminho, onde ele, o Justino, tem uma casa de férias, há um caminho de terra, levaram-se para dentro da casa, pensava que iriam deixar-me aí a dormir, atiraram-me ao chão e começaram a torturar-me. Em seguida, com uma rebarbadora, ameaçaram-me cortar os dedos. Disse-me que ia cortar-me seis dedos”, relatou o empresário à Lusa.
De acordo com Joaquinito Alogo de Obono, advogado especializado em direito internacional e professor na Universidade de Paris X, que denunciou o caso em declarações à Lusa, Nuno Pimental está a ser alvo de “extorsão” num processo de corrupção “clássico e muito conhecido na Guiné Equatorial”.
Alogo de Obono – que expôs o caso a várias instâncias diplomáticas, incluindo as embaixadas de Portugal e Itália em Paris e fez chegar a mesma exposição do próprio Nuno Pimentel à embaixada portuguesa em Malabo — resumiu que o processo, que remonta ao final 2021, começou com a tentativa de aquisição pelo empresário português de um navio entregue à sucata pelo Estado equato-guineense.
Nuno Pimentel assinou entre setembro e dezembro de 2021 sucessivos contratos — desde o contrato de promessa de compra e venda, à compra efetiva, com prova de pagamento reconhecido e ata de entrega do navio – com o Ministério dos Transportes equato-guineense, na pessoa do próprio titular da pasta, Rufino Ovono Ondo Engonga, a compra de um navio por 350 milhões de francos cfa (cerca de 534 mil euros).
Um mês depois, no final de janeiro deste ano, o ministro evocou “irregularidades” na empresa do empresário português, Tropikal Services, S.L., e exigiu-lhe mais 150 milhões de francos cfa (cerca de 229 mil euros) como condição para libertar o navio.
Nuno Pimentel não só recusou, como se queixou do procedimento à Presidência do país, que em carta enviada ao seu membro do Governo o insta a “suspender a reclamação exercida contra a Tropikal Services S.L. exigindo um montante adicional ‘post’ contrato de 150 milhões de francos cfa”, por “ser um procedimento ilegal e contra a normativa jurídica em vigor”.
Rufino Ovono Ondo Engonga acabou por decidir denunciar o contrato e vendeu o navio a um investidor nigeriano, de acordo com Nuno Pimentel, que desde então reclama sem sucesso a devolução dos 350 milhões de francos cfa — em depósito na Tesouraria Geral do Estado em dezembro de 2021, confirmado pela instituição em 15 de julho deste ano –, cuja ordem depende da Presidência equato-guineense.
A carta dirigida a Teodoro Obiang “foi o maior erro” de Nuno Pimentel, na opinião do presidente da IAAC. Desde então, o empresário foi detido e espancado por diversas vezes, incluindo numa das prisões com pior reputação em todo o mundo, conhecida como ‘Black Beach’, em Malabo.
“Trata-se de um caso clássico e muito conhecido na Guiné Equatorial. Nuno é um homem de negócios, que comprou um barco por 350 milhões de francos cfa, o barco nunca lhe foi entregue, e só o seria, se ele tivesse entregue luvas de 150 milhões de francos cfa”, disse Alogo de Obono.
“Como Nuno recusou, e ameaçou queixar-se à CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] de um tratamento a que estava a ser sujeito — a saber, um caso de corrupção — foi sequestrado, torturado, colocado sob detenção em ‘Black Beach’, de manhã à noite levam-no de uma esquadra a outra para o torturar para o fazer vergar mentalmente”, acrescentou.
Na resposta à Lusa, João Gomes Cravinho confirmou que o Estado português tem “efetivamente conhecimento deste cidadão nacional que está detido na Guiné Equatorial”, acrescentando: “Obviamente é uma matéria que nos preocupa e que a nossa embaixada em Malabo está a seguir de perto”.
“Recorde-se que o nosso envolvimento nestas matérias é constante. O mesmo cidadão esteve detido entre abril e junho deste ano, foi possível, devido aos esforços da diplomacia portuguesa, retirá-lo da prisão. Voltou agora a ser preso e a diplomacia portuguesa volta a estar plenamente ativa”, acrescentou o governante.
O ministro escusou-se a “comentar os factos que levaram à detenção”, mas sublinhou a “preocupação” de que “se cumpram as normas do Estado de direito”.
“A atuação da embaixada [de Portugal em Malabo] irá exatamente nesse sentido”, garantiu o governante português.
“Nuno Pimentel está a passar por cada uma das etapas que descrevo num livro que acabo de publicar sobre os esquemas de corrupção na Guiné Equatorial”, resumiu o advogado ativista, neto de Teodoro Obiang, Joaquinito Alogo de Obono.
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