Nos últimos três anos, “deu-se conta de 237 casos, é demasiado”, afirmou a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, num encontro na Associação Corações com Coroa (CCC), em Lisboa, que assinalou o Dia Internacional da Tolerância Zero Contra a Mutilação Genital Feminina.
“Estes números são dramáticos, mas a ideia da dor e da crueldade subjacente a esta prática, além de nos deixar arrepiados tem de nos mobilizar para a ação”, sustentou Rosa Monteiro.
Para a governante, é preciso ter “muita coragem para enfrentar o ‘status quo’”, que “não fala porque desconhece”, porque “é incómodo” ou “porque há outros assuntos prioritários”.
Rosa Monteiro assinalou os progressos feitos em Portugal e no mundo para combater esta prática, mas advertiu que é preciso fazer mais.
“Se não fizermos de maneira diferente, se não intensificarmos esta luta”, estima-se que, até 2030, 54 milhões de raparigas e mulheres possam vir a ser excisadas.
Rosa Monteiro observou que esta “é uma ameaça” que também aumenta com a intensificação dos fluxos migratórios: “Isto traz às nossas sociedades realidades com as quais temos de saber trabalhar”.
“Temos de capacitar os profissionais de saúde, os magistrados, os profissionais de justiça”, mas também quem trabalha nas escolas para que aprendam “a despistar, a apoiar, a encaminhar e a capacitar estas meninas e mulheres”, defendeu.
Este trabalho tem também de ser desenvolvido junto das pessoas e nas comunidades no sentido de as levar a compreender que “há alternativas e caminhos diferentes para as raparigas e mulheres que lhes permitem um estatuto social igualmente valorizado que não passe por estas práticas de violência”.
Para Rosa Monteiro, o “grande obstáculo” à denúncia é o “pacto de silêncio entre as mulheres”, que “vem de gerações, das avós, das mães e das próprias meninas e raparigas que foram vítimas em Portugal ou quando vão de férias ao seu país de origem”.
Em declarações à Lusa, no final do encontro, a embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e presidente da associação CCC, Catarina Furtado, disse à agência Lusa que ainda “há um trabalho gigante a fazer-se” para erradicar esta prática.
“Já conseguimos, do ponto de vista legislativo, e Portugal teve aqui um papel fundamental, que existisse uma lei de 2011 na Guiné-Bissau”, que é um dos países onde mais se pratica a mutilação genital feminina, a proibir esta prática.
A prática já está a ser erradicada nalgumas comunidades, “fruto do investimento político” e do trabalho de organizações não-governamentais nacionais e internacionais, mas ainda há muitas localidades onde continua a fazer-se “longe dos olhos da lei”, lamentou.
“Curiosamente verificamos que as comunidades que, em Portugal, praticam a mutilação genital feminina, a maioria guineense, estão mais atrasadas ao nível do conhecimento sobre as consequências nefastas desta prática do que as pessoas que estão nos seus países de origem”, frisou a embaixadora da FNUAP.
Isto acontece porque as pessoas “saíram há muito tempo dos seus países, vêm com os seus rituais, com as suas tradições, estão muito fechadas dentro das suas comunidades” e não têm esse conhecimento que resulta do trabalho realizado com as comunidades, líderes religiosos, profissionais, de saúde, professores que “tem sido muito positivo”.
“Esse trabalho também tem de ser feito aqui com investimento político, com as associações que estão no terreno, para que estes números não nos envergonhem também a nós. Quando as pessoas dizem ‘é lá longe’, é mentira. É ‘cá perto’ e com cidadãos portugueses”, salientou Catarina Furtado.
Segundo um estudo da Universidade Nova, feito com dados de 2015, existem em Portugal cerca de 6.600 mulheres excisadas.
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