Os dados foram revelados pelo Governo, esta segunda-feira. A ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, assinou o despacho que reconhece essa situação, isto depois de receber os dados mais recentes do IPMA. “Isso permite-nos, junto da Comissão Europeia, dizer que estamos em situação de seca”, salientou a governante.

João Santos, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e investigador no Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB), é um dos mais conscientes do que se passa no nosso país, em termos de seca, não fosse ele considerado um dos investigadores mais influentes do mundo em matérias de alterações climáticas. Confrontado com os dados do Governo, o especialista parece não ter dúvidas sobre os mesmos.

"A informação que temos sobre este assunto é a que consta da página do IPMA, que nos dá a situação nessa ordem de grandeza, que uma grande parte importante do país está em seca moderada e severa. Só ainda não sabemos se haverá já casos de seca extrema", começa por dizer João Santos ao SAPO24.

Antes de avançarmos para algumas soluções avançadas pelo investigador português - e também por outros de escala mundial -, cabe-nos tomar o pulso à realidade portuguesa, isto porque ainda estamos apenas no quinto mês de 2023 e nem ao verão chegámos. Haverá culturas em risco?

"Neste momento, a preocupação maior nem é tanto nas culturas, mas sim nas regiões. Há barragens, como as do Barlavento algarvio e do sudoeste alentejano, com níveis demasiado baixos. Essas zonas serão primeiramente as mais afetadas, todas as culturas ali presentes poderão ser duramente afetadas. A prioridade será sempre o consumo humano, essa é a prioridade absoluta. Veja-se que no Algarve, por exemplo, muito recentemente foi cortada a rega para os laranjais, tudo por uma questão de poupança para consumo humano. Mais que culturas neste momento, são as regiões que mais dores de cabeças poderão dar", referiu o docente da UTAD, que lança o alerta.

"Assumindo que as secas vão ser cada vez mais frequentes, esta é só mais uma. E poderá estar apenas no início, ainda temos o verão pela frente. O problema em setembro e outubro poderá ser significativamente mais grave", diz.

"Neste momento, a preocupação maior nem é tanto nas culturas, mas sim nas regiões. Há barragens, como as do Barlavento algarvio e do sudoeste alentejano, com níveis demasiado baixos"João Santos, investigador

As medidas imediatas

As alterações climáticas são mais do que evidentes no planeta Terra. Todos os anos se discute o tema, todos os anos há conferências sobre o mesmo e todos os anos os intervenientes - leia-se governos e países - concordam em fazer algo por mudar a situação. Todos os anos, no entanto, há sempre atrasos para levar adiante os acordos assinados sobre as alterações climáticas.

João Santos está consciente disso mesmo. "Para reverter a atual situação mundial teríamos de reduzir os efeitos estufa para a atmosfera. No entanto, isto exige uma posição concertada a nível mundial e há sempre muitos entraves. Há sempre países que por esta ou aquela razão colocam os tais entraves e os projetos não avançam", refere.

Trinta e seis por cento do continente em seca severa e extrema
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Sem se poder decidir pelos outros, há, contudo, formas de avançar em Portugal. "Há culturas muitos resistentes ao sol, que podem ser trazidas para Portugal. Não temos de abandonar completamente as nossas culturas, temos é de nos adaptar a outras. É mais fácil uma adaptação a novas culturas do que resolver um problema mundial, como é a redução dos efeitos de estufa. E depois há práticas que também têm de ser ajustadas. Numa altura que não há água, não a podemos esbanjar. O sistema gota a gota tem de ser a solução, dar apenas às culturas o que elas precisam para terem um mínimo de saúde, para o seu desenvolvimento ser o mais normal possível. Veja-se o caso de Israel, um país com pouca água, mas que ao longo dos anos desenvolveu uma agricultura avançada", assinalou João Santos.

"Para reverter a atual situação mundial teríamos de reduzir os efeitos estufa para a atmosfera. No entanto, isto exige uma posição concertada a nível mundial e há sempre muitos entraves"

Esta consciência, de poupança ou adaptação a novas culturas, diz o investigador, estará já enraizada junto da maioria dos produtores nacionais.

"Há setores com necessidade de água diferentes, mas já começa a haver uma consciência muito grande da necessidade de preservar de recursos hídricos e da implementação de sistema de rega inteligente. São decisões que foram tomadas por muitos agricultores, que controlam muito mais esta situação e que também já se adaptaram a novas práticas agrícolas, de maneira a que os diversos setores possam sobreviver", referiu João Santos, que também aponta o dedo ao desperdício fora dos campos agrícolas.

"O problema da má gestão da água não é apenas na agricultura. Por exemplo, nas redes municipais de distribuição de água temos perdas enormes que poderiam ser utilizadas de outra forma. A água desperdiçada em rega de jardins públicos, piscinas, campos de golfe, este caso que se comenta muito, há muitos casos destes. Terá de haver uma necessidade de cortar essas perdas. Uma coisa é regar uma vinha ou olival, outra um jardim ou um relvado numa rotunda", salienta.

"Há culturas muitos resistentes ao sol, que podem ser trazidas para Portugal. Não temos de abandonar completamente as nossas culturas, temos é de nos adaptar a outras"

Pulso mais apertado por parte do Governo

A questão da poupança da água está, acima de tudo, na consciência de cada um. Seja no posto de trabalho, em lazer ou mesmo em casa. Quem abre ou fecha uma torneira somos nós, o ser humano. E se nem todos têm bom senso, então terão de ser "os decisores a tomar medidas mais apertadas".

"Muitas vezes os políticos, os decisores, não têm coragem de tomarem decisões importantes. Temos muito desperdício infundado de água em Portugal, que não traz benefícios a ninguém. Antes era necessário elencar os problemas, mas agora existem já muitos estudos feitos sobre o tema, muitas informações por parte da comunidade científica. Assim, é preciso que os decisores consigam reunir toda essa informação e a coloquem em prática. Toda a sociedade tem culpa deste grave problema, não há dúvidas disso. Mas se nenhum político pode colocar um polícia em casa de cada cidadão, então tem, naturalmente, de existir um pulso mais apertado por parte de quem toma decisões", concluiu o docente da UTAD.