Em causa estão diferentes entendimentos sobre o regime de IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado) a aplicar às entidades gestoras dos serviços de saneamento de águas residuais e de recolha de resíduos urbanos, o que levou a que a maioria das empresas cobre IVA à taxa de 6% (nos Açores e na Madeira, respetivamente, de 4% e 5%), enquanto outras deixaram de cobrar imposto.
Uma disparidade contestada por várias entidades ligadas à atividade, que reclamam o esclarecimento desta matéria, em relação à qual a Autoridade Tributária defende que o IVA não deve ser cobrado e a entidade reguladora, a ERSAR, recomenda uma taxa de 6%.
Contactado pela agência Lusa, o fiscalista Afonso Arnaldo, da Deloitte, defendeu que “o tratamento deve ser comum a qualquer entidade que desenvolva esta atividade”, alertando, no entanto, que, “sem uma análise caso a caso, não se pode concluir que é melhor para o consumidor ou que o serviço ficará mais barato, se não for liquidado imposto”.
Segundo este especialista, a diferença de tratamento tem por base a regra que determina que o Estado e demais pessoas coletivas de direito público (como câmaras), “quando atuam no âmbito dos seus poderes de autoridade, não devem ser tratados como um sujeito passivo de IVA”, ou seja, “não devem liquidar IVA sobre as suas operações”.
O Código do IVA determina igualmente que a entidade de direito público deve ser tratada como um sujeito passivo de IVA (e liquidar IVA na operação se o mesmo for devido nesse tipo de operação) se o tratamento dessa entidade como não sujeito passivo tiver como consequência uma distorção na concorrência.
Ou seja, explicou Afonso Arnaldo, “se o tratamento desigual gerar uma consequência negativa, nomeadamente em termos de negócio e preços, seja para o consumidor, seja para uma entidade que não é de direito público e desenvolve também aquele tipo de atividade (sendo, portanto, sujeito passivo de IVA), seja, enfim, para a própria entidade de direito público”.
“Podem existir situações em que não liquidar IVA representa uma desvantagem concorrencial face a empresas privadas que desenvolvam o mesmo tipo de atividade”, explicou, lembrando que os privados, como sujeitos passivos, podem recuperar o IVA referente aos custos de operação, que lhes é cobrado pelos seus fornecedores.
A liquidação “pode até ser benéfica para o consumidor”, uma vez que “podem ocorrer situações em que o montante de IVA pago a fornecedores é superior ao IVA que cabe liquidar sobre os serviços de saneamento”, defendeu o fiscalista, dado que “a generalidade dos custos ter IVA a 23% e os serviços de saneamento serem tributados a 6%”.
Ou seja, “mesmo que a entidade tenha uma margem de lucro e alguns dos custos não tenham IVA, a diferença de taxas entre custos e proveitos (23% vs 6%) poderá gerar mais IVA incorrido do que IVA liquidado”, sobretudo em alturas de obras ou de grandes investimentos.
Num exemplo prático, em que compara uma situação sem IVA com outra com IVA, com a mesma estrutura de custos e a mesma margem de negócio de 10%, os custos (de energia, consumíveis, recursos externos e salários) refletidos na fatura do consumidor podem totalizar, nos sistemas que não cobram o 6% do imposto, um valor superior àqueles que liquidam este imposto aos clientes.
“Daqui se conclui que pode o valor do serviço que chega ao cliente ser mais alto nos casos em que não há liquidação de IVA do que nos casos em que se liquida IVA a 6%”, sublinha, reafirmando que se as entidades não forem tratadas todas da mesma forma, tal configura “uma distorção de concorrência”.
Tanto mais que, reforçou, “o Tribunal de Justiça da União Europeia já determinou, em diversos casos, que o conceito de distorção de concorrência não se aplica apenas a situações concretas em que a concorrência já se esteja a verificar no mesmo espaço geográfico”, mas também, no plano teórico, mesmo que a situação de concorrência não exista ainda, “mas possa ser concebível”, como considera ser o caso em Portugal.
A ERSAR admitiu, em novembro, que “tem recebido alguns pedidos de esclarecimento por parte das entidades gestoras e também utilizadores” e que “as respostas dadas têm sempre remetido para o entendimento da entidade competente nesta matéria”.
Contactado pela Lusa, o Ministério das Finanças, que tutela a Autoridade Tributária e Aduaneira, não prestou esclarecimentos sobre o assunto.
Já a Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) confirmou à Lusa estar a analisar a questão, remetendo para mais tarde uma posição oficial sobre a matéria.
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