Na Figueira da Foz, a empresa municipal Figueira Parques - uma parceria público-privada, criada em 2005, detida a 70% pela autarquia e que vai ser privatizada - é a responsável pelas zonas de estacionamento tarifado e de duração limitada maioritariamente situadas no centro da cidade e zona ribeirinha.
Ao contrário do que sucede em outras zonas do país, em que a falta de título de estacionamento válido é penalizada, segundo o Código da Estrada, com uma coima entre 30 e 150 euros no âmbito de um processo de contraordenação, a Figueira Parques emite primeiro um aviso em que solicita o pagamento de uma taxa de cinco euros "equivalente ao estacionamento tarifado/dia" e dá 15 dias ao condutor do veículo para regularizar aquele valor, fazendo depender dessa regularização o levantamento do auto de contraordenação (a coima mínima de 30 euros).
"Caso esta importância não seja liquidada no prazo de 15 dias a contar da presente data, será utilizada uma cópia deste aviso para levantar o processo de contraordenação, de acordo com o Código da Estrada", lê-se num aviso a que a agência Lusa teve acesso.
A situação descrita no aviso, que ocorre há vários anos, não é cumprida, desde logo porque a Figueira Parques não tem como identificar o proprietário do veículo (o aviso é colocado dentro de um envelope no para-brisas do automóvel em transgressão e apenas faz referência à matrícula deste), não existindo uma notificação subsequente, como acontece, por exemplo, nas coimas por estacionamento proibido passadas pela PSP, GNR, polícias municipais ou outras entidades.
O que leva a que um condutor que não tire título de estacionamento (e não pague voluntariamente a taxa de cinco euros) não seja sujeito a um auto de contraordenação, ao contrário do que o próprio aviso menciona, precisamente porque a empresa municipal não tem como identificar o proprietário da viatura e não o pode notificar.
Recentemente, a autarquia da Figueira da Foz anunciou a intenção de a Figueira Parques aderir ao Sistema de Contraordenações de Trânsito (SCoT), precisamente para passar a ser possível identificar o proprietário do veículo em transgressão e proceder à respetiva notificação e eventual levantamento de auto de contraordenação.
A Lusa questionou o gabinete da Presidência do município sobre quando se prevê a entrada em funcionamento do SCoT e este respondeu que a formalização dessa adesão, "cumprindo as orientações e instruções dadas pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR)", foi feita a 12 de outubro "por carta registada com aviso de receção, não tendo até à presente data despacho final".
Segundo a autarquia, a única comunicação da ANSR foi feita há cerca de três semanas, a 14 de novembro, "a informar que o processo se encontra em análise".
Na mesma nota, questionada sobre se com a entrada em funcionamento do sistema SCoT deixarão de ser aplicados os avisos de cinco euros prévios ao levantamento do auto de contraordenação, a autarquia não respondeu, apenas adiantando que no Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento Tarifado e de Duração Limitada (em vigor e cuja última versão data de 2013) "verifica-se a possibilidade de aplicação de avisos de pagamento de cinco euros", quando o veículo estacionado não cumpra o regulamento, por falta de título de estacionamento, titulo inválido ou caducado.
Ouvido pela Lusa, o vereador Nuno Gonçalves, presidente do Conselho de Administração da Figueira Parques - empresa municipal que a autarquia deliberou na segunda-feira alienar ao sócio privado por 840 mil euros - disse que aquela taxa aplicada aos transgressores se deverá manter e que a adesão ao sistema SCoT "destina-se a notificar o proprietário e levantar os autos de contraordenação", o que agora não é feito.
Na quarta-feira, em comunicado, o PSD da Figueira da Foz, oposição no executivo (que votou contra a alienação da empresa por 840 mil euros), fez uma ligação entre a privatização da Figueira Parques e a entrada em funcionamento do Sistema de Contraordenações de Trânsito, questionando se o valor daquela entidade "não será mais elevado".
Alega o PSD, numa nota assinada pelo vereador camarário e presidente da concelhia, Ricardo Silva, que a entrada em funcionamento do SCoT em 2019 vai levar ao aumento de "seis vezes, de cinco para 30 euros", do preço das coimas por falta de título de estacionamento, a que acrescem os "custos associados" a eventuais bloqueamentos e reboques de viaturas, que atualmente também não são realizados.
"Com o privado, o objetivo é o lucro. Vai ser intensificada a caça à multa", alerta o PSD.
A Câmara Municipal contesta a argumentação social-democrata, reafirmando que a alienação das ações do município "não altera as normas decorrentes do contrato de concessão e demais regulamentos municipais aprovados em Assembleia Municipal" e que o regulamento em vigor das zonas tarifadas de estacionamento já contém normas sobre a aplicação de coimas - "que dependendo da qualificação e do sujeito infrator variam entre 30 e 500 euros" - e outras de fiscalização, bloqueamento, remoção e recolha de viaturas.
"Verifica-se, portanto, ser falsa a premissa de que a possibilidade de aplicação de coimas seja instrumento novo a surgir após a alienação da participação do município [na Figueira Parques]", contrapõe a autarquia.
Na nota, o município enfatiza que as normas existem no regulamento desde 2013 - embora numa versão anterior, datada de 2010 e consultada pela Lusa, o articulado da aplicação de coimas já existisse e seja idêntico -, mas não explicita, porém, que a esmagadora maioria do normativo, na prática, não está a ser aplicado, com exceção da taxa de cinco euros.
A Câmara Municipal diz ainda que a aplicação das coimas por estacionamento indevido, "no seu preceito jurídico, não é de aplicação direta, mas iniciada em processo de contraordenação, notificando para o efeito o respetivo proprietário do veículo em transgressão".
"É por esta razão e para ter instrumento eficiente e eficaz de notificação, que a Figueira Parques formalizou a adesão ao SCoT", reafirma.
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