Ao fim de quatro anos e meio de mandato, e em vésperas de um novo ciclo político na União Europeia em função das eleições europeias de 23 a 26 de maio – das quais resultará um novo executivo comunitário -, a Comissão Europeia apresenta como resultado de maior relevo a inegável recuperação da economia europeia depois da crise financeira e económica, para a qual contribuiu com o Fundo Europeu de Investimentos Estratégicos (o chamado “plano Juncker”) e uma abordagem mais flexível ao Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Em contraste, questões como as migrações e o Estado de direito conheceram retrocessos nos últimos anos e abriram feridas no seio da União Europeia, e se, nestes casos, a Comissão Europeia pode responsabilizar os Estados-membros, noutras áreas, como a prometida transparência e maior democracia, fica com todo o ónus da responsabilidade na polémica designação de Martin Selmayr como secretário-geral da Comissão, num processo conhecido como ‘Selmayrgate’.
Indissociável deste mandato, ainda que a Comissão Europeia não tenha responsabilidades diretas, fica um dos maiores reveses da história do projeto europeu, o ‘Brexit’, cuja concretização deverá coincidir precisamente com o último dia de trabalho de Juncker em Bruxelas, já que a mais recente extensão do Artigo 50.º concedida pela UE a 27 a Londres tem precisamente a data de 31 de outubro, que é igualmente o final legal de mandato do atual executivo comunitário.
Como contributo para a cimeira de Sibiu de reflexão sobre o futuro da Europa (em 09 de maio naquela localidade romena), a Comissão Europeia fez já um balanço do seu trabalho, enumerando aqueles que classifica como os seus 20 maiores feitos no período 2014-2019, mas também 10 “tarefas inacabadas”.
Entre os feitos alcançados, a ‘Comissão Juncker’ coloca sem surpresa à cabeça vários no domínio da Economia e Finanças, sendo os três primeiros pontos o “plano Juncker” de investimento, a utilização do Pacto de Estabilidade e Crescimento de uma forma mais flexível e a manutenção da Grécia como membro da zona euro, com o terceiro programa de ajustamento concluído com êxito.
Segundo Bruxelas, o “plano Juncker” foi fundamental para que a economia europeia tivesse crescido de forma consecutiva nos últimos seis anos, ao ter alavancado 392,6 mil milhões de euros em investimentos em Pequenas e Médias Empresas e em domínios-chave como as infraestruturas, investigação, energias renováveis, ambiente e projetos sociais e digitais.
Relativamente a uma leitura e aplicação mais flexíveis das regras de política económica e orçamental – da qual Portugal também beneficiou, à saída do seu programa de assistência externa (2011-2014) e com ameaças de sanções por défice excessivo -, a Comissão aponta que, segundo estimativas, esta nova abordagem aumentou o Produto Interno Bruto da UE em 0,8% ao longo dos últimos quatro anos e ajudou a criar 1,5 milhões postos de trabalho, ao mesmo tempo que o défice da UE recuou em média de 3% para 0,6%.
Em declarações à Lusa, Grégory Claeys, analista do ‘think tank’ (grupo de reflexão) Bruegel, disse concordar que, “na frente económica, a Comissão Juncker introduziu algumas mudanças em comparação com a anterior”, liderada por José Manuel Durão Barroso, “com uma política económica que, seguramente, apoiou mais o crescimento”, em contraste com a austeridade seguida durante a crise.
“Houve também uma maior flexibilidade na aplicação das regras orçamentais. Esta Comissão optou por ouvir mais os governos nacionais, as suas explicações para o não cumprimento das metas, foi mais compreensiva. Alguns países dirão que isso é negativo, mas na minha opinião foi positivo”, comentou o economista e analista político.
Já quanto ao “Plano Juncker”, considera que “não é perfeito” nem sequer foi a principal razão para a retoma económica da Europa – que atribui a outros fatores, como a política económica do Banco Central Europeu (BCE) e à descida dos preços do petróleo -, mas admite que “ajudou”.
A Comissão apresenta entre outros feitos do seu mandato a celebração do Acordo de Paris sobre o Clima, a proibição de produtos de plástico de utilização única, acordos comerciais com Japão e Canadá, o novo mecanismo de proteção civil da UE, o fim das tarifas de ‘roaming’ e a criação da Autoridade do Trabalho Europeia e da Procuradoria Europeia.
Entre as missões inacabadas, a Comissão reconhece que não foram feitos os progressos desejados nas negociações sobre o próximo quadro financeiro multianual para 2021-2027, na reforma do Sistema Comum de Asilo Europeu, no Sistema de Seguro de Depósitos Europeu e no ‘backstop’ para o Fundo Único de Resolução e na reforma da coordenação dos sistemas de segurança social.
Gregory Claeys não considera que a falta de um acordo em torno do orçamento da UE pós-2021 seja um fracasso, considerando que a Comissão foi, isso sim, demasiado ambiciosa ao pretender fechar este dossiê ainda durante o seu mandato, mas relativamente ao aprofundamento da União Económica e Monetária concorda que “basicamente nada aconteceu desde 2014”.
“As propostas da Comissão já não eram muito ambiciosas, mas ainda assim revelaram-se ambiciosas demais para os Estados-membros. Talvez a Comissão pudesse ter avançado com as propostas mas cedo. Veremos se em junho (na cimeira do Euro) haverá decisões”, observou.
Considerando que as migrações constituem de facto uma das áreas onde muito pouco foi alcançado – também porque a Europa não tinha as ferramentas necessárias para lidar com a crise de 2015 -, Claeys conclui que, no quadro da prioridade de uma UE mais democrática e transparente, o ‘Selmayrgate’ foi um episódio negativo na “Comissão Juncker”, que ajuda a alimentar o discurso dos eurocéticos contra Bruxelas, incluindo dos governos da Polónia e Hungria, em "braços de ferro" com Bruxelas pelas suas alegadas violações do Estado de direito.
A nomeação do chefe de gabinete de Juncker para o mais alto cargo da administração europeia, que a Comissão mantém que foi completamente legítimo, mas que foi duramente criticada por Parlamento Europeu e pela Provedora de Justiça Europeia, “dá uma má imagem da UE, que se quer mostrar um exemplo de transparência”, comenta Gregory Claeys.
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