“Não haja dúvida de que foi o sítio em que a Marinha desempenhou um papel muito importante, porque a Guiné é um pântano, a parte fluvial é fundamental”, afirmou em entrevista à Lusa o almirante, que foi, aos 25 anos, o mais jovem comando de destacamento de fuzileiros, tendo cumprido comissões em Angola, na Guiné e em Timor.
O transporte logístico e a “penetração para operações” eram comummente assegurados pelos rios, onde operavam as lanchas de desembarque da Marinha. As lanchas de maior porte faziam grande parte do apoio logístico: “Na época das chuvas aquilo fica tudo alagado. Julgo que, com a maré cheia, um quarto da Guiné fica alagado”.
Além da adversidade do clima, as forças portuguesas encontraram na Guiné “um inimigo muito mais bem preparado” do que em Angola.
“Angola tinha uma vantagem. É um espaço muito grande e dava para haver zonas mais calmas. No sul não havia problemas nenhuns. Dava para várias táticas, manobras! A Guiné é um terreno muito curto e os países (vizinhos), o Senegal e a Guiné-Conacri, davam asilo ao inimigo”, recordou o oficial da Armada, atualmente contra-almirante na situação de reforma.
De acordo com Leiria Pinto, a grande missão da Marinha, além da logística, era manter as vias fluviais navegáveis. “Mesmo até ao fim, nunca houve interdição da operacionalidade da Marinha”, assegurou.
O receio de minas aquáticas acabou por não se confirmar. Surgiu um ou outro caso, mas “sem qualquer problema”, contou: “É muito mais difícil pôr uma mina num sítio com lodo, com grandes correntes. É muito difícil, o inimigo não tinha a tecnologia”.
Na Guiné, foi feito um levantamento geo-hidrográfico, trabalho a cargo da Marinha, que levantou a carta fluvial e terrestre. “Nós, oficiais de Marinha, navegávamos como que em terra. Bastava uma agulha magnética e íamos a qualquer local”, explicou.
Entre as várias experiências que viveu no Ultramar, teve feridos a lamentar, mas não perdeu qualquer homem, frisou, ao recordar a situação mais crítica, vivida na Guiné, quando a Marinha se deslocou a uma povoação, junto a um rio secundário, onde não ia há muitos anos.
“Fomos lá por uma questão de presença e também para ir buscar a mancarra – o amendoim -, que é um dos produtos de exportação da Guiné”, relatou.
Tudo tinha de ser “muito bem calculado”, por forma a ir com a maré e regressar com a maré. Leiria Pinto comandava um grupo dividido por duas lanchas. “Os patrões das lanchas eram peritos na zona. Sabiam exatamente onde se encontravam os bons locais para desembarcar”, referiu.
“Muitas vezes o desembarque tinha de ser feito naquele preciso ponto e à noite. Não havia sinalização, não havia nada. Se se desembarcasse 50 metros ao lado, já aquilo era mais complicado”, acrescentou o almirante.
As lanchas conseguiram furtar-se aos ataques da resistência local e chegar ao destino, mas o regresso foi mais complicado. “Bastante mais complicado”, nas palavras do almirante.
Uma das lanchas foi atingida por 32 balas. O artilheiro ficou ferido na emboscada, a máquina parou e a lancha que seguia à frente, onde se encontrava Leiria Pinto, teve de voltar atrás para a rebocar a embarcação danificada.
O atraso foi fatal à navegação. Atrasaram-se e encalharam à noite. “Não podíamos transmitir para Bissau porque estávamos absolutamente em ocultação de luzes. Foi um bocado complicado”, admitiu.
Os fuzileiros acabaram por ser salvos pelo macaréu, um fenómeno que se manifesta através de uma onda de enchente que faz elevar o nível da água em um a dois metros, em apenas dois ou três minutos.
“Veio o barulho do macaréu, entretanto eles localizaram-nos, pedimos apoio aéreo e tal, tínhamos um ferido. Tive várias cenas complicadas, mas essa talvez tivesse sido a mais complicada”, estimou o oficial, em entrevista realizada no Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa.
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