“Acho que, para ser muito franco e muito direto, não termos esses instrumentos à nossa disposição nos traria um grande nível de vulnerabilidade. No final do dia, seria uma traição aos valores e interesses europeus”, referiu Gomes Cravinho durante um seminário virtual do Instituto Egmont, intitulado “O futuro da defesa europeia e as prioridades da presidência portuguesa”.
Frisando que lhe parece “óbvio” que a UE precisa de “capacidades militares para ajudar a responder a desastres naturais” e outras “emergências complexas” como a atual pandemia, o ministro salientou que estas capacidades deveriam complementar “a caixa de ferramentas europeia” em termos de ação externa, caso contrário os instrumentos de “comércio e de desenvolvimento” ficariam “muito enfraquecidos”.
“A verdade é que, neste contexto multipolar no mundo em que vivemos, temos de ser capazes de projetar força militar mesmo que a força militar não venha a ser utilizada enquanto tal. Precisamos dela para gerar tração para os nossos outros instrumentos: os nossos instrumentos diplomáticos, políticos e comerciais. Precisamos de tornar o mundo seguro para a Europa e para os europeus”, apontou.
Ao citar uma alegada frase do estadista europeu Paul-Henri Spaak — “só há dois tipos de poderes europeus: os poderes pequenos e os poderes pequenos que ainda não se aperceberam que o são” — Gomes Cravinho reiterou que a UE tem de “jogar no campeonato” de superpotências como a China, a Rússia, os Estados Unidos e a Índia.
“Esse tem de ser o nosso nível de ambição: nós somos multilateralistas mas não podemos ser multilateralistas ignorantes. Temos de perceber as dinâmicas do mundo que enfrentamos e isso requer que nos afastemos de visões simplistas e ultrapassadas, e que nos comprometamos plenamente com uma política comum de segurança e de defesa eficaz”, referiu.
Nesse âmbito, Gomes Cravinho reiterou a necessidade de se assegurar a “segurança marítima” da UE, identificando o desenvolvimento dessa vertente como uma das prioridades da presidência portuguesa, e lembrando que a “UE é uma economia baseada nas exportações”, o que faz com que a “segurança marítima seja vital”, até para os “Estados-membros que não têm zonas costeiras”.
“Cerca de 90% do comércio externo da UE, e cerca de 40% do comércio interno, é transportado por via marítima. Isso, só por si, é prova da relevância das nossas zonas costeiras”, afirmou.
O ministro reforçou ainda que “o mundo, incluindo a Europa, está crescentemente dependente de cabos submarinos de comunicação para o tráfego digital” e que os oceanos se tornaram numa área de competição geopolítica.
“Vemos que o Atlântico ganhou uma nova centralidade geopolítica, em que a Rússia tem duas novas fontes de acesso, através do Ártico, e através do Mar Negro e do Mediterrâneo. Vemos que a China está a investir massivamente em meios navais, ao ponto em que irão brevemente ter uma força naval que rivalizará com a dos Estados Unidos”, reconheceu.
À crescente presença de superpotências nos oceanos, Gomes Cravinho contrastou a postura europeia, referindo que “a realidade é que no desenvolvimento de uma identidade europeia de defesa falta quase inteiramente uma dimensão marítima”.
“Por isso, temos de trabalhar nisso, passo a passo, e assegurarmo-nos que a nossa cultura estratégica também deve ser marítima”, salientou.
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