Decidir sobre o futuro é sempre uma escolha difícil. É uma que milhares de alunos fazem quando acabam o ensino secundário e uma que repetem quando chega a hora de irem trabalhar ou de seguir o seu percurso académico num mestrado ou num doutoramento. Para quem segue a via académica, esta é uma decisão especialmente complexa porque além da escolha da área em que se vai prosseguir a sua formação superior, também há também a questão de onde o fazer e de como financiar todo o processo.
Nos últimos quinze anos, Portugal passou de 5.391 alunos inscritos em mestrado para 34.836 (estes últimos números referentes a 2020) e de 1.757 inscritos num doutoramento para 5.692, de acordo com a PORDATA. Por um lado, isto é resultado da maior procura por especialização no mercado de trabalho, no qual, em muitos casos, ter “apenas” uma licenciatura deixou de ser suficiente. Por outro, demonstra também um crescimento da reputação da vida académica, acompanhado pelo maior investimento feito em investigação e na produção de conhecimento no nosso país. A acompanhar estas tendências, está também o desenvolvimento das nossas universidades enquanto produto educativo, o que leva a que, ano após ano, cada vez mais estrangeiros escolham Portugal para iniciar ou continuar os seus estudos ou investigações. Segundo o INE, em 2020, já são mais de 65 mil cidadãos não portuguesas a frequentar cursos e projetos de investigação nas mais diferentes áreas.
A Fundação “La Caixa” e o Banco BPI não passaram ao lado destes fenómenos e há vários anos que ajudam centenas de alunos e investigadores científicos em todo este processo, disponibilizando bolsas ou “fellowships” que dão a estabilidade financeira necessária para que estes se possam focar naquilo que interessa: desenvolver as suas competências e produzir conhecimentos que possam ajudar a resolver os maiores desafios da Humanidade.
Três dessas pessoas foram Pedro Matos Pereira, Carolina Paulino Pacini e Andrada Ianus que, à sua maneira, estão a avançar a investigação nos seus campos científicos. Todos passaram por experiências diferentes para serem selecionados, ainda que tenham pelo menos uma coisa em comum: souberam usá-las para se conseguirem destacar entre os milhares de candidatos que passaram por edições anteriores da Bolsa da Fundação “La Caixa”. Com as candidaturas para 2021 já abertas, Pedro, Carolina e Andrada revelam um pouco do seu trabalho e partilham dicas para quem está agora a decidir candidatar-se.
Não foi à primeira, foi à segunda
“Quando uma pessoa vai para este tipo de concursos assume logo que todas as propostas científicas são excelentes, toda a gente que se está a candidatar tem uma boa ideia, tem um problema muito objetivo para resolver e esse problema é um problema real da sociedade.”
Foi esta a maneira como Pedro Matos Pereira olhou para a Bolsa da Fundação “La Caixa” na primeira vez que se candidatou, há alguns anos. Ainda passou algumas fases no processo de seleção, mas depois de uma entrevista não muito bem-sucedida acabou por não ser um dos escolhidos. Mas teria uma nova oportunidade.
Todo o seu percurso académico foi maioritariamente feito em Portugal, na Universidade Nova de Lisboa. Uma licenciatura em Química Aplicada, um mestrado em Biotecnologia e um doutoramento em Biologia Celular fizeram parte de “um percurso pouco ortodoxo”, nas suas próprias palavras. Seguiram-se cinco anos em Inglaterra, num pós-doc (pós-doutoramento ou estágio de investigação) que o deixaram preparado para se candidatar novamente à Bolsa da “La Caixa” agora com um novo propósito – o de ter o seu próprio laboratório e equipa de investigação.
O “salário do investigador” e o facto de a bolsa permitir “alguma independência científica” foram as razões que o levaram a tentar mais uma vez, agora com mais provas dadas, depois de ter passado por aquilo a que “os ingleses chamam de service”, ou seja, a participação numa série de comités de alunos e de associações onde teve um papel preponderante na tomada de certas decisões. Outro dos motivos que o levou a apreciar o processo de atribuição da Bolsa foi a importância relativa dada ao trabalho científico publicado. “Já não é só [relevante] se publicaste na Nature ou na Science, e se tens aquela publicação toda xpto (...). Algumas fontes de financiamento estão a fugir dessa visão mercantilista da ciência e mais a olhar para a pessoa como um pacote global de várias experiências, de um percurso rico”, remata, ao falar sobre mudanças gerais que estão a acontecer na análise de candidaturas a este tipo de bolsas.
Quando desafiado a partilhar uma dica para futuros candidatos, Pedro não hesita em reforçar aquilo que o destacou: “eu diria que experiência é sempre super importante (...), mas se uma pessoa fez licenciatura e mestrado e o mestrado correu muito bem e tem trabalho para mostrar, não há razão nenhuma para não se candidatar diretamente a uma bolsa de doutoramento altamente competitiva.” Isto porque os próprios jurados, que têm nas suas mãos a decisão de atribuir as bolsas, acabam por também ser bastantes diversos entre si, com diferentes níveis de experiência, de currículo e de expectativas, permitindo, por isso, empatia com diferentes tipos de candidaturas.
Agora com o seu laboratório e equipa instalados, Pedro Matos Pereira está a cumprir o seu sonho, trabalhando na compreensão o comportamento das bactérias e a sua reação a antibióticos. “Na realidade, não estão só à superfície, ou seja, dentro ou fora, elas conseguem entrar para dentro das nossas células, e ao entrar para dentro das nossas células conseguem sobreviver (...) Como é que elas vão para dentro das nossas células? Como é que elas evitam que as nossas células saibam que elas lá estão? Quando as nossas células detetam que têm uma bactéria dentro como é que se livram dela? Em termos gerais é isso que quero compreender”, refere.
A vantagem de ter certezas tão cedo
Por vezes, escolher o curso é só o primeiro passo num conjunto de indecisões ainda à nossa espera. Para Carolina Paulino Pacini foi praticamente o início da sua carreira de investigação, com um interesse precoce em imunologia que, nas suas palavras, “foi sorte”
Tudo começou com o interesse em biologia no liceu, onde Carolina já gostava de trabalhar num laboratório e onde se apaixonou pela imunologia e por estudar o corpo humano porque, como explica, “há tanta coisa que ainda não sabemos, o sistema imunológico é muito complexo, muito dinâmico, e era algo que eu queria aprender mais”.
Com o caminho bem traçado, acabou por se inscrever no curso de Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde começou a estudar e a investigar desde cedo as células t reguladoras, isto é, as células responsáveis pela defesa do nosso sistema imunitário contra vírus e bactérias. Este trabalho prolongou-se para o seu mestrado e ainda para o seu estágio de iniciação científica, que decorreram na mesma universidade.
Do Brasil até Portugal, o caminho foi tudo menos fácil. Carolina tinha um desejo forte de prosseguir a sua formação académica e de crescer no estrangeiro, referindo que “sabia que teria mais condições em termos de infraestruturas para poder realizar uma pesquisa de qualidade” face às dificuldades e percalços financeiros no sistema de ensino do seu país. Tomou conhecimento da Bolsa da Fundação “La Caixa” através do Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, recomendado pelos professores que a acompanhavam no Brasil. Entrou em contacto com professores do IMM que, por sua vez, a colocaram a falar com um aluno que lhe apresentou o programa de bolsas como uma boa oportunidade para atravessar o Atlântico.
Da conversa até um voo de 12 horas para Barcelona para a série de entrevistas finais de seleção dos bolseiros, tudo aconteceu muito rápido. Começou por preparar a sua carta de motivação, onde considera que a originalidade e paixão pelo tema de estudo (que no seu caso não foi complicado) são fatores decisivos para o júri. De seguida, reuniu cinco cartas de recomendação de professores, apesar de o comité da bolsa apenas requerer três, o que foi outro fator importante para dar algum reconhecimento ao trabalho que tinha estado a desenvolver.
Quanto ao stress, esse só apareceu mesmo na fase final. “Eu tive de sair do Brasil e enfrentar doze horas de voo para ir para Barcelona, ficar 3 dias e voltar para o Brasil, não foi assim tão trivial para mim, mas foi o mais desafiador, é uma situação de mais stress. A entrevista é com vários jurados, então é uma pressão maior, mas correu bem. Eu digo que acho que é importante preparar bem esses momentos, temos vinte minutos para dar o nosso melhor nas respostas", conta.
Tudo acabou por correr bem e, após ser selecionada, Carolina escolheu mesmo o IMM para fazer o seu doutoramento, onde já completou o primeiro de três anos, todos cobertos pela bolsa da “La Caixa”. Questionada sobre o futuro, Carolina partilha que seu “objetivo de carreira" é tornar-se líder do seu próprio grupo".
"[Quero] ter o meu próprio grupo de pesquisa para poder continuar a estudar imunologia. Sei que é um caminho que ainda é um pouco longo, é preciso continuar a estudar, continuar a produzir artigos científicos, ganhar mais experiência (...), mas a carreira académica é o que quero perseguir”, refere.
Ser a melhor pessoa no melhor projeto
Antes de chegar a Portugal, Andrada Ianus andou um pouco por toda a Europa. Nasceu mais a Leste, na Roménia, onde fez toda a educação antes de ir estudar Física para uma universidade em Bremen, na Alemanha. Foi lá que ganhou interesse em Imagiologia Médica (tecnologias de imagem para fazer diagnósticos médicos), depois de um estágio curricular que levou a que três anos mais tarde fosse para Londres fazer o seu mestrado e doutoramento na área, na University College of London.
Ao doutoramento seguiram-se mais quatro anos de investigação neste campo, período no qual os laços com Portugal começaram a ser criados. “Comecei a colaborar com a Fundação Champalimaud e (...) começámos a discutir [Andrada e Fundação Champalimaud] que seria uma boa oportunidade mudar-me para Portugal depois do meu pós-doc e, então, comecei à procura de quais seriam as melhores bolsas a apoiar a mudança de investigadores de um país para o outro”.
Foi nestas conversas que surgiu a bolsa da Fundação "La Caixa" para a qual se candidatou pela primeira vez há dois anos, sem sucesso. “Fiquei muito próxima de a conseguir, mas não consegui. Acho que na segunda vez estava mais bem preparada para a entrevista”. O que mudou, então? O impacto da bolsa na sua investigação e a carreira como líder na sua área científica.
“O stress e a pressão da entrevista estão sempre lá, acho que podia passar por aquele processo cem vezes e ia sempre ficar ansiosa com a situação”, partilha de forma descontraída. Em Portugal desde junho de 2019, para Andrada a adaptação ao nosso país foi bastante fácil. Ao contrário da maior parte dos investigadores que se deslocam para uma nova realidade, a investigadora já conhecia bem a cidade de Lisboa, assim como as pessoas com as quais começou a trabalhar na Fundação Champalimaud.
Sobre a bolsa, a investigadora romena não tem nada senão elogios: “Eles apoiam os projetos e os nossos salários, e dão todas as oportunidades de treino e de networking, mesmo online. Preocupam-se com os investigadores e querem estar envolvidos no processo", ou seja,"não é só uma questão de 'toma lá o dinheiro e faz com ele o que quiseres'”, conta.
Para os candidatos da edição de 2021, deixa uma dica: “ser a melhor pessoa no melhor projeto”. Na sua opinião, é importante deixar bem claro na candidatura a ideia por detrás do projeto de investigação, a sua originalidade e a sua relevância, enquanto que na entrevista é essencial demonstrar conhecimento no seu campo científico e dar boas razões para que a escolha recaia sobre si. “No final acaba por ser um pacote composto pela tua ideia e pelas razões que dás para seres a pessoa ideal para receber a bolsa”, conclui.
O futuro de Andrada poderá trazer resultados promissores para a Humanidade. Desafiada a explicar a sua investigação em poucos segundos, não perde nem um a estruturar a resposta.
“O que estou a tentar fazer é a desenvolver uma nova tecnologia e metodologia para ressonâncias magnéticas que podem dar melhores informações e dados sobre a composição e organização microscópica do cérebro. A ideia é usar esta tecnologia para estudar como é que o cérebro de alguém com Alzheimer muda com o tempo e permitir que esta pessoas possam ter um diagnóstico mais cedo.” Simples, certo? Ficamos à espera de novidades.
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