Divulgado perto da meia-noite de quarta-feira, o relatório de 48 páginas documenta uma série de graves violações de direitos humanos contra uigures e outras minorias muçulmanas nesta região do oeste da China.
O documento considera as acusações de tortura "credíveis" e aponta que "a extensão da detenção arbitrária e discriminatória de uigures e outros grupos de maioria muçulmana (...) pode constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade".
Mas o relatório não menciona a palavra genocídio em momento algum, algo que as autoridades chinesas não hesitaram em destacar.
A dificuldade em provar um crime de genocídio deve-se ao facto de que este não se baseia apenas em atos, já que a intenção de eliminar um grupo também é crucial.
Nikita White, da Anistia Internacional na Austrália, aponta essa dificuldade em entrevista à AFP: as conclusões do relatório publicado pelo Alto Comissariado "são muito sólidas e muito sérias", mas "para chegar à acusação de genocídio, a ONU tem de provar a intenção".
"Tal é realmente difícil de provar quando o acesso a Xinjiang é limitado", acrescentou. Não obstante, os Estados Unidos e as assembleias legislativas de vários países ocidentais acusam Pequim de genocídio.
"Este relatório reforça e reafirma a nossa grave preocupação com o genocídio e os crimes contra a humanidade" em Xinjiang, disse o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, na quinta-feira.
"Nós não realizamos nenhum julgamento sobre esta questão específica", disse a porta-voz do Alto Comissariado, Ravina Shamdasani, à AFP. "As informações disponíveis avaliadas de acordo com as nossas próprias normas não nos permitem fazê-lo por enquanto", acrescentou.
A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, adotada após a Segunda Guerra Mundial, registou este crime pela primeira vez.
É o primeiro tratado de direitos humanos adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. Define genocídio como atos "cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".
Isso inclui o assassinato de membros do grupo, mas também a imposição de medidas para evitar nascimentos, a transferência forçada de crianças para outros grupos, "danos corporais ou mentais graves" ou a "sujeição intencional do grupo a condições de existência que provoquem a sua destruição física, total ou parcial".
Mas tal definição também implica intenção, que "é o elemento mais difícil de determinar", de acordo com uma ficha da ONU sobre a convenção. A destruição cultural não é suficiente. "É a intenção especial, ou dolus specialis, que torna o crime de genocídio único", aponta.
Embora não se refira ao genocídio, o relatório usa estatísticas oficiais chinesas para documentar a mudança na população de Xinjiang.
De uma desvantagem numérica de mais de dez para um em 1953, os chineses estão agora quase no mesmo nível dos uigures, em grande parte por causa da migração do leste da China para o oeste, geralmente incentivada pelo governo.
O relatório também observa a "incomum e brutal" redução pela metade da taxa de natalidade na região, especialmente entre os uigures. Também destaca o "aumento incomumente forte" na taxa de esterilização na região, que é mais de sete vezes maior que a média na China.
“Há indícios críveis de violações dos direitos reprodutivos por meio da aplicação coercitiva de políticas de planeamento familiar desde 2017”, afirma o texto.
O Escritório das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio, com sede em Nova Iorque, avalia se há risco de genocídio e procura métodos para tentar preveni-lo. Já a ONG Uyghur Human Rights Project quer que o escritório faça uma avaliação de risco imediata.
"Embora não fale de genocídio, acredito que os grupos uigures ou investigadores chamariam a isto de genocídio", disse à AFP Peter Irwin, desta organização, sobre o relatório.
Comentários