Há quem conte o número de clientes em cada fila de supermercado e escolha aquela que tem menos pessoas. Também há quem estime o número de artigos que cada pessoa tem no seu carrinho de compras. Há quem, rapidamente, considere não apenas as pessoas que estão na fila, como também o número de artigos, e até mesmo a velocidade da pessoa na caixa. Na verdade, há uma multiplicidade de estratégias para resolver este problema.
Mas nestas situações, em que existem várias estratégias possíveis, como é que o cérebro sabe como tomar uma decisão?
Um estudo, publicado hoje, na revista Nature Neuroscience dá uma surpreendente resposta a esta pergunta, ao revelar que o cérebro, em vez de se comprometer com uma única estratégia, é capaz de calcular várias estratégias alternativas de decisão em simultâneo.
Neste estudo, desenvolvido pela investigadora Fanny Cazettes e pelos investigadores principais Zachary Mainen e Alfonso Renart, na Fundação Champalimaud em Lisboa, é apresentado um conjunto de experiências realizadas num setup do estilo “realidade virtual”, onde ratinhos têm como tarefa a procura de água num mundo virtual.
Mais especificamente, os autores desenharam um “mundo virtual para ratinhos” pensado com base no desafio de procura de alimento, algo para o qual o cérebro destes animais evoluiu e se tornou exímio. Neste contexto, os investigadores podem estudar as complexas estratégias de decisão usadas pelos ratinhos. Por exemplo, qualquer zona neste mundo virtual pode oferecer água de uma forma inconsistente, ou seja, de um momento para o outro pode “secar” e deixar de dispensar água por completo. Os ratinhos tinham então que decidir quando sair de um determinado local e ir para outro em busca de mais água.
Para resolver a tarefa de maneira otimizada, a melhor estratégia seria os ratinhos aprenderem a contar o número de tentativas consecutivas falhadas para obter água num determinado local e trocar de local quando o número de erros consecutivos fosse suficientemente grande. Mas havia várias estratégias alternativas para processar a série de tentativas bem e mal sucedidas, incluindo, por exemplo, calcular a diferença entre o número de tentativas bem e mal sucedidas. Cada estratégia combina erros e tentativas bem sucedidas ao longo do tempo de uma maneira particular e, portanto, tem uma “assinatura do tempo decorrido” – chamado de “variável de decisão” – que pode ser comparado com o tempo decorrido entre padrões de atividade cerebral.
Os investigadores registaram a atividade de grandes grupos de neurónios individuais numa parte do cérebro conhecida como córtex pré-motor, enquanto os ratinhos realizavam a tarefa. De seguida, procuraram combinações dos perfis temporais de atividade dos neurónios pré-motores que poderiam assemelhar-se às variáveis de decisão associadas às diferentes estratégias.
Para surpresa dos autores, os dados mostraram que, apesar de cada ratinho se concentrar na sua própria estratégia, os seus cérebros não. Fanny Cazettes explica: “Descobrimos que, embora a atividade no córtex pré-motor refletisse a computação que o animal estava realmente a usar, ela também refletia variáveis de decisão alternativas úteis para a mesma tarefa e até mesmo variáveis de decisão úteis para outras tarefas”.
Zach Mainen, um dos autores seniores do estudo, acrescenta: “ao contrário da nossa experiência nas filas das caixas do supermercado, descobrimos que o cérebro pode realmente executar várias estratégias de contagem diferentes ao mesmo tempo, o que nos remete para o conceito de superposição na mecânica quântica”.
Embora ainda haja muito por ser explorado nesta área, este estudo fornece uma base importante para investigação futura: "as nossas descobertas sugerem a necessidade de novas formas de pensar sobre os principais processos envolvidos na tomada de decisões e na seleção de ações. Um dos nossos próximos passos será investigar como o cérebro seleciona entre diferentes variáveis de decisão e como essas decisões são traduzidas numa ação”, diz Fanny Cazettes.
Qual poderá ser a utilidade de representar tanto estratégias usadas, como as não utilizadas, em simultâneo?
“Esta possibilidade pode facilitar a flexibilidade cognitiva e de aprendizagem, porque a mudança de estratégias requer apenas que seja dada atenção à variável de decisão pré-computada correta, em vez de construí-la do zero”, argumenta Alfonso Renart, um dos investigadores principais deste estudo.
“Estas descobertas têm implicações importantes para a nossa compreensão sobre como o cérebro processa e seleciona variáveis de decisão em ambientes complexos. E podem ainda ter implicações para o desenvolvimento de sistemas de machine learning mais flexíveis e adaptáveis, o que poderá ser particularmente útil em situações onde há um alto grau de incerteza ou complexidade”, conclui Zach Mainen.
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