D. Américo Aguiar, que tem orientado os trabalhos na diocese de Lisboa sobre o tema dos abusos sexuais na Igreja Católica, começou por frisar que as 21 comissões criadas pelo país — uma por diocese — começaram a surgir em abril de 2019, num trabalho que foi concluído até junho de 2020, a pedido do Papa Francisco.

Para o bispo, estas comissões têm aprendido que "é preciso criar um ambiente de muita confiança para que uma pessoa que tenha vivido o flagelo de um abuso sexual tenha confiança para poder abrir o seu coração e partilhar essa ferida profunda na sua vida, principalmente quando estamos a falar de alguém que viveu isso na adolescência e agora está casado e tem filhos".

Para isso, há a necessidade de "criar um quadro de total segurança para que qualquer pessoa se sinta acolhida e respeitada e não volte a correr o risco de voltar a ser vítima, agora das circunstâncias da sua denuncia", lembrou.

Questionado sobre o número de casos de abuso na Igreja portuguesa, D. Américo Aguiar não adiantou um número, uma vez que "a Igreja está organizada em dioceses e cada uma é autónoma", pelo que não se sabe ainda a totalidade dos casos. Assim, a decisão de criar um "patamar nacional" — a comissão anunciada a semana passada pela CEP — tem como principal objetivo "coordenar e partilhar informação".

D. Américo, que frisou que apenas pode falar relativamente a Lisboa, realidade que acompanha, lembrou que se tem seguido uma atitude de "tolerância zero e transparência total", tal como pediu o Papa Francisco. Além disso, adiantou que "obrigatoriamente existem casos, não sabemos qual a dimensão — se são muitos, se são poucos —, [mas] um que fosse era grave".

"Quando estamos perante um caso de pedofilia, de abuso de menores, quando está envolvido um eclesiástico, se tivéssemos um top de gravidade, eu sublinho que a gravidade é quando acontece", precisou.

Resumindo a atuação das comissões, D. Américo Aguiar destacou três pontos: "a prioridade são as vítimas", é preciso "tudo fazer para que não aconteça nem venha a acontecer" e "temos de olhar para o passado".

Assim, "a comissão não deve ter o foco exclusivamente naquilo que possam ser os casos dos crimes cometidos por eclesiásticos", o que não quer dizer "que a Igreja não faça o seu trabalho objetivamente", justificou o bispo, em referência a um artigo de opinião em que defendeu que a investigação não deveria ser centrada apenas no clero.

"Não temos de fazer um caminho contra ninguém", apontou, frisando que este é "um problema demasiado grande para estarmos divididos no ataque a esse problema".

"Nestes dois anos tenho feito o esforço de acompanhar esse trabalho transversalmente e dói-me profundamente quando isso acontece porventura no contexto eclesiástico — não há mais grave do que isso — e dói-me muito quando não estamos todos juntos numa luta necessária para que isso não aconteça", rematou.

Para D. Américo, a investigação deve ter limite temporal dos denunciantes vivos, ou seja, devem-se ouvir os casos de pessoas de todas as idades que possam e queiram "mostrar o seu sofrimento" quanto a este tema. "Acho que nenhum de nós imagina o sofrimento de uma pessoa que transporte toda a vida esse sofrimento", lembrou.