Estávamos ainda no início da tarde e esta era já quarta entrevista do dia de Francisco Paupério. "Tem sido uma mudança de vida", diz. O candidato principal do Livre ao Parlamento Europeu é de Leça da Palmeira, "a terra mais bonita de Portugal, segundo os Expensive Soul, que também são de lá. E eu concordo".
Frequentou a escola pública a partir do 5.º ano, fez Erasmus na República Checa e viveu uns meses na Roménia. Sempre teve muito boas notas, mas não soube logo que curso seguir. "Medicina seria o caminho óbvio", mas detesta sangue e agulhas: um não, não claro para um futuro médico. Tinha a curiosidade dos cientistas e foi aí que procurou uma área que não o "comprometesse muito".
Com 29 anos acabados de fazer, é biólogo, mestre e a fazer doutoramento em Bioinformática, Bioquímica e Biologia Evolutiva. E isso fá-lo dizer que também na investigação, Portugal está atrás de outros países da União Europeia, desde logo pelas condições dos investigadores bolseiros. Foi por aqui que começou a nossa conversa.
Tem IRS Jovem?
Não, nem sequer faço IRS. Como sou investigador, tenho uma bolsa. E em Portugal, ao contrário de muitos outros países europeus, os bolseiros, infelizmente, não têm contrato de trabalho. É uma reivindicação do cientistas.
Como não tenho contrato de trabalho, no final da bolsa não vou ter direito a subsídio de desemprego, porque não desconto para a Segurança Social. E não tenho uma data de benefícios.
E o valor da bolsa compensa?
Os vales estão tabelados, esta é 1.100€ por mês.
Houve uma tentativa de aumento nos últimos quatro anos, os valores estiveram estagnados vinte anos, desde 2000 e pouco que não sofriam alterações. A partir de 2019 houve uns incrementos. Continuamos a achar que é pouco, até porque só recebemos 12 meses em vez dos 14 habituais, não temos direito a subsídio de férias, nem de Natal.
O trabalho que fazemos não conta para a reforma, não conta para nada. A FCT - Fundação da Ciência e da Tecnologia dá a possibilidade de nos inscrevermos no seguro social voluntário, um regime facultativo, que dá mais 140 euros e é como se fossem os descontos do salário mínimo.
Em que países europeus é diferente?
Na Alemanha, na Dinamarca, penso que em Itália e em muitos outros países todos têm contrato de trabalho, pelo menos na fase do doutoramento. Em Portugal alterámos há uns anos os chamados pós-doc e técnicos, onde passou a ser obrigatório ter contrato de trabalho - e já foi uma grande mudança -, mas ainda temos de acelerar um pouco. Infelizmente, os cientistas não têm muita força junto da opinião pública.
O que o levou a interessar-se por política e, em particular, por questões europeias?
A paixão pela política nasceu no tempo da troika, quando o país virou à direita. Os meus pais são funcionários públicos e sofreram na pele tudo o que se passou entre 2011 e 2015. E isso foi o meu abrir de olhos para o que se estava a passar. Na altura, houve uma ativação: algo de errado se está a passar e quero perceber porquê. Foi quando comecei a olhar para a política, a tentar conhecer os diferentes partidos.
"Como sou bolseiro não tenho um contrato de trabalho. Nem direito ao desemprego ou a subsídios"
Porquê o Livre?
Essa escolha já foi mais recente. Entro em Biologia, interesso-me e percebo as questões ambientais. Começo nas associações ambientais e sinto que há uma falta de políticas públicas que suportem todo o trabalho que as associações fazem, ou seja, parece que a população está a remar para um lado e as políticas públicas para outro.
Pensei que a melhor maneira de ter impacto era na política partidária, porque podemos ser agentes políticos e de cidadania fora dos partidos, mas a verdade é que para termos impacto precisamos de entrar na vida partidária.
Quando considerei entrar num partido, dentro dos disponíveis em Portugal, o Livre era claramente aquele com que me identificava, por ser de esquerda, por ser ecologista, por defender a liberdade e por ser europeísta.
Assumindo-me eu como pessoa de esquerda e europeísta, via à esquerda do PS algum euroceticismo, até alguma eurodescrença que eu não tinha. Confio no projecto europeu e quero que o projecto europeu se desenvolva.
Ao contrário do PCP e do Bloco de Esquerda.
Sim, que se dizem eurocríticos. Mas nem sempre foi assim, agora é que estão a fazer essa aproximação às reformas institucionais e às reformas europeias de que precisamos. O Livre era para mim o espaço óbvio. Como tem um sistema de primárias abertas, primeiro fui candidato independente, mas gostei muito do Livre, o Livre gostou muito de mim e fizemos essa aproximação.
A ecologia ou o ambientalismo de esquerda é diferente do de direita?
O ambientalismo de direita é mais conservador e para a direita a transição energética não é uma prioridade.
Os ambientalistas são muitas vezes considerados um travão ao desenvolvimento e à inovação. Concorda, há um certo fundamentalismo verde?
A verdade é que há certos movimentos ambientais que são fundamentalistas e com os quais discordamos, às vezes discordamos até da forma como se manifestam, por exemplo, que muitas vezes contribui para a polarização e para a desinformação desta área da crise climática. Consideramos, acima de tudo, que esta transição tem de se fazer em conjunto com as populações para elas perceberem o que podem ganhar.
Criou-se o mito de que a transição ecológica vai ter um custo; o custo da inação é superior ao custo do que vamos fazer para mudar. E não é um custo, é um investimento, porque vai trazer empregos. Por exemplo, na área da indústria solar vamos ter um milhão de empregos a ser criados só na União Europeia.
Qual a fonte desses números?
Vêm dos relatórios d'Os Verdes e de organizações independentes, não vêm só do grupo político. Mas isto permite-nos afirmar que podemos fazer uma transição com bons empregos, com bons salários e boas condições de vida. Não é uma questão de castração, uma questão de proibição. O discurso do Livre e dos Verdes Europeus é que isto é uma oportunidade de negócio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para fazer a transição energética.
"Infelizmente, os cientistas não têm muita força junto da opinião pública"
Podemos começar já por aqui, pela transição energética. E, já agora, pelo bloqueio de França.
Temos França a bloquear a energia ibérica por motivos puramente económicos e estratégicos e isso tem de ser falado e negociado lá.
A questão da transição energética, teoricamente, é simples: precisamos de investimento. Porque todas as transições se fizeram com investimento. Mas com as novas regras orçamentais, os sindicatos europeus já disseram que apenas três países vão cumprir as metas climáticas: Dinamarca, Suécia e Irlanda. Todos os outros não vão ter capacidade de investir nesta transição e, provavelmente, vão falhar as metas climáticas de 2030.
O que o Livre está a tentar vocalizar nestas eleições é precisamente que para fazer a transição energética precisamos de investimento público, porque nenhum sector privado vai avançar sabendo que vai perder dinheiro, pelo menos inicialmente.
Os Verdes mostram, através de relatórios e de estudos de organizações independentes, que esta transição traz vantagens económicas, traz indústria para a Europa, traz empregos, traz habitação a preços mais acessíveis e com melhores condições. Portugal é um dos países que mais sofre de pobreza energética. E quando falamos de pobreza energética não é só da capacidade de produção, onde Portugal tem a sorte de ter óptimas condições, por isso estamos tão à frente nas energias renováveis.
Nós achamos que é ambicioso mas possível ter 100% de energias renováveis na Europa em 2040. No fundo, temos 15 anos para largar os combustíveis fósseis. A primeira coisa que temos de fazer é tirar os subsídios aos combustíveis fósseis, ainda gastamos 300 mil milhões na União Europeia - isto numa indústria que dizemos que tem de acabar.
É preciso fazer esta transição para a energia solar, para a energia eólica, para as baterias, daí o lítio, porque o armazenamento de energia é muito importante. E o desenvolvimento. Não podemos esquecer que a ciência e a tecnologia andam lado a lado. Tem de haver investimento na ciência, porque estas baterias, infelizmente, têm um custo ambiental ainda grande, sobretudo à custa do lítio, mas também de outros materiais.
O Livre é a favor da exploração de lítio?
Não somos contra a exploração de lítio, somos é contra este tipo de processo que foi feito em Portugal, que é não auscultar as populações, achar que decidimos o sítio num gabinete em Lisboa sem falar com as pessoas no local, sem dar contrapartidas, sem perceber o que as pessoas pedem para se sentirem confortáveis com a exploração dessas minas perto das suas casas. Não houve esse trabalho.
A transição energética vai ter esse custo ambiental, e temos de ser honestos nisto. O painel fotovoltaico também tem materiais que, em larga escala, vão criar um dano para o planeta. Temos sempre de minimizar esses custos.
Consideramos que primeiro deve estar a questão ambiental, não do ponto de vista apenas do restauro da natureza, mas do ponto de vista da sustentabilidade de todas as políticas pensadas a nível ecológico. Ou seja, qualquer política que devamos desenvolver no Parlamento Europeu deve ter estas componentes associadas: a ecológica e a social.
Por outro lado, temos de falar de segurança, porque estamos com uma guerra à porta da União Europeia e temos de ser pragmáticos. Mas não é uma segurança apenas do ponto de vista da defesa militar - temos de nos tornar independentes dos outros países, não só da Rússia, mas também dos Estados Unidos. Neste momento não temos capacidade de defesa militar para nos defendermos de um eventual ataque russo, precisamos dos Estados Unidos. Também temos de falar da segurança a outros níveis, como a segurança alimentar.
Vou voltar atrás porque, segundo o Eurobarómetro, uma das prioridades dos cidadãos tem a ver com inovação e tecnologia. Nasceu com Portugal na União Europeia e não é o único candidato nestas condições. Os novos políticos nascem velhos, continuamos a falar dos assuntos como se estivéssemos no século passado?
Não. Há uma parte que não depende da geração, depende sobretudo dos partidos. Vejo no Livre ideias diferentes em relação à tecnologia. E vejo a aproximação à blockchain e à Inteligência Artificial, não com o intuito de travar a inovação por não a perceber, mas pelo contrário, para incentivar o caminho nessa direcção.
E podemos ver isso em relação à regulação da Inteligência Artificial, os Verdes Europeus votaram a favor deste regulamento. Não porque era o regulamento que queriam, mas porque é importante haver uma primeira regulação no mundo para este tipo de sistemas. Considero que a minha geração não sabe apenas mais sobre estes temas, como está mais pronta.
A questão não é só saber mais, é aplicar o que se sabe. Porque apesar dos enormes avanços continuamos a dar respostas iguais aos problemas. Faz sentido?
Tem razão, o tipo de resposta é o mesmo. Quem tem medo ou não conhece, não percebe, tenta castrar. Acho que isto só se pode mudar através dos partidos. Por isso é que o programa do Livre aborda estes temas sempre numa tentativa de explorar a ciência. Por exemplo, usar a blockchain para possibilitar o voto electrónico. Outro exemplo, a Inteligência Artificial tem imenso potencial para acabar com trabalhos, alguns dos quais não servem para nada. Mas é preciso ter coragem para assumir isso.
Nós queremos acabar com os trabalhos que não servem para nada, queremos acabar com os trabalhos que são uma pessoa a tirar fotocópias, queremos acabar com os trabalhos onde estão pessoas apenas a recolher ou preencher impressos. E o Livre tem a coragem de assumir isso. Dizer que queremos acabar com esses trabalhos não é dizer que essas pessoas vão ficar sem emprego, por isso é que também temos a parte do Estado Social e da inovação no Estado Social.
Sobre a Defesa, a maior parte dos países não cumpre a meta dos 2% do PIB e os americanos há muito que dizem que não querem ser apenas eles a financiar a NATO, que é uma aliança de vários países. É sustentável?
Penso que não temos de aumentar a verba, o que temos é de nos coordenar e uniformizar uma estratégia. Porque o que se tem passado é que cada país está por si nesta defesa militar. Por exemplo, temos sistemas de armas diferentes de país para país e que não comunicam entre si: Portugal compra ao Reino Unidos, outros países compram aos Estados Unidos.
O que temos de fazer é uma política de Defesa comum, direccionada para a parte de defesa e nunca para a parte de ataque. E, claro, sem esquecer os esforços diplomáticos pela paz, para prevenir conflitos em vez de reagir a conflitos. É um papel que a União Europeia pode ter.
"Na área da indústria solar vamos ter um milhão de empregos a ser criados só na União Europeia"
Uma fatia significativa das ajudas comunitárias chegou através da PAC - Política Agrícola Comum. Soubemos utilizar esse fundo para converter e modernizar a agricultura nacional?
A verdade é que nunca foi um sector rentável para os agricultores, acabou de ser rentável para as distribuidoras, para os supermercados. A culpa não é só da distribuição, mas é de toda a cadeia, que não foi feita para proteger os agricultores, que são quem realmente faz o produto. Vamos ver o preço a que os agricultores vendem e ficamos chocados com a diferença do preço nos hipermercados.
Mas há outras limitações, como a questão da agricultura intensiva. O que tem acontecido é que as grandes empresas é que têm capacidade para comprar grandes terrenos, que estão a secar até ao tutano durante dez anos para depois avançar para outras terras. Esta estratégia vai limitar os pequenos e médios agricultores que estão nessa região e acabam ir embora porque ficam sem água.
Considero que foi uma estratégia errada da parte da Comissão Europeia tentar alavancar a agricultura em grandes empresas e em grandes grupos. Percebo a ideia de conferir uma segurança alimentar e uma uniformização dos processos, mas a verdade é que levou à desertificação e uma degradação dos solos.
Uma das principais acusações das organizações ambientais à Europa é que houve uma perda brutal da qualidade dos nossos solos, sobretudo porque houve esta liberdade de qualquer grande empresa se estabelecer em qualquer país e produzir qualquer produto.
Já agora, e curiosamente, os Verdes Europeus propuseram para o mandato 2024-2029 onze prioridades e deixaram uma 12.ª para a população escolher. E a prioridade escolhida foi precisamente a da água.
E é muito engraçado, porque vemos que em Portugal este é um assunto - apesar de não ter a prioridade que devia, porque é realmente importante, especialmente no sul de Portugal, onde já existe uma situação de pré-emergência e já devíamos ter protocolos de definidos e programas de mitigação. Mas fiquei surpreendido por ver que na Europa consideraram a água uma prioridade.
Para o Livre e para os Verdes Europeus, tudo o que envolva recursos naturais, como é o caso da água ou do lítio, por exemplo, deve envolver as populações. Mas são assuntos pouquíssimo discutidos e depois gera-se uma polarização e acaba por não se fazer nada. Sinto que há aqui uma falta de acção e de discussão, e são estes recursos naturais que nos dão independência. Muitas vezes pagamos estes recursos a Estados autocráticos, como acontece com o gás natural, e financiamos Estados terroristas porque não fazemos bem a gestão desses recursos.
Nas últimas sondagens, os Verdes Europeus, os Liberais e os Socialistas perdem terreno. Como avalia esta quebra?
A questão tem a ver com os desafios que a Europa enfrente e, apesar de o Livre ter políticas sociais, elas nem sempre foram uma preocupação d'Os Verdes, para quem a justiça ambiental é também justiça social.
Catarina Martins, cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda, desafiou o Livre a mudar dos Verdes Europeus para o Grupo da Esquerda Europeia - onde de resto já esteve Rui Tavares. O que responde?
Dizemos que estamos muito bem nos Verdes Europeus, que era o nosso objectivo desde 2014 e que tem os três pilares que defendemos: ecologia, direitos humanos e democracia. è o grupo que vota mais unido no Parlamento Europeu.
Consegue dizer uma medida que Os Verdes tenham alcançado no Parlamento Europeu, destacar o trabalho de algum eurodeputado?
O relatório sobre a Hungria, de Rui Tavares. Foi a primeira vez que se colocou em destaque a falta de Estado de Direito na Hungria, que marcou uma posição que a União Europeia tinha de ter face a um Estado-membro que não estava a seguir o caminho democrático. Esse relatório ainda hoje é mencionado e levou ao reforço dos valores europeus.
Mas há dois momentos neste último mandato que gostaria de assinalar, embora não tenham a ver com o Parlamento Europeu. O primeiro é a emissão de dívida conjunta [mutualizada], uma coisa que em 2019 se dizia impossível e que passado um ano e meio foi um instrumento vital de investimento para os países. O segundo foi a compra conjunta de vacinas.
Sobre a emissão de dívida, é um empréstimo que vamos ter de começar a pagar já em 2028.
Temos de começar a pagar e o Livre avisa que não pode ser à custa do orçamento europeu, tem de ser com receita extra. Não podemos reduzir o orçamento europeu.
Onde vai a Europa buscar essa receita extra? Já aqui falámos de dinheiro para o ambiente, para a transição energética, para a defesa, para a PAC, para a justiça social...
Não podemos diminuir ainda mais o orçamento europeu, isso é ponto assente. E esta é uma discussão que não se tem feito, nem em Portugal, nem na Europa em geral: como é que em 2028 vamos começar a pagar a dívida. Porque vai ser neste mandato, mas ainda ninguém falou sobre isso.
Há mecanismos que podem ser criados, uma deles já foi aprovado, o mecanismo de carbono ajustado na fronteira, todos os produtos que vêm de fora têm de cumprir a nossa regulação e, portanto, em termos ambientais têm de pagar aquilo que danificam ao clima. Isso são recursos próprios.
Mas há outras soluções possíveis, como taxas sobre transacções financeiras, que não existem na Europa, mas existem em alguns países e o Livre defende que devem existir a nível europeu. Temos as taxas de carbono, que vão aumentar certamente, taxas sobre as grandes empresas que estão a actuar na União Europeia, com acesso a um mercado brutal, mas não contribuem para o orçamento europeu, para o desenvolvimentos dos países. E, embora os paraísos fiscais não vão acabar na Europa, com a criação da taxa mínima efectiva de 15% para as grandes multinacionais já avançámos alguma coisa.
Cada país pode contribuir um bocadinho mais, porque a dívida é conjunta, todos os países beneficiaram. E tem de haver solidariedade europeia, não pode ser uma coisa na teoria e outra na prática.
Como olha para o mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia?
Houve aspetos positivos e houve aspetos negativos. Teve a capacidade de gerir a pandemia, e isso é de louvar, e a capacidade de comprar vacinas em conjunto, algo que seria impensável há uns anos, até o PRR e a emissão de dívida conjunta. Essa é a parte positiva.
Teve uma parte média em relação à Ucrânia, em que houve várias velocidades de resposta, mas a direcção foi mais ou menos consistente e teve a capacidade de liderar esse processo.
A parte negativa: reação a Israel e Palestina, que foi a várias velocidades e em direcções diferentes. Tivemos o Parlamento e a Comissão a ir a Israel e tivemos o Alto Comissário a dizer que temos de apoiar a Palestina. Temos países pró-Palestina e temos países pró-Israel. Não houve aqui uma liderança europeia.
E há uma parte negativa atual, quando ouvimos Von der Leyen dizer, como ainda agora no debate sobre a União Europeia em Maastricht, que caso fosse necessário para ser a próxima presidente falaria com os conservadores. E aqui é uma viragem do Parlamento à extrema-direita e à direita radical pela primeira vez. Que, se lhe der a presidência, Von der Leyen assume como hipótese.
Acho que isso foi um sinal péssimo, especialmente quando no passado se virou para Os Verdes e em 2019 assumiu o Green New Deal [Novo Pacto Ecológico] como o seu projeto, a sua maratona. Agora, cinco anos depois, deita ao lixo a Lei do Restauro da Natureza ou a Lei dos Pesticidas e assume que poderá fazer uma aliança com a direita radical ou com a extrema-direita.
"Achamos que é ambicioso mas possível ter 100% de energias renováveis na Europa em 2040"
Que perguntas gostaria de ver respondidas no debate dos candidatos à presidência da Comissão Europeia?
Quais as linhas vermelhas de Ursula von der Leyen e com que partidos não negoceia para manter o seu posto.
É a favor das cercas sanitárias, como agora se diz?
Sim, achamos que há linhas vermelhas. O Livre considera que pessoas que propagam discursos de ódio ou que propagam desinformação não são pessoas que quer ter ao seu lado. São pessoas que quer identificar e manter bem longe da democracia europeia.
O PPE votou contra o aborto na Carta Fundamental dos Direitos Humanos, tanto na Europa como cá. Quando temos pessoas no centro-direita contra direitos que consideramos básicos para as mulheres, são pessoas que claramente estão a ir por outro caminho que o Livre não considera que seja correto e que em alguns casos é até democrático.
Falou em direitos humanos. Outro temas que preocupa os cidadãos é a imigração. Os Verdes votaram contra o Pacto para as Migrações e Asilo, porquê?
É um Pacto que permite separar crianças das famílias e, além disso, há uma questão curiosa e triste, coloca um custo numa vida humana: um país pode rejeitar um refugiado se pagar 20 mil euros. Para nós isto é impensável.
Outro erro é pagar a outros para receberem refugiados, porque estamos a externalizar para países terceiros que não seguem os direitos humanos. É um erro. E quando desligarmos a torneira do dinheiro eles têm lá os migrantes na mesma e voltam a encostá-los à fronteira, foi o que aconteceu na Turquia, em que fizeram corredores humanitários até à fronteira com a UE e disseram: precisamos de fundos para tratar deles. Só que, claramente, sabemos o que acontece a esses fundos, não vão para essas pessoas, usadas como arma diplomática.
" Confio no projecto europeu e quero que o projecto europeu se desenvolva"
Qual a solução para estes milhões de migrantes?
Primeiro tem de se assumir que é um problema, e acho que a Europa nunca teve a coragem de o assumir, tentou sempre ir gerindo as coisas. Isto não é caso a caso, o fluxo migratório vai aumentar, teremos cada vez mais pessoas a tentar entrar na Europa. Ponto dois, tem de ter na fronteira mecanismos burocráticos rápidos e temos de ter projetos de inclusão logo a partir da fronteira. Ou seja, quando estas pessoas entram no espaço europeu têm de perceber onde entraram e temos de fazer a ligação entre culturas e temos de ter isso bem mapeado para tentar um ambiente de inclusão.
Em Portugal temos o caso do Fundão, onde há várias histórias de sucesso, precisamente porque há esse acompanhamento e há essa aproximação. Depois, claro, depende de cada país criar esses programas de inclusão, que em Portugal não existem ou existem pouco.
Os Verdes têm dois candidatos à Comissão Europeia, um homem e uma mulher: Terry Reintke e Bas Eickhout. São a escolha do Livre?
Sim, estamos contentes com a nossa decisão. A proposta do Livre e dos Verdes Europeus é ter os dois presidentes em rotatividade ou ao mesmo tempo, uma presidência bicéfala.
Rui Tavares já esteve no Parlamento Europeu e lá desvinculou-se do partido pelo qual foi eleito. Temos outros exemplos a nível europeu. O que fará se entrar em colisão com o Livre?
Depende da situação. O representante do Livre vai defender um programa e vai defender um partido. Se a causa for contrastar com essas posições, a pessoa é que tem de abandonar. Se for outro tipo de intrigas, vai depender da situação, não sei como foi nos casos que mencionou. Mas em condições normais é a pessoa que tem de sair.
"Assumindo-me eu como pessoa de esquerda e europeísta, via à esquerda do PS algum euroceticismo, até alguma eurodescrença que eu não tinha"
Olhando para as comissões do Parlamento Europeu, e sabendo Portugal só elege 21 deputados, em quais gostaria de estar, em quais sente que poderia fazer a diferença?
Há três para as quais penso que poderia dar o meu contributo - além daquelas óbvias, como a do Ambiente e da Agricultura, sabendo da dificuldade de um português vir a tomar conta dessas. Diria, por isso, a da Energia, Indústria e Ciência, por ser próxima da minha área, a dos Direitos Humanos, uma sub-comissão da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, porque é muito abrangente, mas ligada ao Livre. E uma menos óbvia, mas que é interessante, a do Orçamento, porque é a que decide onde vamos meter o dinheiro e como. Podemos ter uma vantagem política em estar nessa comissão, menos apetecível do ponto de vista teórico e técnico, mas das que tem mais impacto do ponto de vista do pragmatismo.
Quais são os objetivo do Livre para as europeias?
Os objetivos são eleger uma delegação, dois deputados. Acreditamos na coragem da nossa menagem e acreditamos até que pelo ADN do partido, precisamente num tempo em que a extrema-direita cresce, em que as metas climáticas não são atingidas, achamos que podemos ter esse crescimento.
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