
Num artigo de opinião publicado no semanário Expresso, intitulado "Honrar a Democracia", e no qual Henrique Gouveia e Melo nunca declara oficialmente uma candidatura a Belém, o ex-Chefe do Estado-Maior da Armada defende que "transformar a Presidência num apêndice dos interesses partidários é uma ameaça à capacidade da democracia liberal de manter um sistema equilibrado e funcional".
"As pontes não se constroem sobre redes de influência, compadrios ou intrigas político-partidárias, mas sim sobre consensos assentes em valores humanitários, no desejo de liberdade, prosperidade e solidariedade efetiva, e, acima de tudo, na defesa intransigente da democracia liberal", lê-se no texto, depois de Luís Marques Mendes, candidato presidencial, ter defendido que o próximo inquilino de Belém deve ter um papel de "construtor de pontes".
O militar na reserva - que neste artigo se posiciona politicamente "entre o socialismo e a social-democracia, defendendo a democracia liberal como regime político" - sustenta a tese de que "nenhum Presidente pode ser verdadeiramente 'de todos' se estiver claramente associado a uma fação política, pois não terá a independência necessária para representar o interesse coletivo".
"O Presidente não está ao serviço dos partidos, está ao serviço dos portugueses e de Portugal. Garante a Constituição, a união e a integridade do país e é, por isso, um poder-contrapoder de um sistema democrático equilibrado ao serviço da liberdade, segurança, equidade e prosperidade dos portugueses e, consequentemente, de Portugal", considera.
Um dos poderes informais mais importantes do Presidente, continua Gouveia e Melo, "é o poder da palavra": "Quando o Presidente fala, não é um cidadão comum, é a República. Tem a obrigação de usar a palavra seguindo as regras da relevância, isenção, equilíbrio, contenção e gravitas".
"Na conjuntura atual, um Presidente sem a independência necessária afunila a democracia. Por isso, a bem do sistema democrático, devemos querer um Presidente isento e independente de lealdades partidárias", sustenta.
Face à inexistência de uma maioria parlamentar na Assembleia da República, o almirante acusa os principais partidos de terem “a tentação” de procurar eleger um chefe de Estado “alinhado com a sua área política”, que funcione como “instrumento partidário para desequilibrar ou sustentar a governação atual”.
Para Gouveia e Melo, “um sistema político sem pesos-contrapesos é um sistema mais frágil, sem escrutínio e, consequentemente, mais vulnerável aos ventos que sopram hoje, da radicalização e da proliferação de ideias autocráticas e iliberais”.
No mesmo artigo, o militar na reserva defende que um Presidente da República só deve exercer o poder de dissolver o parlamento ou demitir o Governo “quando existir a forte convicção de que o contrato entre governados e governantes foi significativamente comprometido”, seja por “uma perda de confiança insanável do povo no Parlamento e/ou no Governo em funções”, por “um desfasamento grave entre os objetivos-prática do Governo e a vontade previamente sufragada pelo povo” ou por uma “tentativa de usurpação de poder e subversão da Constituição, à margem da lei”.
Numa conjuntura na qual os “valores fundamentais da ética republicana e das democracias liberais estão a ser postos em causa” e a ameaça “já não vem apenas do Leste”, Gouveia e Melo defende que se exige dos atores políticos “responsabilidade, transparência e coragem”.
Defendendo uma Justiça célere, uma administração pública “independente e competente” que não sirva de “suporte ou trampolim para clientelas políticas” e uma “economia de mercado livre”, o almirante considera ainda que, “sendo a democracia tolerante por natureza, não deverá, em defesa própria, permitir ideias e práticas intolerantes, sob o risco de estas comprometerem a própria democracia”.
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