Deixar de comer carne é “inevitável”? Para Francisco Guerreiro, eurodeputado independente eleito pelo PAN, a resposta é “sim” e demonstra-o num documentário.
“Carne: a pegada insustentável" produzido e realizado em conjunto com Hugo de Almeida apela à mudança nos padrões de alimentação da privilegiando uma dieta plant-based (origem vegetal) em detrimento da proteína animal.
“Necessitamos de mudar os nossos hábitos alimentares para combater três grandes fenómenos: a saúde pública, alterações climáticas e desumanização relativa aos animais”, estrutura Francisco Guerreiro.
“Partilhar os dados científicos destas três grandes áreas e mostrar às pessoas de uma forma construtiva e positiva que muita mudança está a ser feita, no setor empresarial e comunitário, no sistema comunitário de saúde e mesmo nas questões políticas, mas ainda é uma transição muito silenciosa”, lamenta em conversa com o SAPO24.
É nesta ajuda à mudança que entra o documentário sobre alimentação plant-based, cuja linha editorial assenta numa linguagem “cativante” e “acessível” a todos, para que, no final, e “se acharem que faz sentido, iniciem essa transição”, deixa em aberto eurodeputado do grupo parlamentar europeu Verdes/Aliança Livre Europeia que volta a fazer uma parceria com o realizador Hugo de Almeida depois da webseries, RBI: um caminho de liberdade.
Filmado em Portugal, Líbano (hospital que serve comida vegan), Reino Unido, França e Bélgica, ao longo de pouco mais de uma hora, o espectador é guiado pela voz do ator Heitor Lourenço, uma viagem intercalada pelo testemunho de diversas personalidades.
No desfile de entrevistas entram Ciro Gomes, político brasileiro, George Monbiot, biólogo, escritor e cronista no “The Guardian” e Gabriel Mateus, professor. Para além do lado académico, é dado palco aos fundadores do santuário animal Quinta das Águias, Ivone e Joep Ingen Housz, em Paredes de Coura, à associação animal Amor Empatia, em Lisboa, a Associação Vegetariana Portuguesa, além de testemunhos que vão de uma empresa familiar que passou a produzir alheiras vegetarianas com a ajuda do casal da Quinta das Águias e uma conversa familiar na qual a neta induz a avó para transição e para o tempo de começar a “virar tofus e não frangos”.
“Faltava a componente informativa e educativa para gerar debate. Fazer com que as pessoas questionem e tomem a sua decisão”, frisa Francisco Guerreiro. Deixa claro um ponto. “De modo algum é uma imposição”, ressalva. “O ato de transformação, que é sempre o mais difícil, é individual, mas se não debatermos e não apontar o dedo às causas que temos na sociedade, dificilmente vamos saber qual o problema e como o colmatar”, assegura.
Combate aos lóbis nos corredores da Europa
A vida nos corredores da Europa serve de justificação a Francisco Guerreiro para a criação da obra. “Adveio do meu trabalho de quatro anos e meio de ver grandes bloqueios dos grandes lóbis agroindustriais em transformar o setor agroalimentar”, imputa.
“É um setor que, em termos de emissão de gases de efeito estufa vai dos 25% aos 35%, depende das análises, mas é um dos grandes fatores de poluição ambiental. É o maior destruidor da biodiversidade, uso de terra e solos, o maior de todos eles”, denuncia. “Como estou na Comissão de Pescas e Agricultura vejo que, de uma ponta à outra, da esquerda à direita, os lóbis são muito fortes”, acusa.
Continua. “Vemos uma ligação direta entre o dinheiro que é financiado através da PAC e Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e Pescas e as grandes dinâmicas no setor agroquímico. Existe esta dificuldade de falar destes temas e sou, muitas vezes, um oásis naquele deserto”, reclama.
Para o eurodeputado, o documentário é uma “forma de mostrar às pessoas que existe quem trabalhe nestas áreas e não tem medo de enfrentar esta realidade no parlamento europeu”, diz. “Sou uma barragem que está a suster estes lóbis que querem fazer tudo da mesma maneira quando todos os dados científicos nos mostram que devíamos fazer uma alteração de 180 graus”, atira.
O papel da sociedade na divulgação em cada esquina
“Sinto que estou sozinho no PE, mas sei que há milhares de pessoas na sociedade civil, em associações, a transformar a sociedade”, reconhece. Por isso, deixa o apelo para que “as pessoas votem e participem na política, porque as taxas de abstenção, sobretudo nas Europeias, condicionam as políticas feitas”, antecipa.
“Nunca é fácil fazer documentários de âmbito social e pegar em temas fraturantes na sociedade”, admite Hugo de Almeida, realizador. “Precisamos em Portugal deste tipo de conteúdos. Por exemplo, nos EUA, temos um cinema documental muito bem implementado desde o mítico Michael Moore, autor do “Bowling for Columbine” que eleva a discussão na sociedade. Em Portugal temos um cinema documental que deixa as questões sociais muito de lado e que ficam muito para a TV’s e jornais”, lamenta.
A estreia mundial de “Carne: a pegada insustentável” decorreu no auditório Fernando Lopes, na universidade Lusófona, em Lisboa. Mas não ficou circunscrito àquela sala.
“Temos no site carnedoc.com e quem quiser pode solicitar uma visualização na sua escola, terra, associação ou universidade. Fizemos ao contrário, quisemos que se gerasse o debate de forma pessoal e direta. Não vai ser só o Francisco a estar nessas ações, vou ser eu, o Hugo, o Gabriel, todos os que participaram neste documentário. Queremos debater com as pessoas e depois sim, em abril de 2024, colocaremos on line com legendas em português e inglês”, anuncia Francisco Guerreiro.
“Achamos que existe uma comunidade que quer dar a mão a outras pessoas para fazerem essa transição. Vão ser as próprias pessoas que vão distribuir este conteúdo e não se vão importar de organizar um evento local, seja num café ou sala. Um passar o testemunho feito pela sociedade civil”, explica Hugo de Almeida.
“Queremos, pelo menos nesta fase, que venham pessoas que querem fazer esta transição. Que fiquem a saber quais os restaurantes, que saibam que podem substituir a carne e que não se sintam desamparadas. Quem quer fazer esta transição é uma das primeiras coisas que diz é que se sente desamparada, não sabe o que fazer a seguir”, alerta.
“Ninguém está a criticar e a apontar o dedo. Partimos do pressuposto que queremos informar e, se existir vontade, para saber mais terão nesta comunidade quem o ajudará a substituir, procurar, saber e conhecer. É um documentário profundamente humanista”, conclui Hugo de Almeida.
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