A proposta para “despenalizar as injúrias à Coroa e os ultrajes a Espanha” é uma iniciativa de dois partidos nacionalistas da Catalunha e do País Basco (ERC e EH Bildu, respetivamente) que conta com o apoio do Partido Socialista (PSOE, no Governo).
“Vamos votar a favor de adaptar o nosso Código Penal em matéria de injúrias àquilo que nos pediu a Europa”, disse na terça-feira, numa conferência de imprensa, o líder parlamentar do PSOE no Congresso dos Deputados (parlamento), Patxi López.
A iniciativa foi tomada no Senado espanhol, em maio, onde já contou com a viabilização do PSOE, e agora é submetida para debate e votação ao Congresso, depois de um período em que todas as forças políticas puderam apresentar emendas e textos de substituição.
Foi o que fizeram o Partido Popular (PP, direita), Cidadãos (centro-direita) e Vox (extrema-direita), mas com iniciativas com objetivos opostos ao da proposta inicial.
No caso do PP, a proposta é não fazer qualquer alteração ao Código Penal, o Cidadãos propôs limitar as penalizações a multas e o Vox avançou com um agravamento das penas atualmente previstas.
O PSOE já disse que vai votar contra as propostas da direita no Congresso, onde não tem maioria absoluta mas é o partido mais representado.
Em causa estão três artigos do Código Penal espanhol que preveem multas e penas de prisão de entre seis meses e dois anos para quem “caluniar ou injuriar” o Rei ou Rainha, os “seus ascendentes ou descendentes”, os reis consortes, regentes e herdeiros da Coroa “no exercício das suas funções” (sanções mais graves) ou noutras circunstâncias (consideradas menos graves).
Os artigos preveem também multas para quem usar a imagem do Rei ou Rainha, ascendentes ou descendentes, monarcas consortes, regentes e herdeiros do trono “de qualquer forma que possa causar danos à imagem e prestígio da Coroa”.
Quanto ao artigo sobre “os ultrajes a Espanha”, prevê multas para “ofensas ou ultrajes de palavra, por escrito ou de facto a Espanha, às suas Comunidades Autónomas [regiões autónomas] ou aos seus símbolos ou emblemas”.
No texto de justificação da proposta, que hoje é submetida a primeiro debate, os seus autores escrevem que “o Estado espanhol deve superar estas censuras que tipificam como delitos a queima de bandeiras ou a injúria à Coroa a partir de um conceito de sacralização da imagem do Rei e da sua família”.
“A liberdade de expressão é um direito fundamental de qualquer pessoa a expressar ideias livremente e, portanto, sem censura. Uma democracia avançada e moderna deve assegurar aos cidadãos o seu pleno direito à liberdade de expressão”, sublinham.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), segundo o mesmo texto, já declarou, no caso de um delito contra um chefe de Estado, que “uma proteção concedida por uma lei especial” não está, “em principio”, de acordo com as convenções e declarações internacionais e europeias para a proteção dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais.
A iniciativa lembra que Espanha já violou estas convenções e o país foi condenado pelo TEDH por causa da aplicação destes artigos do Código Penal.
Um dos casos mais conhecidos em Espanha é o do ‘rapper’ Valtonyc, que se exilou na Bélgica por ser procurado pela justiça espanhola por delitos de enaltecimento do terrorismo e ameaças e injúrias à Coroa por causa de letras de músicas que escreveu em 2012.
A justiça belga negou o repatriamento do músico, pedido por Espanha.
Uma senadora do partido nacionalista catalão Junts per Catalunya, Miriam Nogueras, assinalou em maio, quando a proposta foi debatida no Senado, a ironia de o rei emérito de Espanha, Juan Carlos I, “que roubou, poder voltar sem problemas e o ‘rapper’ Valtonyc, que diz numa canção que o rei é um ladrão, viver no exílio”.
Juan Carlos I decidiu mudar-se para os Emirados Árabes Unidos em agosto de 2020 na sequência de investigações judiciais em Espanha sobre suspeitas de corrupção.
Em 02 de março passado, a Procuradoria Anticorrupção espanhola arquivou os três casos que estavam relacionados com o rei emérito, um sobre a alegada arrecadação de 65 milhões de euros em supostas comissões para a construção do comboio de alta velocidade Medina-Meca, outro sobre alegadas doações não declaradas e um terceiro sobre suspeitas de ter escondido fundos em paraísos fiscais.
Os casos foram arquivados, segundo a justiça espanhola, por alguns dos alegados crimes já terem prescrito e por o rei emérito não poder ser processado pelas “irregularidades fiscais” de que foi culpado entre 2008 e 2012 devido ao estatuto de limitações à infração ou à sua imunidade como chefe de Estado.
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