Num relatório publicado hoje, a ONG acusa a companhia brasileira de não monitorizar os seus fornecedores indiretos de gado bovino, indicando ainda que pode estar em causa um alegado esquema de “lavagem de gado”, em que os animais são movidos por fazendas intermediárias para fazer parecer que estavam em área legal, contornando os sistemas de monitorização existentes.
A Amnistia Internacional baseou-se em documentos oficiais de controlo de saúde animal que mostram que a JBS adquiriu diretamente gado de uma fazenda na Reserva do Rio Ouro Preto, no estado de Rondônia, em duas ocasiões em 2019.
Além disso, em 2019, a JBS comprou repetidamente gado de dois agricultores que operam fazendas ilegais em áreas protegidas e fazendas legais fora das zonas restritas.
“Um dos fazendeiros pasta ilegalmente gado na Reserva Rio Jacy-Paraná e outro no território indígena Uru-Eu-Wau-Wau (ambos Rondônia)”, apontou a ONG.
Em cada um dos casos, os agricultores registaram movimentos de gado de uma fazenda de dentro de uma das áreas protegidas, para uma outra quinta fora da área protegida e, em seguida, assinalaram movimentos separados de bovinos da fazenda legal para a JBS.
“Em dois casos, a segunda transferência foi registada apenas minutos depois. Ambos os movimentos envolveram um número idêntico de bovinos, com faixa etária e sexo idênticos. Nesses casos, o gado tinha mais de 36 meses, uma idade típica em que é transferido para abate. Segundo especialistas entrevistados pela Amnistia Internacional, isso poderia sugerir a prática de lavagem de gado”, advogou a ONG no seu relatório.
Confrontada pela Amnistia Internacional, a JBS respondeu que “não compra gado de nenhuma fazenda envolvida no pastoreio ilegal em áreas protegidas” e que tem “uma abordagem inequívoca de desflorestação zero em toda a sua cadeia de suprimentos”.
A companhia frisou ainda que “monitoriza de perto os seus fornecedores quanto à conformidade de todos os aspetos” da sua “Política de Compras Responsáveis” e “não identificou anteriormente problemas relacionados com violações dos direitos humanos de comunidades indígenas ou outros grupos protegidos”.
No entanto, segundo a ONG, a JBS optou por não responder a uma questão sobre a monitorização de fornecedores indiretos, observando que “a rastreabilidade de toda a cadeia de abastecimento de carne bovina é um desafio para toda a indústria e uma tarefa complexa”.
O Brasil tem 214 milhões de bovinos, mais do que qualquer outro país. A sua indústria de carne bovina, no valor de 618 mil milhões de reais (cerca de 100,6 mil milhões de euros), responde por 8% do seu Produto Interno Bruto (PIB).
Contudo, a região amazónica registou o maior crescimento na indústria pecuária brasileira. Desde 1988, o número de bovinos naquela floresta tropical quadruplicou para 86 milhões em 2018, representando 40% do total nacional, segundo dados da ONG.
Parte dessa expansão está a destruir grandes áreas de floresta tropical protegida em territórios e reservas indígenas. No total, 63% da área desflorestada de 1988 a 2014 tornou-se pastagem para gado – uma área cinco vezes maior que Portugal.
Embora o estudo tenha revelado falta de controlo na cadeia de abastecimento por parte da empresa brasileira, a ONG não encontrou indícios de que a JBS estivesse diretamente envolvida em abusos de direitos humanos cometidos nos locais onde a investigação foi realizada.
Nas terras protegidas visitadas pela Amnistia Internacional, porém, têm sido registadas apropriações ilegais de terras, em grande parte para dar lugar a fazendas ilegais para pastoreio de gado.
“Ameaças, intimidação e violência geralmente acompanham essas invasões ilegais de terra, que ocorrem num contexto mais amplo de violência rural. Segundo uma estimativa, ocorreram sete assassinatos, sete tentativas de assassinato e 27 ameaças de morte contra indígenas na região amazónica do Brasil em 2019″, informa o relatório da organização.
Segundo relatou Sara, uma ex-residente de uma reserva que foi despejada das suas próprias terras em 2017, “tudo se tornou em terra agrícola”.
Face à situação a envolver a JBS, a Amnistia Internacional instou aquela que é a maior produtora de carne bovina do mundo a tomar medidas até ao final deste ano para remediar as suas ações e evitar que se repitam.
A organização alerta para o não cumprimento das devidas diligências previstas nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos de monitorização efetiva para impedir a entrada na cadeia de fornecimento e na comercialização de gado criado de forma ilegal.
A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e tem a maior biodiversidade registada numa área do planeta, com cerca de 5,5 milhões de quilómetros quadrados, e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (pertencente à França).
Comentários